Título: Anistia relata prisões-relâmpago
Autor: Qieroz, Silvio
Fonte: Correio Braziliense, 22/03/2012, Mundo, p. 25

A cinco dias da chegada do papa Bento XVI a Cuba, a Anistia Internacional (AI) denuncia o que classifica como "um novo padrão de cerceamento e intimidação" à oposição por parte do regime comunista. Depois de ter concluído a libertação de 75 dissidentes presos em 2003 e condenados a longas penas de prisão, as autoridades passaram a adotar uma política de submeter os ativistas a períodos curtos de detenção, muitas vezes acompanhados de violência física, sem a abertura de processo por crimes políticos — substituídos por acusações como a de "perturbação da ordem", "desacato" e outros delitos comuns. "Embora o aumento dos casos relatados possa ser parcialmente atribuído a uma capacidade maior de monitorar e trocar informações sobre abusos, é inegável que as autoridades cubanas incrementaram a repressão a seus oponentes políticos", diz o relatório Repressão de Rotina, divulgado ontem pela AI.

O pesquisador da Anistia que se ocupa da situação em Cuba, Gerardo Ducos, relaciona a mudança de tratamento aos dissidentes com a chegada de Bento XVI, inclusive pelo papel da Igreja cubana como mediadora do processo de libertação dos 75 presos políticos. "No fim de 2011, quando já se sabia da viagem (do pontífice), vários detentos políticos e comuns ganharam liberdade condicional", disse Ducos ao Correio. "Pode ter sido uma maneira de melhorar a imagem internacional e evitar que o tema dos direitos humanos seja prioritário na agenda da visita", completou.

"De 2009 para cá, não se veem tantos processos políticos, mas as detenções de curto prazo dispararam", explica o especialista da Anistia. Ele cita como exemplo o episódio do último domingo envolvendo cerca de 70 ativistas do grupo Damas de Branco, formado por mulheres que têm parentes presos por motivos políticos. Algumas foram retidas em casa, outras foram detidas quando saíam da missa, em Havana, e tentavam realizar sua marcha semanal pela liberdade dos dissidentes. Outras foram impedidas de viajar para a capital. Segundo o especialista, "o regime passou a recorrer a delitos como "desordem pública" e "desacato" para processar dissidentes e jornalistas independentes". O relatório menciona a Comissão Cubana de Direitos Humanos e Reconciliação Nacional, que contabilizou 2.784 casos em 2011 (até setembro), contra 2.074 em 2010.

"É preciso considerar que as comunicações melhoraram quando passaram a permitir aos cubanos que adquiram telefones celulares", pondera o pesquisador da AI. "Mesmo assim, o número de detenções aumentou", ressalva Ducos. Os relatos recebidos pela organização sugerem que o regime procura intimidar os discordantes também com a ação de militantes e simpatizantes do Partido Comunista. "Eles se concentram diante da casa de uma Dama de Branco, por exemplo, gritam lemas e a rua fica interditada", conta. "A polícia é chamada e a ativista é acusada de perturbar a ordem."

"Aliciamento" As autoridades cubanas sustentam que não há presos por delitos políticos no país e acusam organizações internacionais de aliciarem familiares de presos comuns para que os apresentem como opositores políticos. Em troca, eles recebem apoio financeiro e jurídico e a promessa de ajuda para emigrar.