Correio braziliense, n. 20043, 06/04/2018. Política, p. 3

 

Estratégia do petista é documentar os atos

Leonardo Cavalcanti, Bernardo Bittar e Gabriela Vinhal

06/04/2018

 

 

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva montou uma estratégia para transformar a prisão em um grande fato político e se tornar protagonista do ato da prisão. Fotógrafos e videastas contratados pelo Partido dos Trabalhadores registram desde ontem toda a ação da Polícia Federal de forma a espalhar as imagens para o mundo e ter o controle do roteiro. O petista acredita que, dessa forma, se tornará, efetivamente, a grande vítima do sistema que estaria punindo um inocente. Lula avisou aos mais próximos que ficará o tempo que for necessário na prisão e que não quer saber de tornozeleira.

Caso seja preso, registrará todos os detalhes do dia a dia, repassando as informações a assessores com o intuito de se manter no noticiário. Ontem mesmo a estratégia da visibilidade do petista foi posta em prática no comício de Lula em São Bernardo, cidade a 24km do centro de São Paulo. Parlamentares e lideranças petistas montaram uma estrutura para o ex-presidente fazer um pronunciamento ainda na noite de ontem (leia reportagem nesta página).

Mesmo com a prisão batendo à porta, Lula definiu, ainda, que vai registrar oficialmente a candidatura ao Palácio do Planalto. E terá como vice Fernando Haddad, ex-prefeito de São Paulo. O petista insistirá que só não conseguirá concorrer porque está sendo vítima de um golpe, sofrido inicialmente por Dilma Rousseff. Ele vai se amparar no fato de que a sentença ainda não transitou em julgado e, assim, mantém os direitos políticos até a data necessária para o registro, em 17 de agosto.

Tão logo o Superior Tribunal Eleitoral (TSE) negue o registro da candidatura, Lula lançará Haddad como cabeça de chapa. Nessa altura, acredita o ex-presidente, Haddad terá ganhado musculatura eleitoral e terá votos suficientes para ir ao segundo turno com chances de sair vencedor das urnas. A estratégia de Lula tem por objetivo manter o PT vivo e no jogo. Sua prisão, portanto, terá a função de garantir ao partido força suficiente para retomar o controle do Palácio do Planalto. Lula sabe que, se bem trabalhada do ponto de vista de marketing, a prisão será um trunfo num jogo que muitos dão como perdido.

Lula já consultou seus aliados mais próximos. Muitos veem a estratégia com ressalvas, mas estão dispostos a dar o suporte necessário para que o ex-presidente consiga atingir seus objetivos: colocar a PF em uma saia justa e tirar proveito político da prisão. Com o ex-presidente preso, a cena eleitoral muda completamente de sentido. Baseado nas últimas pesquisas de intenção de voto, o cientista político e coordenador do Centro Brasileiro de Estudos e Pesquisas sobre a Democracia (Cebrad), Geraldo Tadeu Monteiro, disse que, neste momento, nomes mais conhecidos teriam mais chances de se consolidarem na disputa ao Planalto.

Jair Bolsonaro (PSL-RJ), segundo o especialista, tem uma candidatura consolidada cujo perfil eleitoral é de maioria masculina, de classe média e educação formal, entre o ensino médio e superior — o oposto das pessoas que votariam em Lula. Sem o petista, segundo Tadeu, o número de eleitores não é abalado. “O mérito dele é ter conseguido agregar um perfil específico de eleitores. Mas, para ganhar as eleições, ele precisa conquistar os eleitores do centro, que sempre decidem as eleições. Ele teria que adoçar o discurso, mas poderia perder também votos da extrema-direita”, acrescentou. Ciro Gomes (PDT) é o nome com eleitorado que mais se aproxima das pessoas que votam em Lula, acredita o especialista, porque ele tem a base eleitoral no Nordeste, onde Lula tem maioria de votos.

Ato convocado

A equipe do ex-presidente tinha convocado um ato para hoje. Estava marcado para começar quase na mesma hora em que deverá se apresentar à Polícia Federal, em Curitiba, para cumprir a pena de 12 anos e 1 mês de prisão determinada pelo juiz federal Sérgio Moro. O ato foi convocado duas horas antes de Moro decretar a prisão do ex-presidente, que na quarta-feira teve um habeas corpus preventivo rejeitado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), por 6 a 5. “Lula vale a luta”, dizia o anúncio do evento, que convoca a militância a comparecer à sede do Sindicato de Metalúrgicos em São Bernardo às 18h. Moro determinou que o ex-presidente se entregue à Polícia Federal uma hora antes, às 17h. O petista soube da decisão de Moro na sede do Instituto Lula, em São Paulo, onde estava reunido com dirigentes do PT. Uma hora depois, Lula partiu para São Bernardo, sem falar com os jornalistas que o acompanhavam.

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Perícia concluída

06/04/2018

 

 

A caravana do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi atingida por disparos de arma de fogo de calibre 32. É o que atestou a perícia técnica da Polícia Civil do Paraná. O laudo foi divulgado ontem. Ao todo, dois tiros perfuraram a lataria de um dos três ônibus da comitiva petista na Rodovia PR-473, entre os municípios de Quedas do Iguaçu e Laranjeiras do Sul, no oeste do estado. O fato ocorreu em 27 de março.

Segundo o delegado Hélder Lauria, de Laranjeiras do Sul, responsável pela investigação do caso, até agora a polícia não obteve pistas sobre a autoria dos disparos. Lauria esteve ontem na sede da Polícia Científica, em Curitiba, onde recebeu o resultado da perícia. “Já ouvimos 15 pessoas, também notificamos os órgãos de segurança para que indicassem os policiais que acompanhavam a caravana no dia”, disse.

