Título: Artilharia fracassa
Autor: Bonfanti, Cristiane:Martins, Victor
Fonte: Correio Braziliense, 02/03/2012, Economia, p. 9

O medo da perda de empregos e a forte redução da competitividade da economia brasileira, diante do derretimento do dólar ante o real, levou o governo a intervir pesadamente no mercado ontem, com o intuito de minimizar os estragos provocados pela enxurrada de recursos estrangeiros para o Brasil. Logo pela manhã, publicou decreto estendendo o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) de 6% para empréstimos feitos no exterior com vencimento em até três anos. Antes, o pedágio era cobrado nas transações com prazo menor, de dois anos. Ao longo do dia, o Banco Central foi às compras e, por meio de dois leilões, arrematou pelo menos US$ 500 milhões. Mesmo assim, o saldo final foi um fracasso. A moeda norte-americana encerrou a quinta-feira cotada a R$ 1,712, com queda de 0,47%. No ano, o tombo já chega a 8,38%.

Diante desse fiasco, o BC decidiu ampliar o arsenal. Já com os mercados fechados, anunciou mudança no funcionamento de uma das operações de financiamento às exportações, o chamado Pagamento Antecipado (PA). Somente os contratos com prazo máximo de 360 dias ficarão isentos do IOF de 6%. Além disso, a origem dos recursos dos financiamento ao exportador deverá ser exclusivamente o comprador dos produtos ou serviços — isto é, o importador. "Essa é mais uma medida dentro do escopo do governo para evitar o excesso de fluxos de capitais para o Brasil", disse o diretor de Política Monetária do BC, Aldo Luiz Mendes. Segundo ele, apenas nos dois primeiros meses do ano, os pagamentos antecipados totalizaram US$ 8,4 bilhões, 46% a mais que no mesmo período de 2011. Em todo o ano passado, os PAs atraíram US$ 54 bilhões para o Brasil, contribuindo para empurrar os preços do dólar ladeira abaixo.

O governo acredita que, mesmo com o dólar caindo ontem, o arrocho no IOF ajudará a manter os preços da divisa acima de R$ 1,70. Na prática, o tributo tenta evitar que bancos e empresas tomem empréstimos no exterior e tragam esses recursos para o Brasil, operações que, realizadas em excesso, prejudicam a economia. "Quando o real se valoriza, diminui a nossa competitividade. As exportações brasileiras ficam mais caras e os produtos importados, mais baratos, numa competição desleal com as empresas brasileiras", justificou o ministro da Fazenda, Guido Mantega. Ele ressaltou que o governo não assistirá "impassível" à guerra cambial. "O Banco Central tem comprado dólares em leilões diários e, como está havendo uma tomada de crédito lá fora em grande escala pelas empresas brasileiras, estamos penalizando o crédito de curto prazo", explicou. Para os empréstimos a serem liquidados acima de três anos, a alíquota do IOF continua zero.

Distorção Segundo analistas, o novo IOF teve pouco impacto no mercado devido ao excesso de recursos disponíveis. Entre 2008 e 2012, os quatro maiores bancos centrais do planeta despejaram US$ 5,3 bilhões na economia mundial. No Brasil, os investidores que já faziam operações com vencimento acima de três anos nada sofreram com a extensão da taxação. "Não é difícil conseguir levantar dinheiro lá fora por mais de três anos para aplicar aqui. Essa medida de hoje (ontem) não teve tanto efeito. É apenas um alerta do governo dizendo que está presente e disposto a atuar", avaliou Felipe Chad, sócio da Corretora DX Investimento. Márcio Cardoso, sócio-diretor da Título Corretora, compartilha visão semelhante. "Além de reduzir os juros básicos (Selic), o governo não tem muito o que fazer senão enxugar gelo, tirando dólares do mercado", observou.

Mantega lembrou que a alternativa encontrada pelos países desenvolvidos para enfrentar a crise é tocar uma política monetária expansiva, com redução de juros e aumento na oferta de empréstimos, o que significa mais dinheiro em circulação pelo mundo — e, consequetemente, pressão sobre o Brasil, que paga os juros mais altos do mundo. Somente na última quarta-feira, o Banco Central Europeu (BCE) injetou 530 bilhões de euros no sistema financeiro local. O problema, disse o ministro, é que, na hora de aplicar esses recursos, o setor financeiro europeu procura os países emergentes. "Por que escolhem o Brasil? Porque ele é um dos países que mais dão solidez e mais segurança", ressaltou.

Jason Vieira, economista da Corretora Cruzeiro do Sul, contestou a versão do ministro. A seu ver, o problema é mesmo o nível das taxas praticadas no Brasil — juros reais de 4,9% ao ano, quando a média das 40 maiores economia é negativa. "Por isso, vale a pena investir no Brasil. O retorno é excelente", disse. "A missão do governo é complicada. Além do capital especulativo, o país recebe um fluxo monstruoso de balança comercial e investimentos estrangeiros diretos (capital produtivo), além das captações cada vez mais expressivas feitas por empresas brasileiras no exterior", emendou.

O temor do governo, na avaliação de especialistas, é a desindustrialização. O setor produtivo reclama constantemente que perdeu competitividade com a queda do dólar. Em alguns setores, já se anunciam demissões e encerramento da produção nacional. Com o dólar abaixo de R$ 1,80, ficou mais interessante para o comércio importar que adquirir produtos nacionais. Desde 1990, segundo dados da Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim), 447 itens deixaram de ser fabricados no Brasil.

Por isso, na opinião de José Luís Oreiro, professor de economia da Universidade de Brasília (UnB), o governo precisa fazer mais. "O IOF é mais um remédio de curto prazo. Enquanto o país tiver taxas tão altas, os bancos vão continuar captando lá fora, a juros de 1% na Europa e de 0,25% nos Estados Unidos, e aplicando aqui a 10,50%", afirmou. No seu entender, o governo deveria controlar o câmbio de forma mais firme.

Além de estender o prazo da cobrança do IOF, o governo zerou o tributo para os chamados Brazilian Depositary Receipts (BDRs). Eles são papéis emitidos no Brasil, mas se referem a ações de empresas estrangeiras negociadas na Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa). Até agora, a alíquota cobrada sobre esses certificados era de 6% na entrada dos recursos no país.