O globo, n. 30923, 06/04/2018. Eonomia, p. 18

 

Prisão expõe contradições do sistema judicial

Míriam Leitão

06/04/2018

 

 

Este é um momento difícil para o país como um todo. Um ex-presidente, que saiu do governo com alta popularidade, que marcou definitivamente a História do país, está com ordem de prisão decretada. É inevitável a sensação de derrota. Contudo, é o teste que as instituições escolheram fazer para enfrentar a maior ameaça da nossa democracia: a corrupção e a promiscuidade entre o público e o privado. Lula teve o devido processo legal, e seus advogados permanecem podendo recorrer. Mas seus apoiadores estão ameaçando o país como se isso fosse mudar a estrutura legal e judicial brasileira.

A ordem de prisão do ex-presidente Lula expõe de forma clara as contradições do sistema judicial do país. O Supremo Tribunal Federal (STF) negou o habeas corpus a Lula porque o entendimento hoje em vigor é de prisão após o julgamento de segunda instância, mas manteve-se a incerteza sobre esse entendimento. Então, ele pode estar sendo preso agora por uma jurisprudência que mudaria no futuro. O ideal na democracia é que haja uma estabilidade de regras, principalmente quando emanadas da Suprema Corte. Não podem ser tratadas diferentemente pessoas acusadas ou processadas pelos mesmos crimes.

A Justiça não pode poupar o Lula por ser o Lula, mas o fato é que os inúmeros políticos que têm o direito ao foro privilegiado têm o direito de serem julgados pelos tribunais superiores. Ou seja, é urgente que se trabalhe para reduzir as desigualdades dentro do sistema, um deles é o de o STF, enfim, reduzir a enorme abrangência do foro privilegiado. O julgamento foi interrompido no final do ano passado pelo ministro Dias Toffoli quando o placar já estava 8 a 0 a favor da restrição. Toffoli devolveu o caso ao plenário no final do mês passado. Além do seu voto, os ministros Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski ainda precisam se manifestar, mas isso não mudaria o resultado do julgamento.