O globo, n. 30927, 10/04/2018. Rio, p. 10

 

À procura do fio da meada

Chico Otavio, Ana Carolina Torres, Diego Amorim e Vera Araújo

10/04/2018

 

 

Equipe investiga assassinato de vereadora e também de suspeito de ligação com milícia

A equipe da Divisão de Homicídios (DH) e a do Ministério Público que investigam a morte de Marielle Franco apuram também o assassinato do líder comunitário Carlos Alexandre Maria, no domingo. Ele era ligado ao vereador Marcello Siciliano, ouvido no inquérito da vereadora. A equipe da Divisão de Homicídios (DH) da Polícia Civil e do Ministério Público (MP) estadual que investiga o assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL) e do motorista Anderson Pedro Gomes, no último dia 14, também apura a execução, na noite de domingo, de Carlos Alexandre Pereira Maria, de 37 anos, líder comunitário da região da Taquara, na Zona Oeste. Conhecido como Alexandre Cabeça, ele era suspeito de ligação com uma milícia e trabalhava como colaborador do vereador Marcello Siciliano (PHS), ouvido na semana passada pelo grupo que conduz o inquérito sobre a morte de Marielle e Anderson.

Siciliano foi um dos seis vereadores chamados pela DH para contar como era a convivência com Marielle. Alguns eram do PSOL; outros, adversários políticos da parlamentar. Mas, de acordo com investigadores, nenhum prestou depoimento na condição de suspeito. Citado em um relatório da Secretaria de Segurança sobre a influência de milicianos nas eleições de 2014, quando concorreu a deputado estadual (sem conseguir se eleger), Siciliano ficou aproximadamente três horas na sede da especializada, na Barra. Ontem, ele lamentou o assassinato de Carlos Alexandre, a quem descreveu como um “colaborador voluntário” de seu gabinete.

— Era uma pessoa de bem, trabalhadora e empenhada em resolver os problemas do bairro dele. Era muito atuante e bastante procurado pela população, sempre nos encaminhava muitas demandas — disse Siciliano, que, na sexta-feira passada, lamentou também a morte de Marielle, considerada por ele “uma grande amiga”.

O líder comunitário foi morto por volta das 20h45m de anteontem na localidade conhecida como Boiúna, na Estrada Curumau, na Taquara. Ele levou vários tiros dentro de um carro. Policiais do 18º BPM (Jacarepaguá) disseram que, segundo uma testemunha, um grupo praticou o crime. Antes de abrir fogo, um dos assassinos teria gritado “chega para lá que a gente tem que calar a boca dele”.

Siciliano contou que conheceu Carlos Alexandre há dois anos, durante sua campanha para a Câmara Municipal. Na época, o nome do líder comunitário já aparecia nos bancos de dados do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do MP e da Delegacia de Repressão às Ações Criminosas Organizadas (Draco) como suspeito de envolvimento com uma milícia. Siciliano disse que, após as eleições, Carlos Alexandre se colocou à disposição para trabalhar como voluntário em seu gabinete.

“ASSESSOR PARLAMENTAR” DE SICILIANO

De acordo com a assessoria de imprensa do vereador, ele atuava nas ruas, junto a moradores da Zona Oeste: identificava necessidades e problemas da região e passava para informações ao parlamentar, que fazia ofícios para órgãos públicos cobrando soluções.

Em seu perfil no Facebook, Carlos Alexandre se identificava como “assessor parlamentar” de Siciliano, e informava que havia assumido a função no último dia 3. Uma das fotos que publicou na rede social mostra diversos cartões de visita com seu nome e o cargo que afirmava ocupar. Ele também postava imagens do que chamava de “fiscalização” de obras realizadas a pedido do vereador. Em algumas, Carlos Alexandre aparecia ao lado de Siciliano e do prefeito Marcelo Crivella. A última foi registrada no dia 23 do mês passado, quando o grupo esteve na Gardênia Azul, reduto eleitoral do vereador.

Carlos Alexandre costumava usar um colete com o nome de Siciliano para trabalhar. A assessoria do vereador informou que todos os seus colaboradores fazem uso da vestimenta, e assinam um termo de responsabilidade para isso.

Uma das linhas de investigação da DH sobre a morte do colaborador de Siciliano é focada em sua suposta ligação com milicianos. A relação de Carlos Alexandre com o vereador também é investigada no inquérito.

Em 15 de março deste ano, um dia após a morte de Marielle e Anderson, Carlos Alexandre compartilhou uma publicação de Siciliano no Facebook, na qual o vereador lamenta a morte da colega e posta um texto, acompanhado de uma foto em que aparece abraçado com ela:

“Tristeza. É a única palavra e sentimento que consigo expressar nesse momento. Uma pessoa única: amiga, guerreira, simpática, educada, inteligentíssima e, acima de tudo, da paz. Sempre tratou a todos com respeito e atenção. Apesar de opiniões e partidos diferentes, éramos, acima de tudo, amigos. Nesse momento de dor e indignação, deixo aqui todo o meu pesar à família, assessores e amigos da Marielle Franco”.

