Correio braziliense, n. 20098, 01/06/2018. Negócios, p. 9

 

A 1ª greve digital no Brasil

Lino Rodrigues

01/06/2018

 

 

CAMINHONEIROS - Pesquisa mostra que 60% dos caminhoneiros souberam das paralisações por meio de WhatsApp ou pelo Facebook. Para especialista, governo falhou ao deixar de reconhecer força das redes sociais

São Paulo – Diferentemente de outros movimentos grevistas, a paralisação dos caminhoneiros não teve como pontos decisivos as assembleias da categoria ou a tradicional organização por sindicatos de trabalhadores. Em tempos de popularização da tecnologia, os motoristas de caminhões utilizaram smartphones e aplicativos de mensagens para se comunicar e organizar o movimento que imobilizou o Brasil nos últimos 10 dias.

Pesquisa realizada pela TruckPad, – startup que conecta caminhoneiros às transportadoras de carga, espécie de Uber do setor –, mostrou que a maior parte dos motoristas (cerca de 60%) ficou sabendo do movimento grevista por meio do WhatsApp e pelo Facebook, enquanto apenas 1,52% foram comunicados diretamente pelo sindicato ou associação de classe a que pertencem. O levantamento dos dados foi realizado na última terça-feira, quando as negociações ainda estavam em andamento entre o governo e os representantes dos transportadores.

“Essa é a primeira greve de vulto organizada digitalmente. Isso mostra que, ao contrário do que se pensa, os caminhoneiros estão digitalizados e utilizando a tecnologia no seu dia a dia”, disse Marcos Mira, presidente da TruckPad, dona do aplicativo que conecta os caminhoneiros às transportadoras de carga.

Marcos Mira lembra que ficou claro que o governo não usou o canal certo para se comunicar com os grevistas, uma vez que os caminhoneiros não seguiam uma única liderança e nem reconheciam os negociadores como seus legítimos representantes. “O governo deveria ter utilizado uma plataforma digital para ser ouvido pelos grevistas, o que teria sido bem mais eficaz”, disse o empresário.

Segundo Mira, a ideia de fazer o levantamento foi uma forma de identificar o perfil dos grevistas e saber o que realmente estava acontecendo com o setor de cargas. Para isso, a empresa enviou enquete com oito perguntas a 9 mil usuários do aplicativo. Em apenas uma hora, recebeu 1,5 mil respostas.

Assim, foi possível saber que 71,2% dos caminhoneiros não estavam parados nas rodovias brasileiras, mas em suas casas, acompanhando o movimento pela internet e se comunicando com os colegas por WhatsApp e Facebook, e 25,2% se encontravam estacionados nos acostamentos ou em barreiras montadas pelos grevistas. Pouco mais de 3% responderam que conseguiram trabalhar, porque haviam furado os bloqueios. Do total dos entrevistados, 81,8% se disseram autônomos e 10,6% empregados de transportadoras.

Questionados sobre a disposição de continuar a paralisação, 74% dos motoristas informaram, na terça-feira, que estavam dispostos a manter a paralisação pelo tempo que fosse preciso, o que pode explicar a demora na volta dos caminhoneiros ao trabalho.

Sem vínculo

Outro fato que chama a atenção na pesquisa é a quantidade de caminhoneiros que se disse sem vínculo com sindicatos ou associações de trabalhadores, o que também explica a dificuldade e a demora para o governo fechar o acordo e acabar com a greve. Do total de 1,5 mil entrevistados, 96% informaram não fazer parte de qualquer entidade de classe. Somente 4% responderam que são sindicalizados.

O aplicativo TruckPad registra 1 milhão de downloads e cerca de 700 mil caminhoneiros utilizam a plataforma, além de empresas como P&G e ArcelorMittal. Com investimentos de US$ 100 mil, e aportes das empresas Movile e Mercedes-Benz, ela foi fundada por Mira em 2013, tornando-se assim a primeira startup voltada ao transporte rodoviário de cargas, atendendo tanto caminhoneiros quanto à transportadoras.

A paralisação dos caminhoneiros abriu frente de negócios para a startup: a realização de pesquisas junto a um universo gigantesco de profissionais da área. Ainda que sem valor científico, elas indicam tendências e ajudam a entender a realidade das estradas brasileiras.

 

PERFIL DOS GREVISTAS

Principais resultados do estudo da Truck Pad*

 

» Quem são

Autônomos    81,76%

Empregado de transportadora    10,63%

Agregado    7,61%

 

» Como soube da paralisação

WhatsApp    49,85%

Foi parado na estrada    20,16%

Facebook    9,22%

Telefone    4,26%

Aviso em posto de combustível    3,24%

Convocado por sindicato ou associação    1,52%

Outros    11,75%

 

» Onde estava no dia da pesquisa

Parado, em casa    71,21%

Parado, na estrada (na manifestação)    25,24%

Rodando normalmente    3,55%

 

* Pesquisa feita com 1,5 mil caminhoneiros em 29 de maio