Correio braziliense, n. 20043, 06/04/2018. Política, p. 4

 

Do repúdio à comemoração

Alessandra Azevedo e Deborah Fortuna

06/04/2018

 

 

UM PAÍS SOB TENSÃO » Enquanto petistas alegam "prisão sem provas", adversários avaliam que Moro seguiu a lei ao decretar a detenção do ex-presidente

As reações políticas ao pedido de prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, emitido ontem, pouco depois das 18h, pelo juiz federal Sérgio Moro, titular da 13ª Vara Federal de Curitiba e responsável pela Operação Lava-Jato em primeira instância, variaram entre comemorações e notas de repúdio. O despacho foi enviado menos de 24 horas após o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) negar o habeas corpus ao petista, na última quarta-feira.

Os aliados de Lula consideraram a decisão precipitada e ilegal, por ter sido proferida antes da publicação do acórdão do STF, com o resultado do julgamento. O mandado de prisão foi expedido por “um juiz armado de ódio e de rancor, sem provas e com um processo sem crime”, antes de se esgotarem os prazos de recurso ao TRF-4 e “sem esperar sequer o STF publicar a decisão”, observou a presidente do PT nacional, senadora Gleisi Hoffmann (PR). Para ela, trata-se de uma “prisão política que reedita os tempos da ditadura”.

O líder do DEM na Câmara, Rodrigo Garcia (SP), discorda das queixas dos petistas e considera que Moro seguiu a lei ao determinar a prisão de Lula. “O ex-presidente teve direito à defesa, a usar todos os recursos estabelecidos no Código Penal e foi condenado. Por isso, espero que ele se apresente conforme a determinação do juiz”, declarou. Mais efusivo nos comentários, o líder do partido no Senado, Ronaldo Caiado (GO), disse que a prisão de Lula “traz esperança aos brasileiros”. Em nota, Caiado elogiou a “garra” e a “determinação” de Moro e afirmou que a decisão “reacendeu a esperança de um país mais justo”.

A senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM) lembrou que “nenhuma decisão pública tem validade antes da sua publicação, até porque qualquer juiz ou ministro pode mudar de opinião”. Na opinião dela, a decisão de Moro foi “uma barbaridade” feita de forma “açodada”. “Enquanto isso, processos de outros, como Aécio (Neves), (Romero) Jucá e (Eduardo) Azeredo, se arrastam. O sistema judiciário brasileiro costuma ter dois pesos e duas medidas”, criticou o deputado Chico Alencar (PSol-RJ).

“Isso é algo extremamente grave, inaceitável. Nós não esgotamos todos os recursos, e isso se constitui enorme violência constitucional contra a maior liderança popular deste país”, comentou o líder do PT na Câmara, Paulo Pimenta (RS). O petista criticou as determinações do juiz Sérgio Moro, ao que ele disse ser um ato “em busca de holofotes”, e voltou a repetir que Lula está sofrendo uma perseguição política, já que é “inocente e foi condenado por um processo ilegal e sem provas, que está em desacordo com toda a jurisprudência de todo o tribunal”.

Para o líder do PSB na Câmara, Júlio Delgado (MG), a decisão “piora o quadro” e “só tensiona mais o clima”. Ao decretar a prisão de Lula no dia seguinte à decisão do STF, Moro sinaliza que o mandado já vinha sendo gestado junto ao TRF-4 há algum tempo, acredita o deputado. “Achei um negócio meio corrido”, completou.

“Corretíssima”

O vice-presidente nacional do PSDB, Carlos Sampaio (SP), também comemorou a decisão do juiz, que considerou “corretíssima”. Para ele, “não tinha o menor sentido aguardar os embargos dos embargos, retardando a prisão de alguém que foi condenado a 12 anos de cadeia”. O pedido de prisão “prova que a impunidade no Brasil está caindo fortemente”, na opinião do deputado Darcísio Perondi (MDB-RS), vice-líder do governo na Câmara e um dos integrantes da “tropa de choque” do presidente Michel Temer. Em vídeo, o parlamentar afirmou que o país vive “um novo momento ético e moral”.

