Correio braziliense, n. 20068, 01/05/2018. Política, p. 3

 

Os alvos da delação de Renato Duque

Bernardo Bittar

01/05/2018

 

 

PODERES » Ex-diretor da Petrobras negocia acordo de colaboração premiada e promete entregar extratos bancários, planilhas e fotos que “provam” crimes dos ex-presidentes Lula e Dilma

Além da nova denúncia da Procuradoria-Geral da República contra o ex-presidente Luiz Inácio da Silva, a senadora Gleisi Hoffmann e o ex-ministro Antonio Palocci, o PT vê o cerco se fechar em mais uma negociação de delação premiada: a de Renato Duque, ex-diretor de Serviços da Petrobras. Duque afirma ter informações sobre o envolvimento dos ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff com a Odebrecht e os desvios da Petrobras. A delação do ex-diretor da estatal atrapalha não apenas a viabilidade de um candidato do PT ao Planalto, mas complica ainda mais a sobrevivência do partido.

Segundo a força-tarefa de Curitiba, Renato Duque guardou documentos que “reforçariam o elo entre o PT, os ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff e os repasses da Odebrecht”. A entrega de provas contra nomes importantes do PT promete ser forte. Nos documentos apresentados ao Ministério Público Federal (MPF), o ex-diretor acusa Dilma de ter “franca atuação” em esquemas de desvio de dinheiro público. Na proposta de acordo há extratos bancários, planilhas e fotos. Duque disse ainda ter como explicar “em detalhes” como era a divisão de propinas milionárias.

O ex-diretor da Petrobras já colabora com as investigações da Lava-Jato por meio de um acordo com autoridades italianas — e até ganhou imunidade perante a Justiça daquele país. Durante os depoimentos, informou que “parou de contar” o valor das propinas quando elas chegaram a US$ 10 milhões, valor que julgou ser “mais que o suficiente” para ele e a família viverem até o resto da vida. Recebeu tanto que abriu mão de 20 milhões de euros aplicados em um banco de Mônaco, dinheiro recuperado pelo Brasil.

Cartel

Renato Duque está preso há três anos e meio. Foi citado em diversas delações como “alguém que tinha poder de decisão” e continua sendo investigado por firmar contratos com um cartel de empreiteiras e desviado os recursos para a corrupção de políticos e agentes públicos. A delação dele não foi efetivamente concluída. Ele pegou 57 anos de prisão por corrupção passiva, lavagem de dinheiro e organização criminosa. O ex-diretor da Petrobras ajuda com as investigações da Lava-Jato desde 2017, quando o juiz Sérgio Moro concedeu benefícios judiciais. O magistrado proferiu uma sentença unificando as penas de Duque e determinando que ele cumpra cinco anos em regime fechado e, a partir daí, consiga a progressão da pena. Passará a usar, assim, a tornozeleira eletrônica. Com a delação, todos os crimes podem ser esquecidos pelo chamado “perdão judicial”.

Na delação do executivo Augusto Ribeiro de Mendonça Neto, uma das primeiras a revelar o esquema de corrupção na Petrobras, em 2014, havia citações sobre Renato Duque. Mendonça informou à força-tarefa de Curitiba ter simulado ao menos seis contratos de prestação de serviços para pagar propina ao ex-diretor. O delator enviou documentos do Grupo Toyo Setal ao Ministério Público. Ribeiro era representante da empresa, mas usou outras, de fachada, para forjar serviços de terraplanagem, aluguel de equipamentos e consultoria com a Petrobras.

_____________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Críticas de Dipp

01/05/2018

 

 

O ministro aposentado do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Gilson Dipp critica a colaboração premiada, criada em 2013 no Brasil, afirmando que a “chuva de delações traz uma série de mal-entendidos”. O instrumento foi instituído pelo Ministério Público Federal (MPF), mas ainda é alvo de críticas e motivo de desgaste com a Polícia Federal. Nela, presos de maneira preventiva ou provisória fornecem informações sobre esquemas criminosos em troca de benefícios como a liberdade ou a diminuição da pena. Condenados pela Justiça conseguem, no máximo, a redução do tempo atrás das grades.

“A lei que regula e cria efetivamente a delação premiada dentro da Lei de Organizações Criminosas não foi examinada com a perspectiva nacional para o futuro”, afirma Dipp. Segundo ele, as análises foram feitas apenas no âmbito da Lava-Jato, o que causa uma série de mal-entendidos, como a disputa da PF e do MPF pela chancela da delação. “Delações em massa, como a da Odebrecht, são um erro. Não precisa de 80 delatores nisso. A história do Palocci, que trouxe um descontentamento entre policiais e procuradores, também traz problemas. O resultado é péssimo, embora o instituto seja bom”, explica o ministro aposentado. Sobre o caso concreto, Dipp acrescenta que “a delação do Duque foi descartada durante muito tempo” e que sua aceitação, agora, pode ser um tipo de resposta para o Judiciário de São Paulo, para onde parte das investigações da Lava-Jato foram enviadas.

Representantes do Ministério Público dizem que “não há mal-estar” nem exagero nas delações. Em recente entrevista ao Correio, o presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República, José Robalinho Cavalcanti, afirmou que “as delações são feitas à medida que há necessidade. O instituto é muito bom e ajudou em várias investigações importantes”.