O Estado de São Paulo, n. 45390, 25/01/2018. Política, p.A8

 

 

 

 

 

Resultado pressiona STF sobre prisão em 2ª instância

Duas ações no Supremo questionam quando é possível execução de pena; para ministro, detenção de Lula pode ‘incendiar’ o País

Por: Rafael Moraes Moura / Amanda Pupo

 

Rafael Moraes Moura 
Amanda Pupo/
 BRASÍLIA

O Supremo Tribunal Federal (STF) deve julgar nos próximos dois meses o mérito de duas ações que discutem a possibilidade de execução de pena, incluindo prisão, após condenação em segunda instância, conforme apurou o Estadão/Broadcast com auxiliares da Corte. No STF, a avaliação é de que o resultado do julgamento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF-4) pressiona os ministros a se posicionar novamente sobre o assunto. Conforme informou o Estado no domingo, três ministros ouvidos reservadamente já apostavam que o TRF-4 manteria a condenação imposta pelo juiz federal Sérgio Moro ao ex-presidente no caso do triplex do Guarujá (SP). Para um deles, a pressão sobre a Corte estava colocada desde dezembro do ano passado, quando o ministro Marco Aurélio Mello pediu à presidente do Tribunal, ministra Cármen Lúcia, a inclusão na pauta das duas ações, do Partido Ecológico Nacional (PEN) e do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que pedem a suspensão da execução antecipada da pena após decisão em segunda instância.

O Supremo ainda não analisou o mérito dessas duas ações. Marco Aurélio é o relator de duas ações nas quais o STF firmou, em outubro de 2016, o entendimento de que é possível iniciar o cumprimento de pena após a condenação em segunda instância. O ministro foi voto vencido na época. Agora as ações estão liberadas para serem julgadas no mérito pelo plenário da Corte. O ministro-relator lembrou do placar “apertado” em 2016. “Foi 6 a 5. Será que nós cinco estávamos tão errados?”, questionou o ministro. “E, se o tribunal evoluir, vai evoluir em boa hora”, disse. Marco Aurélio disse considerar melhor que o STF decida o “quanto antes” sobre as ações. Elas agora têm como pano de fundo o destino do petista.

Repercussão. Para o ministro, uma eventual prisão de Lula serviria para incendiar o Brasil. “Eu duvido que o façam, porque não é a ordem jurídica constitucional. E, em segundo lugar, no pico de uma crise, um ato deste poderá incendiar o País”, afirmou Marco Aurélio. Outro integrante da Corte, ouvido sob a condição de anonimato, observou que o Supremo já decidiu três vezes sobre a possibilidade de execução de pena após condenação em segundo grau e “tribunais constitucionais normalmente decidem o tema uma única vez e todo mundo respeita”. Uma eventual mudança no entendimento do Supremo é vista com receio por integrantes do Ministério Público Federal. Procuradores disseram acreditar que uma revisão na posição da Corte pode atrapalhar investigações e desestimular a colaboração com a Justiça de investigados ou acusados. A primeira sessão plenária do Supremo neste ano está marcada para o próximo dia 1.º, quando os ministros retornarão do recesso do Judiciário. Cabe à ministra Cármen Lúcia, na condição de presidente do Tribunal, elaborar as pautas de julgamento e alterá-las ao longo da semana, incluindo novos processos.

Mudança. Caso o STF volte a debater a prisão em segunda instância, não há certeza sobre o resultado. Gilmar Mendes, por exemplo, que votou a favor, já sugeriu revisar o entendimento.

 

 

 

 

Lula condenado: e agora?

Por: Roberto Dias

 

Roberto Dias

Ontem, num julgamento histórico, o Tribunal Regional Federal da 4.ª Região manteve, por unanimidade, a condenação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no famoso caso do triplex do Guarujá (SP). A Corte também aumentou a pena para 12 anos e 1 mês de prisão e sinalizou que, esgotados os recursos no próprio Tribunal, poderá decretar a prisão do réu, como tem feito em outros casos. Do ponto de vista jurídico, a pergunta, agora, é a seguinte: quais serão os desdobramentos disso? O que ocorrerá a partir dessa decisão? O próximo passo, sem dúvida, será a interposição dos embargos de declaração para que os mesmos juízes do Tribunal possam analisar alegações de possíveis ambiguidades, obscuridades, contradições ou omissões do acórdão. Com a decisão dos embargos, caso mantida a condenação unânime, o Tribunal, como destacou um dos desembargadores, ao final da sessão de ontem, deverá determinar a prisão do ex-presidente, seguindo o polêmico entendimento do Supremo Tribunal Federal, que admitiu a prisão do réu condenado em segunda instância, sem a necessidade de aguardar o julgamento final e definitivo pelas instâncias superiores.

