O globo, n. 30888, 02/03/2018. País, p. 3

 

A agenda da eleição

André de Souza, Karla Gamba, Maria Lima e Sérgio Roxo

02/03/2018

 

 

Temer anuncia crédito do BNDES contra a violência e se alinha a discurso de presidenciáveis

Duas semanas depois de decretar a intervenção na segurança pública do Rio, o presidente Michel Temer (PMDB) deu ontem mais um passo para produzir um discurso nacional que o ponha em linha com o principal assunto da eleição deste ano: o combate à criminalidade. O peemedebista anunciou ontem, ao lado de governadores e representantes de 26 estados, um empréstimo de R$ 42 bilhões, com recursos do BNDES, para reequipar as polícias. A sete meses das eleições, no entanto, as medidas frustraram os chefes de executivos, pois as verbas não serão liberadas imediatamente, mas ao longo de cinco anos. Com isso, a maior parte delas só poderá ser acessada após o fim do mandato dos políticos ali presentes.

No plano, a previsão é de que sejam liberados R$ 5 bilhões em 2018, dos quais R$ 4 bilhões serão por meio de financiamentos do BNDES. A maior parte dos R$ 42 bilhões anunciados na reunião — R$ 33,6 bilhões — virá desta modalidade de financiamento. Mas a liberação ainda não está garantida, uma vez que a diretoria do banco precisa aprovar “prazos, valores e condições”. A reação dos governadores foi de ceticismo: há muitas dúvidas sobre a burocracia para obter o dinheiro, e há outras despesas que não podem ser financiadas pelo BNDES, como custeio de presídios.

Alguns dos presentes temem ter sido “usados” pelo Palácio do Planalto, que quer mostrar resultados na área. A avaliação é que a proposta foi uma maneira de conter a pressão de governadores e senadores por um tratamento igual ao dado ao Rio.

Na reunião, a maior cobrança foi pela criação de um sistema unificado de segurança, para que União, estados e municípios dividam as responsabilidades e recursos para estancar a crise na segurança. Três governadores cobraram isonomia com o Rio e pediram algum tipo de ação, como envio de tropas federais ou militares: Wellington Dias (PT), do Piauí, Robinson Faria (PSD), do Rio Grande do Norte, e Suely Campos (PP), de Roraima. Mas Temer negou qualquer outra intervenção e disse que nesses estados haveria ações pontuais.

— O grande desafio é o custeio de programas, de pagamento de policiais e manutenção de presídios. Não digo que esse impedimento do BNDES seja um nó, mas é preciso despertar para essa regra — disse o governador do Pará, Simão Jatene (PSDB), em entrevista após a reunião.

Quem aderiu ao plano de recuperação fiscal do governo federal, caso do Rio, está proibido de receber os recursos. O próprio presidente do BNDES, Paulo Rabello de Castro, admitiu que será necessário recorrer à “criatividade” para contornar essa limitação.

— Tendo em vista que esse programa foi delineado com a urgência que a segurança requer nacionalmente, nós temos a primeira abordagem, que ainda vai requerer a aprovação da diretoria do BNDES naturalmente — completou o presidente do BNDES.

DISPUTA DO DISCURSO COM PRÉ-CANDIDATOS

Com a cerimônia de ontem, Temer tenta evitar que os principais pré-candidatos à Presidência assumam o protagonismo do discurso da segurança pública fora do Rio. Há dois dias, o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), promoveu, por exemplo, o lançamento de uma ação para fortalecer o policiamento ostensivo na divisa com o estado alvo da intervenção. O tucano também tem ressaltado a queda dos índices de homicídios para se apresentar em outras regiões como o nome com as melhores soluções para a área.

Ciro Gomes (PDT) acusou o governo de São Paulo de “fraudar os índices” de criminalidade no estado para forjar uma redução drástica da violência. De quebra, ainda classificou a intervenção no Rio de “medida politiqueira”.

Em outra frente, o deputado federal Jair Bolsonaro (PSC), líder nas pesquisas em caso de ausência do ex-presidente Lula (PT), tem a segurança como bandeira eleitoral. E se incomodou com a investida de Temer. Ao comentar a estratégia do Planalto após a intervenção, disse que o presidente já “roubou muita coisa aqui, mas o meu discurso ele não vai roubar, não”.

O debate sobre a segurança conseguiu o inusitado: uniu Bolsonaro e Lula. O petista disse que a frase do capitão da reserva do Exército sobre a estratégia de Temer é “histórica”. O petista acusa o presidente de se valer do tema para tentar viabilizar a sua candidatura à reeleição.

