O globo, n. 30926, 09/04/2018. País, p. 4

 

No primeiro dia, noite mal dormida e jogo do Corinthians

Gustavo Schmitt

09/04/2018

 

 

Na sede da PF em Curitiba, ex-presidente demonstrou preocupação em manter rotina de exercícios físicos; Ficou combinado que, se precisar de algo, Lula deve bater duas vezes na porta para ser atendido pelos agentes que o guardam

 

GUSTAVO SCHMITT

-CURITIBA- Depois de uma viagem silenciosa de São Paulo a Curitiba ao lado de agentes da Polícia Federal e de uma madrugada mal dormida, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva começou o seu primeiro dia preso com um café da manhã simples. O petista recebeu às 7h45m de ontem um café preto e um pão com manteiga para comer, sozinho, em uma sala de 15 metros quadrados. O almoço, composto de arroz, feijão, macarrão, um pedaço de carne e salada, veio às 11h. À tarde, Lula assistiu à vitória do seu time, o Corinthians, sobre o Palmeiras, que valeu a conquista do Campeonato Paulista. No jantar, recebeu uma quentinha com carne assada, chuchu, arroz, feijão e macarrão. Foi assim o primeiro dia de sua rotina como um dos presos da Operação Lava-Jato sob custódia da PF em Curitiba.

A simplicidade do cardápio se manterá nos próximos dez dias, período de adaptação cumprido por todo preso. Depois, Lula poderá receber semanalmente o "jumbo", a sacola de comida trazida pelas famílias dos detidos. Nesse primeiro momento, o ex-presidente também não poderá receber visitas, com exceção de seus advogados.

Na noite de sábado, durante o voo de São Paulo a Curitiba, Lula ficou a maior parte do tempo calado. Estava visivelmente exausto, após a tensão entre a decretação de sua prisão e o momento em que se entregou à polícia. Um interlocutor descreveu o estado de ânimo do petista como de certa apatia. Ao descer no heliponto da PF, já em Curitiba, o ex-presidente não demonstrou reação ao ouvir fogos de artifício lançados por manifestantes que comemoravam sua prisão e cumprimentou todas as pessoas que encontrou pelo caminho até a sala designada como sua cela.

Petistas reclamaram que a PF manteve os manifestantes muito próximos ao prédio, o que fez com que os fogos de artifício estourassem perto da aeronave. Foi o único ponto que saiu do roteiro combinado, na avaliação dos partidários de Lula. Eles questionaram porque não foi montado um cordão de isolamento em torno do prédio, como ocorreu no edifício da Justiça Federal no Paraná, nos dois depoimentos de Lula ao juiz Sergio Moro no ano passado.

SEM BRASÕES DA POLÍCIA

Durante a espera no sindicato, os advogados de Lula e dirigentes partidários negociaram com a PF como seria a apresentação de Lula. Tratava-se não só de evitar alguma consequência grave, mas de garantir o sucesso de um ato político com objetivos futuros. Uma das principais preocupações dos advogados e do PT era que o transporte de Lula fosse feito de forma discreta, para evitar que a imagem do ex-presidente aparecesse ao lado de símbolos e brasões da polícia, o que poderia estigmatizá-lo como criminoso.

Por causa disso, os agentes que prenderam Lula usavam terno e gravata e não os normais coletes da polícia. Os carros eram descaracterizados, sem o logo oficial, assim como o avião que fez o transporte de Congonhas a Curitiba. O PT pretende usar as imagens da prisão de Lula na campanha eleitoral.

Nos seus últimos momentos no sindicato, seu refúgio por quase dois dias, o ex-presidente ficou com a sua bisneta de um ano no colo. Antes de se entregar, Lula tentou passar tranquilidade aos aliados. Ao se despedir, foi aplaudido. Muitos choraram.

Lula foi condenado a cumprir pena de 12 anos e 1 mês pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro no caso do tríplex do Guarujá. Na superintendência da PF em Curitiba, três agentes têm acesso ao petista. Como a sala onde Lula está não tem grades, os policiais combinaram um código com o expresidente: duas batidas na porta caso precise de algo.

Na PF, Lula terá um horário reservado para o banho de sol, com cerca de duas horas diárias. Uma das preocupações do petista é manter a rotina diária de exercícios físicos. Na PF, só há um pátio onde é possível fazer caminhadas durante o banho de sol. Não há aparelhos de ginástica. Alguns presos que por lá passaram, como o empresário Marcelo Odebrecht, improvisavam exercícios.

