O globo, n. 30876, 18/02/2018. Rio, p. 13

 

Blindados Investigação que envolve militares do Exército não anda no estado

Chico Otavio

18/02/2018

 

 

MP e Polícia Civil não conseguem ouvir soldados que estavam em ação na qual sete foram mortos

 

As tropas federais chegam às ruas do Rio munidas da certeza de que, se produzirem baixas no confronto com o inimigo, não serão submetidas à Justiça comum. Promulgada em outubro do ano passado pelo presidente Michel Temer, a Lei 13.491 assegura que os delitos “dolosos contra a vida e cometidos por militares das Forças Armadas contra civil serão da competência da Justiça Militar da União’’ quando praticados no contexto de atividade de operação de paz de garantia da lei e da ordem (GLO), como é o caso da intervenção no estado.

CML DIZ QUE JÁ EXISTE IPM

Esta exceção garantida pela nova lei preocupa os promotores estaduais. Eles temem a repetição do impasse criado entre o Exército e o Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ) na investigação da chacina do Salgueiro, como ficou conhecido o caso da morte de sete pessoas, em novembro do ano passado, durante um baile funk no Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo. Embora os principais suspeitos sejam os 17 soldados do Exército que participaram da operação, até hoje o Comando Militar do Leste (CML) não atendeu à solicitação do MP de apresentálos para depor.

O CML, que comanda a intervenção no Rio, alega que já existe um Inquérito PolicialMilitar (IPM) instaurado para apurar o fato, com o acompanhamento de um promotor militar. Do caso, sabe-se apenas que três agentes da Coordenadoria de Recursos Especiais (Core), tropa de elite da Polícia Civil, acusaram militares do Exército, que os apoiavam na operação, de terem feito os disparos. Entre vítimas, havia dois motoristas de Uber, o funcionário de uma peixaria e um estudante desempregado.

Os mortos foram encontrados na Estrada das Palmeiras, no Complexo do Salgueiro. Na ocasião, o CML e a Polícia Civil, em nota, confirmaram a operação conjunta e afirmaram que houve “resistência armada” por parte de traficantes, sendo que, ao fim, foram apreendidos um fuzil, sete pistolas, cinco carregadores, munição, radiotransmissores, drogas e celulares.

Sem a certeza da autoria, a Delegacia de Homicídios de Niterói abriu um inquérito parar investigar as sete mortes. Outra investigação foi iniciada pelo Grupo de Atuação Especializada em Segurança Pública do Ministério Público (Gaesp), mas ambas esbarram no silêncio do Exército. Um dos promotores responsáveis informou que o MP chegou a propor que apenas uma parte do grupo de 17 suspeitos fosse ouvida em local reservado, mas, mesmo assim, não recebeu resposta.

Diante do impasse, os promotores agora aguardam que os colegas do Ministério Público Militar encaminhem cópias dos depoimentos prestados pelos soldados no inquérito militar. Se nada acontecer, a alternativa será fazer um apelo direto ao comandante militar do Leste, general Braga Netto, nomeado interventor pelo presidente Michel Temer. Outra possibilidade é solicitar à Justiça Militar o compartilhamento de provas.

DE MÃOS ATADAS

A Delegacia de Homicídios e o Ministério Público estadual dependem das informações do Exército para decidir como proceder: se continuam as investigações atrás de autores civis, ou se declinam a competência para a Justiça Militar, uma vez comprovado o envolvimento dos soldados. O problema é que o caso está em aberto. Por força da nova lei, outras ações que corriam na Justiça comum já estão sendo encaminhadas para a Justiça Militar.

A falta de informações sobre o plano de segurança a ser executado pelas forças federais durante a intervenção no Rio também preocupa os promotores. Se existe, não foi compartilhado pelo governo fluminense com os demais representantes das instituições que fazem parte do Comitê Especial de Segurança Integrada (Cesi). Na última reunião do colegiado, no dia 7, no Centro Integrado de Comando e Controle (CICC), o máximo que se tinha era a minuta de um plano apresentada pelo general Carlos Alberto dos Santos Cruz, da Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp), revelou uma das autoridades presentes.

