O globo, n. 30807, 11/12/2017. Editoriais, p. 12

 

O alcance dos direitos trabalhistas

11/12/2017

 

 

Com a ajuda da crise

Sob o termo ‘direitos’ há dispositivos anacrônicos que, na prática, prejudicam o trabalhador

Não é por acaso que na atual crise há um acúmulo de problemas que têm relação com o peso excessivo do Estado na vida da sociedade. Seja como tutor dos supostamente mais fracos ou como provedor de aposentados e pensionistas, muitos dos quais, devido à visão paternalista com que normas previdenciárias de cunho assistencialista foram redigidas, ainda em condições de trabalhar. O Estado que emergiu da Constituição de 1988, descendente direto do assistencialismo e parente de uma visão de mundo com tinturas dirigistas — soterrada no ano seguinte ao da promulgação da Carta, simbolicamente, pela demolição do Muro de Berlim, marco da derrocada do “socialismo real” — tornou-se caro demais para o contribuinte brasileiro. Tantos direitos foram criados e outros, perpetuados, que o Tesouro vergou sob o peso de gastos que superam uma arrecadação tributária enorme, recolhida por meio de pesados tributos — 35% do PIB, recorde entre economias ditas emergentes —, e acumula déficit numa proporção de pouco mais de 8% do PIB, índice fora de qualquer esquadro razoável.

A política de gastos crescentes, da dupla Lula/ Dilma, para se contrapor à crise mundial deflagrada em 2008/2009, foi mantida de forma irresponsável, elegeu Dilma e quebrou o país em sua própria moeda, o real. Algo de grande ineditismo numa encomia que historicamente estola por falta de divisas, moeda forte. Pois, desta vez, faliu com US$ 300 bilhões nas reservas externas. Porque a crise foi originada em grave irresponsabilidade fiscal, tanto que Dilma Rousseff terminou impedida de concluir o segundo mandato por este motivo. A reforma da Previdência é essencial para atualizar regras que fazem um país de população relativamente jovem ter uma despesa com aposentadorias e pensões equivalente em relação ao PIB à do Japão, notabilizado por reunir grande proporção de nonagenários. Outra mudança imperiosa é a flexibilização da legislação trabalhista, herança resistente da ideologia fascista do getulismo, responsável por colocar trabalhadores e empregadores sob as asas do Estado. Não por coincidência, a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), de Vargas, sacramentada em 1943, se inspira na Carta del Lavoro, de Benito Mussolini, ditador italiano, aliado de Hitler.

Pois o alto custo da tutela estatal — não é difícil entender — voltou-se contra o próprio trabalhador que se pretendia proteger. Num Brasil pouco industrializado, ainda muito rural, podia-se entender este viés dos chamados direitos trabalhistas. Mas, à medida que a industrialização evoluiu e o país se urbanizou, o custo excessivo da tutela passou a gerar subemprego e informalidade. Somando-se a isso a relativa integração mundial da economia brasileira e mudanças rápidas nos sistemas produtivos e, portanto, nas relações de trabalho, era imperioso tirar a terceirização da semiclandestinidade e permitir que acordos entre empregados e patrões, mediados por sindicatos, pudessem desobedecer pontos da CLT. Está sendo uma evolução, impulsionada pela (...) crise.

 

Retrocesso moderno

Fábio Romeu Canton Filho

 

Modernizar a legislação trabalhista nada tem a ver com jogar no lixo direitos dos trabalhadores

Cansamos de ouvir que a Consolidação das Leis do Trabalho remonta a Getulio Vargas e que, velha, merece reformas. É verdade, a CLT precisa ser modernizada, adequada às novas modalidades laborais que surgem na esteira do avanço tecnológico. Trazer a legislação trabalhista para o século XXI nada tem a ver, contudo, com jogar no lixo direitos conquistados pelos trabalhadores ao longo da história. No debate, nada é mais velho que o trabalho informal. Nesse ponto, a CLT, no geral, produz efeito modernizador perpétuo, pois impede hábitos patronais típicos de países que nunca se livraram de seu passado escravocrata. De outra parte, um dado histórico derruba a tese de que os encargos trabalhistas inviabilizam as empresas: a menor taxa de desemprego no Brasil foi registrada em 2014, exatamente 4,3%, de modo concomitante ao aumento da formalização do trabalho.

Erra grosseiramente, ou age ideologicamente, quem confere ao custo do trabalho parcela da culpa pela crise econômica em que mergulhamos. Houve até quem defendesse, no emergir da crise, que se forçasse o aumento do desemprego como forma de reduzir a inflação. Tratase de um liberalismo primário, que ignorava o fato de a inflação brasileira não ter origem no alto consumo popular, mas sim no término do represamento de tarifas, majoritariamente. Aqueles liberais hoje comemoram uma queda da inflação propiciada pela baixa do consumo, esta decorrente do aumento do desemprego. Os trabalhadores foram mais uma vez penalizados. Um estudo realizado pelo Centro de Estudos Sindicais e do Trabalho, ligado à Universidade Estadual de Campinas, projeta que a terceirização irrestrita e o incentivo ao trabalho temporário e intermitente, selados pela reforma trabalhista ora aprovada pelo Congresso Nacional, reduzirão a massa salarial. Os pesquisadores da Unicamp estimam que a “pejotização” de 10% dos trabalhadores hoje celetistas acarretará R$ 15 bilhões em perda arrecadatória para o INSS, comprometendo a reforma da Previdência (...)

Não bastasse o aspecto econômico, também no campo jurídico o retrocesso é iminente. A sobreposição do acordado sobre o legislado pode, sim, ser positiva em algumas situações, mas jamais naquelas em que o trabalhador se encontre em flagrante desvantagem. A corda sempre arrebenta do lado mais fraco. O salto civilizatório que deu o Brasil ao elaborar e promulgar a Constituição de 1988 não pode perder terreno para intenções falsamente modernizantes. As normas protetivas dos trabalhadores configuram avanços irrevogáveis numa terra em que eles são historicamente explorados, salvo nichos de exceção. Nada se modernizará deixando-os ao léu, sufocados de um lado pelo desemprego e de outro pelo emprego precário.

Fábio Romeu Canton Filho é advogado e vice-presidente da Seção de São Paulo da OAB