OSTENTAÇÃO EM FOTOS NO FACEBOOK

Com atuação mais forte na localidade conhecida como Lote Mil, Carlos Alexandre tinha passagens pela polícia. Ele foi três vezes acusado de lesão corporal decorrente de violência doméstica e uma por ameaça, mas os processos acabaram sendo extintos. Além de valorizar seu trabalho com Siciliano em várias publicações, o líder comunitário gostava de exibir, em seu perfil no Facebook, sua paixão pelo Flamengo, por atividades físicas e por joias. Em várias fotos, aparece com relógio, cordão, pulseira e anel de ouro, muitas vezes usando roupas de grifes.

“Gente, quanto ouro!”, comentou um internauta em uma das postagens. “Tá rico”, afirmou outro. “Sempre bem trajado, né, mano”, escreveu um terceiro.

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Em oito anos, número de áreas controladas por grupos paramilitares dobrou

Chico Otavio e Vera Araújo

10/04/2018

 

 

Quantidade de favelas da cidade com atuação de quadrilhas passou de 41 para 88

Um levantamento do Ministério Público estadual revela que, em oito anos, as milícias dobraram sua área de atuação no município do Rio. De 2010 até hoje, grupos paramilitares aumentaram de 41 para 88 o total de favelas sob seu controle.

Setores de inteligência do estado suspeitam que, na Praça Seca, uma guerra opõe uma milícia, apoiada pelo Terceiro Comando Puro (TCP), e o Comando Vermelho (CV), que tenta unificar comunidades de Jacarepaguá e do Lins ligadas pela Mata Atlântica, transformando-as num único e lucrativo complexo, a exemplo do Alemão.

Mesmo preso, um dos chefes do CV, Luiz Cláudio Machado, o Marreta, teria exigido, em outubro do ano passado, que seus homens tomassem o Morro Bateau Mouche, na região da Praça Seca. Durante um sobrevoo, policiais do Batalhão de Operações Especiais (Bope) da PM avistaram casamatas de traficantes na floresta, possivelmente feitas para tomada de território.

Um vídeo gravado em março mostra a circulação de homens vestidos de preto e armados com fuzis na Rua Cândido Benício, uma das principais da região. Segundo investigadores, era a milícia comandada por Horácio de Souza Carvalho, preso em fevereiro, deixando o Bateau Mouche. Atualmente, ele é réu por corrupção ativa, associação criminosa e lavagem de dinheiro. Horácio está na Penitenciária Bandeira Stampa, em Gericinó.

O objetivo dos milicianos é dominar toda a região de Jacarepaguá. Para isso, além do Bateau Mouche e dos morros São José Operário e do Barão, precisam expulsar o tráfico da Cidade de Deus. Lá, o território mais antigo em poder da milícia é a favela Gardênia Azul. O ex-bombeiro Cristiano Matias Girão era o chefe da quadrilha na comunidade e foi vereador de janeiro a dezembro de 2009, quando acabou sendo preso. Perdeu o mandato por excesso de faltas. Na semana em que a vereadora Marielle Franco foi assassinada, no mês passado, a presença dele na Câmara Municipal foi registrada por câmeras de segurança.

O Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público estadual denunciou Girão por formação de quadrilha, em 2012. Promotores o acusaram de ameaça, extorsão e lavagem de dinheiro, entre outros crimes. O Gaeco destacou “o uso frequente de violência física e moral contra moradores e comerciantes da referida localidade, a ditadura de regras próprias em absoluta afronta ao estado democrático de direito e o emprego de armas de fogo para a manutenção do império e garantia da ‘lei do silêncio’”.

— Como questão de segurança pública, a milícia é pior que o tráfico — afirmou o promotor Cláudio Varella, que comandou o Gaeco de 2009 a 2012.

Em setembro do ano passado, uma outra denúncia do Gaeco à Justiça detalhou o modo de agir da quadrilha formada por Wellington da Silva Braga, o Ecko, chefe da milícia de Santa Cruz, e outros 30 suspeitos. Segundo promotores, os milicianos, sob pretexto de proteger os moradores, controlavam o monopólio da venda de botijões de gás, ofereciam sinal clandestino de TV a cabo e extorquiam dinheiro de comerciantes, além de estarem envolvidos em roubos de carros e espancamentos, sequestros, torturas e homicídios.

Luiz Antonio Ayres, que já foi promotor do Gaeco, disse que não há mais prisões por venda de drogas em Santa Cruz, já que só a comunidade de Antares é controlada por traficantes:

— A milícia dominou Santa Cruz. Essa facção criminosa tem um caráter viral e cancerígeno. Ela se aproveita das falhas crônicas da investigação e vai corroendo a sociedade, se infiltrando no poder público.

O delegado Fábio Galvão, subsecretário de Inteligência da Secretaria de Segurança Pública, informou que, de 2006 para cá, 1.387 milicianos foram presos. Em 2010, houve o maior número agentes públicos levados à cadeia: 52, sendo 42 PMs.

— O Rio é um estado onde há três facções do tráfico e milícias. São forças que disputam território com fuzis. Estamos lutando contra esse problema de grande complexidade, que não depende só das polícias — disse Galvão.