Na proposta, Santos Cruz apontava alguns pontos prioritários, como o enfrentamento da corrupção, do roubo de cargas, do tráfico de armas e das falhas no sistema prisional fluminense. Na reunião do comitê, ficou acertado que cada instituição presente, como as polícias Federal e Rodoviária Federal, além dos Ministérios Públicos e outras instituições, prepararia um anexo com as suas propostas, mas a intervenção federal foi decretada antes que isso acontecesse.

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Preocupação ronda estados vizinhos ao Rio

Flávio Freire e Aline Ribeiro

18/02/2018

 

 

Espírito Santo e Minas Gerais temem fuga de bandidos fluminenses

 

Estados vizinhos ao Rio não escondem preocupação com a intervenção federal. Embora considerem necessária a medida, São Paulo, Minas Gerais e Espírito Santo já se articulam para estabelecer uma estratégia que tente evitar uma possível migração de criminosos do Rio para esses estados. Uma reunião deve acontecer na próxima semana com dirigentes da área de segurança pública. A ideia é traçar um plano estratégico para que o tráfico não ganhe ainda mais espaço em áreas já sob a ocupação do crime organizado nessas regiões.

O secretário de Segurança Pública do Espírito Santo, André Garcia, disse que pretende mobilizar forças policiais para a divisa.

— Precisamos nos precaver contra a migração de criminosos, antecipar qualquer cenário para não sermos surpreendidos e garantir a segurança dos capixabas — disse ele, em entrevista coletiva.

Se necessário, diz o secretário, um plano de contingência será estabelecido, com o reforço de tropas efetivas da Polícia Militar, inclusive com reações pontuais e reforço do patrulhamento aéreo.

O governo de Minas Gerais divulgou nota ontem informando que já existe um planejamento de ações das forças de segurança para fazer um trabalho de inteligência em conjunto com outros estados.

“O governo do estado está atento e já em planejamento de ações para evitar qualquer resquício negativo oriundo da situação da segurança pública do estado vizinho do Rio de Janeiro”, informa o governo, lembrando que a Secretaria de Segurança Pública, as polícias Militar e Civil, o Corpo de Bombeiros e o sistema prisional já vêm realizando um trabalho com outros estados. O plano estratégico a ser adotado não foi divulgado por questões de segurança.

FACÇÃO PAULISTA NO RIO

Em São Paulo, o governo não se pronunciou oficialmente ontem. O governador Geraldo Alckmin, no entanto, já havia considerada necessária a intervenção no Rio. Estudiosos da área de segurança avaliam que a migração de criminosos também deve ser uma preocupação do estado, principalmente por causa da ligação de uma das maiores facções paulistas — o PCC — com bandidos do Rio. Há suspeita de que o grupo já agiria em favelas na capital fluminense.

A segurança nas fronteiras também é uma preocupação dos estados. O governador do Mato Grosso do Sul, Reinaldo Azambuja (PSDB), defende a presença das Forças Armadas para guardar os mais de 1.400 quilômetros de fronteira seca que separam o estado da Bolívia e do Paraguai.

— Já apresentamos projeto neste sentido ao Ministério da Justiça, e entendemos que não adianta combater o problema da droga nos morros do Rio e nos grandes centros se não blindarmos as nossas fronteiras — afirmou ontem Azambuja ao GLOBO.

As estradas no Mato Grosso do Sul são consideradas o maior corredor de distribuição de drogas e armas da América do Sul, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU).

Em 2016, de acordo com o relatório, a polícia apreendeu duas mil toneladas de drogas em solo brasileiro — um quarto só nas rodovias da região.

O governador de Rondônia, Confúcio Moura (MDB), faz coro ao colega do Mato Grosso do Sul. Segundo ele, só duas bases fazem o patrulhamento de mais de 1,2 mil quilômetros de fronteira com a Bolívia.

— Estamos completamente desguarnecidos. Há circulação livre de barcos para lá e para cá. Precisamos descontingenciar recursos para botar as Forças Armadas nas fronteiras.

Moura ainda criticou a intervenção no Rio de Janeiro:

— Essa intervenção é uma atitude última para dar uma resposta imediata à situação. Mas não resolve, porque o Rio de Janeiro é apenas o efeito. A causa está nas fronteiras brasileiras, na ausência da presença do Estado nessa extensa fronteira — diz ele. — Se o governo não encarar o problema real, o resultado vai ser decepcionante — reforça o governador.