No mesmo sentido, o líder do PPS na Câmara, Alex Manente (SP), afirmou se tratar de “um dia histórico” para um “novo país”. “Deixa-nos envergonhados perante o mundo ver um ex-presidente preso, mas a justiça está sendo feita, e é assim que temos que construir um Brasil, com esse exemplo, mostrando que quem comete corrupção tem punição”, concluiu.

“Vamos dar o troco”, diz líder do MST

O líder do MST, João Pedro Stedile, usou o Facebook, no início da noite desta quinta-feira, para pedir que a militância do movimento não desanime diante da prisão do ex-presidente PT Luiz Inácio Lula da Silva, decretada pelo juiz Sérgio Moro. “Amanhã, vamos sofrer uma dura derrota, com a prisão do Lula”, disse Stedile na rede social. “Não desanimem, estamos num processo como se fosse um longo campeonato”, disse, comparando a disputa política com um jogo de futebol. “Vamos dar o troco, vamos libertar o Lula”, disse o líder sem-terra. “Só não vence quem não luta”, afirmou, depois de dizer que há uma agenda de eventos de mobilização popular de preparação para as eleições de outubro.

Repercussão

“Esse mandado de prisão expedido de forma absolutamente açodada é mais um declarado abuso nessa caçada política implacável contra Lula. É um escândalo, que envergonha o Brasil”

Humberto Costa (PT-PE), senador

“A Justiça sendo feita no Brasil. Um ex-presidente da República, condenado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, deverá cumprir 12 anos de cadeia”

Darcísio Perondi (MDB-RS), deputado federal

“O juiz Sérgio Moro, mais uma vez buscando os holofotes, não impõe limites a sua irresponsabilidade e afronta o Estado democrático de direito, em sua sanha enlouquecida de perseguição ao ex-presidente Lula”

Paulo Pimenta (SP), líder do PT na Câmara

“Lula vai acertar as suas contas com a Justiça. O homem que infelicitou o Brasil vai para onde deve estar. Condenado em segunda instância, vai para a cadeia. O Brasil vai ficar muito melhor”

Onyx Lorenzoni (DEM-RS), deputado federal

“Violência sem precedentes na nossa história democrática. Um juiz armado de ódio e de rancor, sem provas e com um processo sem crime, expede mandado de prisão para Lula antes de se esgotarem os prazos de recurso. Prisão política que reedita os tempos da ditadura”

Gleisi Hoffmann, senadora e presidente do PT

“Revoltante. Não toleram a força e a dignidade do operário. A diferença não está nos lugares que se ocupam, mas no caminho que foi percorrido até eles. Lula é inocente e sofre injusta perseguição política! A história reserva os piores lugares aos injustos que o atacam”

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Celeridade impressiona juristas

Gabriela Vinhal e Vera Batista

06/04/2018

 

 

A decretação da prisão do ex-presidente Lula logo após o julgamento do habeas corpus (HC) pelo Supremo Tribunal Federal (STF) dividiu especialistas quanto aos próximos passos que restam à defesa para tentar livrar o petista da cadeia. Para uns, Lula não tem mais saída. Vai ter que se apresentar e entrar finalmente em cárcere. Para outros, a luta pela liberdade ainda não acabou. Até o fim da tarde de hoje, a situação de Lula pode mudar radicalmente. Houve unanimidade apenas em um ponto: a decisão do juiz Sérgio Moro de colocar o ex-presidente atrás das grades foi “extremamente rápida”.