É difícil prever quando poderá se concretizar a referida previsão do Tribunal Regional Federal da 4.ª Região, principalmente porque foi noticiado que dois dos julgadores sairão de férias nas próximas semanas. Mas é possível que os embargos de declaração sejam apreciados em aproximadamente dois meses, gerando, em seguida, a decretação da prisão do ex-presidente. A defesa do petista, certamente, deslocará a batalha para os tribunais superiores, buscando reverter o duro revés que sofreu. E, para tentar impedir que a prisão ocorra logo após o julgamento dos embargos de declaração, não estão descartadas medidas judiciais ágeis, como a impetração de um habeas corpus preventivo. Como se nota, a derrota de Lula ontem foi uma etapa relevante deste longo percurso. Mas o fim do processo ainda está longe.

PROFESSOR DE DIREITO CONSTITUCIONAL DA FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS DE SÃO PAULO (FGV-SP) E DA PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO (PUC-SP)

 

 

 

 

 

Advogados de petista consideram reclusão ‘exagerada’

 

Defesa argumenta que ex-presidente não oferece periculosidade social e afirma que ainda há recursos possíveis
Por: Ricardo Galhardo

 

Ricardo Galhardo
ENVIADO ESPECIAL / PORTO ALEGRE

O advogado José Roberto Batochio, que integra a defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, disse ontem que considera um “exagero” o pedido de prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que teve condenação na primeira instância mantida ontem na decisão dos desembargadores do Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF-4). Em entrevista coletiva concedida em um hotel em Porto Alegre depois do julgamento, a defesa do ex-presidente voltou a bater na tecla da condenação sem provas e atacou a autorização de prisão de Lula após esgotados os recursos no Tribunal. “Nós vemos essa possibilidade de cumprimento de pena de um ex-presidente da República, que não oferece nenhuma periculosidade social, como uma hipótese exagerada e absolutamente desnecessária”, afirmou.

O advogado disse ainda que vê indícios de autoritarismo na decisão judicial. “O que estamos observando agora é que o autoritarismo não veste mais o verde-oliva. Parece que passou por uma mutação cromática. O autoritarismo hoje se veste de preto”, disse Batochio. “Sabemos que a Constituição dispõe como garantia fundamental da pessoa o fato de não ser considerada culpada até que a decisão condenatória transite em julgado”, afirmou o criminalista. Ele citou precedentes de habeas corpus concedidos pelo Supremo Tribunal Federal (STF) a réus condenados em segunda instância como possibilidade de recurso contra o cumprimento da pena de 12 anos e 1 mês de prisão em regime fechado imposta ao petista pela 8.ª Turma do TRF-4. “Essa questão de início de cumprimento de pena depois de decisão em segundo grau é relativamente recente, mas o STF disse que em certos casos o início da pena pode, e não deve, mas a experiência foi negativa e verificando a situação que temos hoje de 726 mil presos, 40% dos quais em prisão processual, em colapso, o próprio STF está revendo esta decisão”, disse.

Batochio citou decisões recentes dos ministros Marco Aurélio Mello, Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli neste sentido. O advogado Cristiano Zanin Martins, que fez a sustentação oral em defesa de Lula, também deu a entender que a defesa pode recorrer diretamente ao STF. Segundo ele, os desembargadores do TRF-4, em seus votos, usaram dados de uma ação por organização criminosa que corre no Supremo. Segundo ele, o Tribunal usurpou a competência do STF ao se amparar nessas informações. De acordo com os advogados de Lula, os desembargadores repetiram a atitude do juiz da 13.ª Vara Federal de Curitiba, Sérgio Moro, e decidiram com base em suposições e não apresentaram provas de que o petista tenha cometido ato de ofício. Zanin criticou ainda o fato de a acusação ter tido meia hora para a sustentação oral enquanto que a defesa teve apenas 15 minutos. Logo no início da sessão, ele protestou. O presidente da 8.ª Turma, Leandro Paulsen, explicou que a acusação teria 20 minutos para o procurador regional Maurício Gerum, com mais 10 minutos para o assistente da acusação. O Estado apurou que advogados próximos de Lula já falam na possibilidade de prisão do petista em cerca de 30 dias.