No mesmo prédio estão o ex-ministro Antonio Palocci e o empreiteiro e sócio da OAS, Aldemário Pinheiro Filho, o Léo Pinheiro. Lula não os encontrará, pois seu horário de banho de sol é diferente. É improvável que quisesse. Embora não tenham fechado delação premiada, os dois denunciaram Lula em seus depoimentos ao juiz Sergio Moro. Pinheiro, inclusive, foi importante para a condenação de Lula.

Na manhã de ontem, o PT distribuiu uma nota em que afirma que a vigília em Curitiba será “permanente” e que estão “sendo agendadas visitas de líderes internacionais”. Foram feitas manifestações de apoio a Lula nas proximidades da superintendência. Da sala onde está, Lula consegue ouvir.

Em vídeo gravado na noite de sábado, Lula afirmou que estava “muito tranquilo” e “muito de bem com a minha consciência e com a minha vida”.

— Eu sabia que o impeachment da Dilma não era para parar na Dilma. Eles não queriam mais que o PT pensasse em voltar porque eles não queriam mais política de inclusão social. Não querem que o povo mais humilde ascenda um degrau na escala da sociedade, na escala do bem-estar. Só o fato de o pobre comer bem já incomoda eles, quanto mais viajar de avião e ir pra universidade —, disse o expresidente. (Colaboraram Thiago Herdy, Bela Megale, Sérgio Roxo e Roberta Scrivano)

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Após confronto, polícia bloqueia quarteirão da sede da PF, no PR

Gustavo Schmitt e Louise Queiroga

09/04/2018

 

 

Em SP, polícia abre inquérito sobre homem agredido no Instituto Lula

-CURITIBA E RIO- Um dia depois do confronto que deixou oito pessoas feridas nos arredores da sede da Polícia Federal, em Curitiba (PR), o esquema de segurança na região foi reforçado na manhã de ontem, com cordões de isolamento e bloqueios. A Polícia Militar interditou um quarteirão ao redor do prédio onde está preso o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, para evitar tumultos.

Três crianças estavam entre os oito feridos no confronto que ocorreu na noite de sábado, no momento da chegada de Lula. O tumulto começou quando o helicóptero que trazia o ex-presidente pousava.

Segundo o comandante do 20º Batalhão da Polícia Militar de Curitiba, tenente-coronel Mário Henrique do Carmo, o estopim foi a explosão de duas bombas no local onde estavam os manifestantes favoráveis a Lula. O comandante afirmou que a polícia reagiu com gás lacrimogêneo. Em seguida, manifestantes atiraram pedras e paus contra policiais militares que estavam no local. Um PM foi ferido com um soco no rosto. Os policiais revidaram com tiros de bala de borracha para dispersar a confusão.

A Polícia Federal informou que apoiadores do petista tentaram entrar no prédio e agentes teriam reagido com bombas de gás lacrimogênio e balas de borracha.

Manifestantes, no entanto, negam ter iniciado o tumulto. Uma das feridas foi a professora Andrea Beatriz Jimenez, atingida por dois tiros de borracha na perna direita.

— A polícia disparou balas de borracha. Estávamos em paz — afirmou.

A Polícia Militar sustenta que, apesar do confronto, o esquema de segurança era adequado para a situação. Dos oito manifestantes feridos, três foram encaminhados a hospitais, mas liberados.

A presidente do PT, Gleisi Hoffmann, chegou às 23h50m de sábado na superintendência, em busca de informações.

— Viemos para saber o porquê dessa ação violenta que atingiu os nossos manifestantes. Enquanto o ex-presidente Lula estiver aqui vai haver caravanas e vigílias. A PF tem que estar preparada para garantir a segurança — disse.

FERIDO EM SÃO PAULO

O administrador Carlos Alberto Bettoni, que foi agredido por apoiadores do ex-presidente Lula na noite de quinta-feira, em frente ao Instituto Lula, em São Paulo, segue internado no Hospital São Camilo, sem previsão de alta. Segundo o boletim médico divulgado ontem, ele sofreu traumatismo cranioencefálico grave, passou por cirurgia e seu estado, apesar de inspirar cuidados, é estável.

De acordo com a polícia, Manoel Eduardo Marinho, o Maninho do PT, ex-vereador de Diadema, foi quem deu o último empurrão, que fez Bettoni bater a cabeça na carroceria de um caminhão que passava.

Segundo a Polícia Civil, a 17° DP (Ipiranga) instaurou um inquérito para investigar o caso.

Maninho do PT não quis se manifestar. Seus advogados divulgaram uma nota: “O senhor Manoel Eduardo Marinho, assim como a sua família, lamenta muito a fatalidade ocorrida e está à disposição das autoridades para prestar todo e qualquer esclarecimento necessário".