Valor econômico, v. 18, n. 4444, 19/02/2018. Política, p. A6.​

 

 

Decreto de intervenção será votado hoje

Raphael Di Cunto, Marcelo Ribeiro, Fabio Ribeiro e Edna Simão

19/02/2018

 

 

Assinado na sexta-feira, o decreto presidencial que estabelece a intervenção na segurança pública do Rio de Janeiro começa a tramitar hoje no Congresso e deve ser votado ainda à noite na Câmara. O presidente do Senado, Eunício Oliveira (MDB-CE), também garantiu prioridade e poderá votá-lo amanhã.

A relatora da matéria, deputada Laura Carneiro (MDB-RJ), vai recomendar a aprovação do decreto de intervenção, mas, segundo fonte ouvida pelo Valor, vai destacar a necessidade de o presidente Michel Temer apresentar decreto parlamentar para assegurar os recursos e as políticas sociais necessárias para a medida. A oposição está contra a intervenção e deve dificultar o trabalho. Tradicionalmente os deputados não conseguem votar pautas polêmicas às segundas-feiras, devido ao baixo quórum. A operação, disse o líder do PT, Paulo Pimenta (RS), tem "muito mais fundo político do que a busca de solução operacional".

Ontem, Temer se reuniu com Eunício e os ministros Moreira Franco (Secretaria-Geral), Eliseu Padilha (Casa Civil), Sergio Etchegoyen (Segurança Nacional) e Henrique Meirelles (Fazenda). Na saída, Eunício disse que a reunião tratou do encontro de hoje entre Temer, líderes do Congresso e representantes do Conselho da República e o Conselho da Defesa Nacional. A ideia é diminuir o mal-estar gerado pelo fato de ter anunciado a intervenção sem ter ouvido o Conselho da República, o que é recomendado pela Constituição. Não se falou sobre a criação do Ministério da Segurança Pública. Quanto à intervenção enterrar a reforma da Previdência, Eunício declarou: "Todos sabemos com clareza que o artigo 60 da Constituição diz exatamente que, enquanto perdurar estado de sítio, não se pode mexer".

O decreto de intervenção é válido até o fim do mandato do presidente, em 31 de dezembro de 2018. A consequência é a impossibilidade de aprovação de propostas de emenda à Constituição (PEC), como a da Previdência (que era prioridade do governo), do foro privilegiado e da mudança na tramitação das medidas provisórias (MPs), além de qualquer alteração na regra de ouro.

Para tentar mitigar a leitura de que desistiu da Previdência, as principais autoridades federais, como o próprio Temer e o ministro da Defesa, Raul Jungmann, disseram e reiteraram que o governo, se conseguir os 308 votos necessários, poderá suspender a intervenção temporariamente para que a reforma da Previdência seja votada.

Nos bastidores da área econômica, já se percebe o clima de que as chances de aprovação se tornaram ainda mais remotas ou mesmo nulas. Fontes indicam que agora a situação é mais de se esperar os prazos anteriormente fixados (leitura dia 20 e votação até 28 de fevereiro) para formalizar o enterro da reforma. Uma fonte destaca que a intervenção vai gerar uma desmobilização dos parlamentares. Além disso, a ideia de suspender a intervenção temporariamente é complicada e enseja dúvidas jurídicas e operacionais.

A equipe econômica ainda tentou convencer o presidente a esperar um pouco mais para fazer a intervenção. Mas, como analisa uma fonte, pesou o temor de que episódios ainda mais graves do que os vistos nos últimos dias ocorressem. Em geral, as fontes evitaram especular sobre as intenções políticas por trás da decisão de Temer, reforçando a gravidade da situação fluminense, especialmente na capital. Mas efetivamente o governo federal, altamente impopular, está deixando para trás um tema espinhoso e que não conta com apoio da população, como a reforma da Previdência, por uma operação que, embora arriscada, tem potencial de gerar ganhos efetivos para o governo. "Foi um álibi para substituir uma reforma que já tinha ido para o vinagre", comentou outra fonte.

O decreto de intervenção também interferirá na solução para o problema da regra de ouro das contas públicas. Fonte graduada admite ser mais provável que se aplique o dispositivo já existente de pedir autorização para o Congresso Nacional para que o governo tome empréstimo acima da despesa de capital, que depende apenas de um projeto de lei.

Apesar das dificuldades claras que se impõem para a aprovação de emendas constitucionais, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), disse que não havia decidido como procederá com as PECs nesse ambiente de intervenção federal. Como esse fato é inédito desde a Constituição de 1988, a decisão é, por enquanto, de Maia e de Eunício, mas também pode chegar ao Supremo Tribunal Federal (STF).

Já há pressão para liberação de recursos federais para o Rio. Segundo fonte da equipe econômica, o dinheiro utilizado sairá do orçamento dos ministérios da Defesa e da Justiça. Mas até quarta-feira, o governo federal deve editar decreto para autorizar o Rio a utilizar royalties como garantia de empréstimo.

Ontem, Temer determinou o envio de força-tarefa policial ao Ceará. No fim da noite, antes de embarcar para o Estado, o ministro da Justiça, Torquato Jardim, afirmou que o governo vai assistir todas as unidades da Federação que solicitarem ajuda, dentro da capacidade operacional e de seus limites orçamentários.