“Essa decretação pegou todos nós de surpresa. Esperávamos que o Tribunal Regional Federal (TRF-4) aguardasse o julgamento de embargos de declaração — ou infringentes — porque há uma súmula do próprio tribunal definindo que mandado de prisão somente depois de todos os recursos”, destacou a advogada Fernanda de Almeida Carneiro, criminalista e professora da pós-graduação em direito penal da Faculdade de Direito do IDP-SP. Por outro lado, Fernanda Carneiro considerou que, nesse caso específico, talvez o juiz tenha entendido que “embargo não tem caráter modificativo”, porque, em 2016, quando o STF autorizou a prisão em segunda instância, “não foi feita ressalva”.

O ministro aposentado do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Gilson Dipp ressaltou também a rapidez com que o mandado de prisão foi expedido e criticou ainda o despacho de Moro. “Foi uma rapidez incomum e até despropositada. Ele não é um homicida que está em fuga”, pontuou. Para Dipp, Moro utilizou uma linguagem inapropriada ao dizer que hipotéticos embargos de declaração constituem apenas uma “patologia protelatória que deveria ser eliminada do mundo jurídico”. “Essa não é uma maneira ideal para escrever um despacho de um caso que ganhou grande notoriedade e que foi julgado pelo STF e ficou 6 a 5”, pontuou.

João Paulo Martinelli, também professor de pós-graduação de direito penal do IDP, concordou que a “decretação da prisão foi um tanto acelerada”. “Não estou afirmando que foi perseguição política, mas todo esse trâmite se deu de maneira peculiar”. Para ele, “a Constituição é clara”: prisão após o trânsito em julgado. “A ministra Rosa Weber disse isso em seu voto”, lembrou. Para Martinelli, até as 17h de hoje, a prisão tende a ser revogada. “Basta uma liminar do ministro Marco Aurélio de Mello, relator, conceder uma liminar até que as ADCs sejam votadas, como sugeriu durante o julgamento do HC.”

Martinelli também discorda das interpretações de seus colegas de que se o STF tivesse aprovado o HC de Lula, os condenados pela Lava-Jato seriam soltos. “O HC é individual. Não tem efeito vinculante. Não solta estupradores e homicidas. E nem aqueles em prisão preventiva, como o ex-governador do Rio Sérgio Cabral e o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha.”

Celso Vilardi, criminalista e professor da Fundação Getulio Vargas (FGV-SP), considerou o trâmite absolutamente normal. “Já estava posto que a liminar era somente para que Lula não fosse preso até o julgamento dos embargos. Isso já aconteceu”. Mesmo enxergando “normalidade”, Vilardi também se assustou com a rapidez. “Acho que o TRF-4 deveria ter aguardado a possibilidade de um segundo embargo”, disse.

Para Antônio Pitombo, do escritório Moraes Pitombo Advogados, o único problema do pedido de prisão do Lula expedido ontem é o “não cumprimento da legalidade determinada”. “Todas as ações que envolvem o Sérgio Moro ocorrem sempre fora do esperado. Como é um dever do setor público, devemos cumprir a lei”, acrescentou.

Movimentos sociais
 

A Central Única dos Trabalhadores disse, em nota, que a prisão do Lula “é uma afronta à Constituição” e abre precedentes graves na Justiça brasileira. O movimento afirmou também que continuará atuando para unificar e intensificar a capacidade de resistência de toda a esquerda e dos setores democráticos. “Hoje, Lula que é impedido de ser candidato a presidente por ter sido vítima de processo inventado e manipulado para torná-lo inelegível. Se hoje atacam e condenam Lula, amanhã pode ser qualquer outro brasileiro”, escreveu.

Os sindicalistas das centrais sindicais Força Sindical, UGT, CTB, Nova Central e CSB demonstraram solidariedade e apoio ao ex-presidente e consideraram a decretação da prisão dele “uma medida radical que coloca a sociedade em alerta”. “Vivemos no Brasil, nos últimos anos, um clima de perseguição política, que tem como pretexto o combate à corrupção, mas quer extirpar do jogo político qualquer programa que valorize a área social, o trabalho e a renda do trabalhador.”