 

OS ANTECESSORES E SEUS PLANOS E PROGRAMAS FRUSTRADOS

GOVERNO FH (1994-2002)

Em junho de 2000, o ex-presidente Fernando Henrique anunciou o Plano Nacional de Segurança, com 124 medidas, sendo apenas 14 de aplicação imediata. A iniciativa foi lançada uma semana após o sequestro do ônibus 174, no Rio, que resultou na morte de uma passageira. À época, o governo prometia investir R$ 3 bilhões até 2002 ao criar o Fundo Nacional de Segurança Pública. No ano passado, este fundo recebeu R$ 1bi, mas a maior parte dos recursos sempre é contingenciada.

GOVERNO LULA (2002-2010)

Em julho de 2007, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva criou o Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci). O foco era a capacitação de policiais, o desenvolvimento de ações sociais e a criação do Sistema Único de Segurança Pública (SUSP), que só teve sua discussão retomada no Congresso ontem, depois de 11 anos. O plano previa 94 ações. Ao longo dos anos, o programa foi alvo de denúncias de fraudes nas bolsas de formação de policiais e acabou sepultado pela ex-presidente Dilma Rousseff.

GOVERNO DILMA (2010-2016)

Em 2011, após abandonar o Pronasci, a ex-presidente Dilma Rousseff estudou patrocinar um Plano Nacional de Redução de Homicídios. Desistiu da ideia, sem muitas explicações. Em 2012, lançou o programa piloto Brasil Mais Seguro, que tinha foco no Nordeste e pretendia atuar na investigação de mortes violentas. Dilma prometeu enviar ao Congresso uma proposta que previa aumentar o papel do governo federal na Segurança, dividindo responsabilidades com os estados. A promessa, porém, nunca foi cumprida.

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É a segurança, estúpido

Gabriel Cariello

02/03/2018

 

 

Preocupação crescente da população com a violência e sensação de medo deram ao tema protagonismo na pré-campanha eleitoral

Reunido com governadores, o presidente Michel Temer anunciou financiamento de R$ 42 bilhões para reequipar as polícias nos estados. A medida foi criticada porque os recursos não serão liberados imediatamente. Alckmin e Bolsonaro também priorizam a segurança em discursos. Os indícios de recuperação econômica, o crescimento nos últimos anos da preocupação com a violência e os resultados do deputado Jair Bolsonaro (PSC-RJ) em levantamentos sobre intenções de voto ajudam a explicar, segundo cientistas políticos e diretores de institutos de pesquisas ouvidos pelo GLOBO, o protagonismo recente da segurança pública no debate eleitoral. A intervenção federal no Rio de Janeiro fez o tema convergir para o centro gravitacional da atuação do governo, e os presidenciáveis passaram a orbitar a discussão sobre o combate à criminalidade. A oito meses das eleições, não “é a economia, estúpido”, como disse James Carville, estrategista de Bill Clinton em 1992, que parece levar ao Palácio do Planalto. É a segurança pública.

— O tema está na agenda de forma contundente. Quase metade dos brasileiros identifica a presença de facções criminosas no lugar onde mora. Há uma sensação crescente de medo — diz Mauro Paulino, diretor-geral do Datafolha. — Como a economia, que sempre é protagonista das eleições, vem mostrando alguma estabilidade, e a população começa a perceber isso, segurança, saúde e educação podem assumir o protagonismo que não tiveram nas eleições anteriores.

O Ibope também identificou o tema como uma das preocupações centrais do país. Levantamento divulgado no último dia 15 mostra que 38% dos entrevistados se queixavam da segurança pública. Um ano antes, eram 19%.

— O emprego continua sendo o problema número 1 para o brasileiro, seguido por corrupção, saúde e segurança. Mas a segurança veio crescendo e passou a ser uma demanda. Se fizer a pesquisa só no Rio, é possível que seja a questão principal — afirma Márcia Cavallari, diretora do Ibope.

Leonardo Barreto, doutor em ciência política pela UnB, observa que a decisão de intervir na segurança do Rio ocorreu depois que Bolsonaro se manteve na liderança das pesquisas sem o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O deputado tem como bandeira o armamento da população. Para Barreto, com a medida, o governo colocou o tema na pauta das discussões até dezembro.

— Caso a intervenção dê algum resultado, será dito que o país tem um presidente forte, sem medo de usar os instrumentos que estão à disposição. A violência já está na pauta há muito tempo, mas, no carnaval, teve um surto de casos no Rio, e o prefeito e o governador não estavam na cidade. O pessoal de Brasília teve a percepção de que havia uma sensação de vazio de poder, que poderia contaminar o debate público e mostrar o Brasil como um país abandonado. O intuito, então, foi de construção de autoridade.

Eurico Figueiredo, da UFF, lembra que segurança é um tema desde os anos 1980:

— É um problema nacional, transversal, presente nas comunidades mais carentes e nos bairros mais ricos. Quem falar só para a classe média perde a eleição.