De acordo com o perito criminal Inajar Kurowski, não foram encontrados vestígios de chumbo nos outros dois ônibus. O fragmento de um dos projéteis foi encontrado na lataria de um dos ônibus. “Um dos projéteis encontrados pertence à família 32, possivelmente uma arma ultrapassada, fora de linha. Essa foi uma das conclusões”, analisou o perito.

As perfurações foram constatadas na lataria e em um dos vidros. Segundo o perito, esse ônibus ainda teve um pneu perfurado por pontas de aço colocadas na estrada. O laudo não conclui se os ônibus estavam ou não em movimento no momento dos tiros, mas constatou que as perfurações eram recentes. “Os disparos foram feitos a partir de uma altura maior que o ônibus, mas não dá para precisar se de um barranco ou algo similar”, disse.

A polícia, de acordo com o delegado, ainda não conseguiu determinar o ponto exato em que o suposto ataque ocorreu, mas sabe que o atirador estava atrás dos ônibus e disparou em direção à frente do veículo. De acordo com o delegado, as imagens das câmeras de segurança do pedágio de Laranjeiras do Sul, além de terem baixa qualidade, não registraram nada suspeito na noite do crime. Os investigadores refizeram na semana passada o trajeto da caravana de Lula para tentar encontrar pistas que levassem à autoria dos disparos, mas não encontrou ainda nenhuma testemunha que tenha visto os atiradores ou suspeitos fugindo.

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Discursos e apoios em São Bernardo

06/04/2018

 

 

A cúpula petista saiu em defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva durante manifestação na sede do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, em São Bernardo do Campo (SP). O local escolhido para o evento de ontem foi tido como “simbólico”, por ser um dos berços do Partido dos Trabalhadores. Centenas de pessoas se aglomeraram rapidamente para ouvir seus líderes. Militantes a favor de Lula alugaram carros de som onde nomes fortes do partido discursaram. “Lula é inocente. Está sendo vítima de uma das mais graves ações contra uma pessoa, que é a perseguição política”, afirmou a ex-presidente Dilma Rousseff, no alto do carro de som.

“A nossa Constituição é clara, não pode ser presa uma pessoa depois de esgotar todos os recursos. O presidente tinha o direito de recorrer. Eles se apressaram porque sabem que há pessoas de bem neste país. Estão com medo de uma decisão favorável. Tiraram-me da presidência com 54 milhões de votos e sem ter cometido nenhum crime. Colocaram uma quadrilha que está impune e permanece no poder. São pessoas que passeavam com malas de dinheiro...”, bradou Dilma, ao lado da senadora Gleisi Hoffman, presidente nacional do PT. Gleisi, que já tinha discursado, criticou a determinação do juiz federal Sérgio Moro para que Lula se entregue à polícia até as 17h desta sexta-feira.

De acordo com a parlamentar, a decisão de Moro é “inconcebível” e só pode ser justificada “pela raiva que ele tem” do petista. “Esse juiz persegue o presidente Lula por ter sido o presidente de maior popularidade, que mais fez pelo provo brasileiro”, disse Hoffmann. As declarações foram dadas na sede do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC paulista, em São Bernardo do Campo (SP), onde foi convocada uma vigília com simpatizantes.

O líder do PT na Câmara, Paulo Pimenta (RS), e o líder da minoria no Senado, Humberto Costa (PT-PE), também foram a público. O deputado destacou que Moro recebeu um ofício do TRF-4 e expediu o mandado de prisão em apenas 22 minutos. Na avaliação dele, a celeridade da decisão foi motivada por “um temor de que, a qualquer momento, pudesse ser concedida uma liminar pelo ministro Marco Aurélio, do Supremo, que impediria a cereja do bolo da Lava-Jato”. O senador classificou a possível prisão de Lula como “sonho de consumo” de Moro e avaliou que a rapidez na expedição do mandado de prisão revelou “que o papel estava pronto havia muito tempo”.

Também na sede do sindicato dos metalúrgicos, o senador Lindbergh Farias (PT-RJ) criticou o pedido de prisão de Lula, acusou o juiz Moro de “fazer uma perseguição implacável contra o ex-presidente” e criticou o clima de intolerância da atualidade, citando os ataques à caravana do petista pelo Sul do país e a execução da vereadora carioca Marielle Franco e de seu motorista Anderson Pedro Gomes, em 14 de março, no centro da capital fluminense. “Essa prisão é completamente ilegal. A defesa tinha até terça-feira para apresentar os embargos dos embargos. Eu acho que ele teve medo de uma possibilidade de liminar do ministro Marco Aurélio de Mello e quis antecipar. É a cara do juiz Sérgio Moro, uma perseguição implacável ao ex-presidente Lula, com atropelos”, disse, em entrevista coletiva na sede do sindicato. Embora Lula estivesse no local, até o fechamento desta edição, não havia discursado.

Hospital

Um dos manifestantes que protestavam contra Lula em frente ao instituto, no Ipiranga, em São Paulo, ficou ferido após ter sido empurrado e batido a cabeça em um caminhão que passava na via em frente ao local onde o petista estava. O tumulto começou na saída de Lindbergh, líder do PT no Senado, que foi hostilizado e começou a bater boca com o grupo de manifestantes. Um tumulto entre simpatizantes de Lula e os opositores começou, e o militante antipetista foi empurrado em direção à rua — não se sabe quem empurrou. O manifestante teve ferimento na cabeça, que sangrou, e ficou estendido no chão — logo depois, levantou-se e foi levado para atendimento médico.