O globo, n. 30935, 18/04/2018. País, p. 3

 

Aécio agora é réu

André de Souza e Carolina Brígido

18/04/2018

 

 

STF aceita denúncia contra o senador tucano e complica ainda mais PSDB nas eleições

-BRASÍLIA- A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu ontem, por unanimidade, tornar o senador Aécio Neves (PSDB-MG) réu no inquérito que investiga o tucano pelo crime de corrupção passiva. O caso remonta a delação da J&F na qual Aécio foi incluído depois de ter sido gravado pelo empresário Joesley Batista pedindo R$ 2 milhões. Na denúncia apresentada pela Procuradoria-Geral da República (PGR), e aceita pelos ministros, o dinheiro é tratado como propina. Já o senador, em sua defesa, alega que se tratava de um pedido de empréstimo para custear despesas com advogados. Aécio também foi denunciado por supostamente usar o mandato parlamentar para tentar atrapalhar as investigações da Lava-Jato. Nesse caso, o crime de obstrução à Justiça foi aceito pela maioria da turma.

A derrota de Aécio, ex-presidenciável tucano, que recebeu 51 milhões de votos em 2014, representa mais um desgaste ao PSDB, no momento em que o seu pré-candidato a presidente, Geraldo Alckmin, tenta decolar. A conversão do inquérito em ação penal, porém, não significa a condenação de Aécio. É só o começo de um processo, ao fim do qual a Corte vai julgar se ele e outros três investigados serão culpados ou inocentes.

A decisão é importante para o desdobramento de uma série de outros casos no STF. Os ministros consideraram válidas, no caso de Aécio, todas as provas colhidas pela PGR no curso do acordo de colaboração firmado com os donos do grupo J&F. Os ministros negaram o pedido da defesa de Aécio que pretendia invalidar as provas sob o argumento de que teriam sido obtidas de forma irregular. Segundo os ministros, mesmo que a delação seja revogada, as provas continuam válidas nas investigações. A colaboração dos executivos da J&F passou a ser questionada na Justiça depois que surgiram indícios de que o ex-procurador Marcello Miller teria favorecido os empresários na negociação com o Ministério Público Federal.

Por maioria, os ministros também aceitaram a parte da denúncia que acusa Aécio de ter usado sua atividade no Senado para atrapalhar a LavaJato. Entenderam que a atuação parlamentar pode configurar obstrução da Justiça, desde que seja oferecida como favor em troca de vantagem indevida. Agora, foi inaugurada uma nova fase de apurações, com provas e depoimentos (detalhes no infográfico ao lado).

PAGAMENTO DE R$ 500 MIL ACOMPANHADO PELA PF

O recebimento da denúncia por corrupção passiva foi unânime. Nesse caso, também se tornaram réus outras três pessoas: a irmã do senador, Andrea Neves, o primo dele Frederico Pacheco, e Mendherson Souza Lima, ex-assessor parlamentar do senador Zezé Perrella (PMDB-MG). Frederico foi flagrado em vídeo pela PF recebendo mala de R$ 500 mil de Ricardo Saud, ex-executivo da J&F.

Já no crime de obstrução da Justiça, do qual apenas o senador foi acusado, quatro dos cinco ministros foram favoráveis. Alexandre de Moraes divergiu. Marco Aurélio Mello destacou as gravações:

— Há transcrições de conversas telefônicas das quais se extrai que se estaria tentando influenciar na escolha de delegados da PF para conduzir inquéritos, buscando assegurar a impunidade de autoridades políticas investigadas.

Luís Roberto Barroso destacou que a ação controlada da PF filmou repasses de dinheiro.

— No mundo dos negócios lícitos, o pagamento de R$ 2 milhões em quatro parcelas de R$ 500 mil se faz com transferência bancária ou com cheque. Nos dias de hoje, ninguém sai por aí com malas de dinheiro, a não ser que haja alguma coisa errada — afirmou Barroso.

 

Luiz Fux e Rosa Weber, assim como Barroso, foram favoráveis ao recebimento total da denúncia. Alexandre de Moraes aceitou a acusação só sobre corrupção passiva. Para ele, a obstrução só há quando um investigado tenta atrapalhar investigações de crime organizado. E Aécio não foi denunciado por participação em organização criminosa.

 

_______________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

 

‘O tempo me permitirá provar a correção dos meus atos’, afirma tucano

Maria Lima

18/04/2018

 

 

No Senado, Aécio diz que recebe decisão com ‘absoluta tranquilidade’

-BRASÍLIA- O senador Aécio Neves (PSDB-MG) disse ontem que recebeu a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) com serenidade e agora poderá provar sua inocência. Aécio assistiu ao julgamento em casa. Quando saiu o resultado, foi ao Senado, passou rapidamente pelo plenário e, do lado de fora, fez um comunicado de cerca de dois minutos e meio, sem perguntas dos jornalistas. Em nota, disse que não vai esmorecer enquanto não provar sua inocência, a da irmã Andreia Neves e a do primo Frederico Pacheco.

Na fala rápida, em frente ao plenário, Aécio disse que recebia “com absoluta tranquilidade” a decisão porque já era esperada, e que agora terá chance de provar “a absoluta correção” dos seu atos:

— O tempo agora me permitirá, de forma serena, de forma absolutamente tranquila, provar a absoluta correção dos meus atos. E é isso que farei. Em respeito a uma história honrada, de mais de 32 anos de vida pública, em respeito à minha família, e a tudo que eu espero ainda poder contribuir para que o Brasil melhore, para que Minas Gerais avance. Portanto, vamos agora à fase mais relevante de todas: provar a absoluta legalidade e correção dos meus atos.

Mais tarde, Aécio distribuiu uma nota na qual disse estar sendo vítima de uma “ardilosa armação de criminosos confessos, aliados a membros do Ministério Público, que construíram um enredo para aparentar que cometi alguma ilegalidade”.

No pronunciamento aos jornalistas, o tucano disse que está sendo processado por ter aceito um empréstimo de um empresário. Os recursos, disse, eram privados, de origem lícita, para pagar os seus advogados. E repetiu que não houve dinheiro público envolvido e ninguém foi lesado nessa operação. Aécio criticou a delação premiada do empresário Joesley Batista, negociada pelo ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot.

O senador também citou supostas ilegalidades que teriam sido praticadas por integrantes do Ministério Público na condução da delação de Joesley. A defesa aponta uma dupla atuação do ex-procurador Marcelo Miller. Ele foi contratado pelo escritório que negociou acordo de leniência do grupo JBS após deixar o MPF, mas teve conversas informais com advogados do empresário sobre sua delação quando ainda era procurador.

— O que houve foi uma gravíssima ilegalidade, no momento em que esses empresários, réus confessos de inúmeros crimes, associados a membros do MP, o que é mais grave, tentam dar impressão de alguma ilegalidade em toda essa operação, repito, privada, para se verem livres dos inúmeros crimes que cometeram.