Correio braziliense, n. 20027, 21/03/2018. Especial, p. 8

 

Crise hídrica começa a tomar conta do país

Pedro Grigori

21/03/2018

 

 

QUESTÃO DE CONSCIÊNCIA » Cidades grandes, como Brasília e São Paulo, sofrem com uma situação que cresce a cada ano: 16% dos municípios convivem com a estiagem

O Brasil, país que acumula 12% de toda a água doce do mundo, tem agora 16% dos municípios enfrentando problemas de escassez hídrica. Os dados foram divulgados pelo ministro da Integração Nacional, Hélder Barbalho, durante painel do 8º Fórum Mundial da Água sobre crises hídricas pelo Brasil. Os governadores do Distrito Federal, Rodrigo Rollemberg, e de São Paulo, Geraldo Alckmin, participaram do debate, contando como enfrentaram os problemas causados pela falta de água nas regiões que governam.

A sala do painel lotou antes mesmo do começo do debate, e muita gente ficou de fora. O ministro Hélder Barbalho se declarou indignado com a seca ser tratada como algo normal no Brasil. Ele destacou que o assunto não é apenas um problema vivenciado na região nordeste do país. Dos 5.570 municípios brasileiros, 917 convivem com estiagem e seca diariamente, segundo o ministro. “O número de estados se amplia, e o número de cidades nessa situação mostra a necessidade de uma estratégia não apenas localizada na região nordeste, e sim avançando para outras regiões do Brasil”, advertiu. As obras de captação de água na capital federal foram citadas como exemplo em regiões metropolitanas.

Uma das apostas para tentar resolver o problema é a transposição do rio São Francisco — a qual Barbalho chamou de “principal obra da história do país”. O ministro fez um balanço das entregas: em março de 2017, o eixo leste ficou pronto. Ainda em 2018 será a vez do eixo norte. E, segundo Barbalho, 96% da parte norte está concluída. Ao ser entregue, a transposição beneficiará 12 milhões de pessoas da região semiárida do Brasil, de acordo com o ministro. Todo projeto é orçado em R$ 8,2 bilhões, com a construção de mais de 700km de canais de concreto, nos eixos norte e leste, percorrendo os estados de Pernambuco, Paraíba, Ceará e Rio Grande do Norte. Os governadores do Ceará e da Paraíba também foram convidados a participar do painel, mas não compareceram.

 

Contra a tributação

O governador paulista, Geraldo Alckmin, concluiu a participação no painel propondo o fim da tributação do governo federal sobre saneamento básico. “Nós precisamos de financiamento e de recursos para investir. O governo federal tributa saneamento, água e esgoto. Não tem sentido: governar é escolher”, afirmou o tucano. Para combater a crise hídrica em SP, um dos principais investimentos foi na interligação dos sistemas de água.

No começo do mês, Alckmin inaugurou a conexão do Jaguari com o Atibainha, ligando as bacias que agora podem transferir água de uma para a outra, beneficiando 39 milhões de pessoas nos estados de São Paulo e do Rio de Janeiro. Os investimentos da obra ficaram em R$ 555 milhões, financiados pelo BNDES. “Minha proposta é que não houvesse tributação sobre saneamento básico, para esse recurso ajudar nos investimentos e a gente fortalecer a segurança hídrica e o saneamento”, completou. Para o tucano, o pequeno investimento em saneamento no passado e a falta de chuvas em 2014 foram fundamentais para o agravamento da crise em São Paulo.

__________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Data para o fim do racionamento

21/03/2018

 

 

Após mais de 14 meses em estado de racionamento de água no DF, o governador Rodrigo Rollemberg afirmou que em meados de maio, fim do período chuvoso na capital federal, terá condições de dar uma data para o término do rodízio de abastecimento. Em painel do Fórum Internacional da Água, o chefe do Buriti relembrou toda gestão da crise, que contou com obras emergenciais para garantir a captação de água do Lago Paranoá e do Bananal, inauguradas em outubro do ano passado, que garantiram mais 1,4 mil litros de água por segundo ao sistema brasiliense.

O reservatório do Descoberto, responsável pelo abastecimento de 50% do DF, chegou ontem a 68,9% do volume total. No ano passado, no mesmo período, se encontrava em 46,1%, e continuou subindo até 15 de maio, quando terminou o período chuvoso. “Se a gente estiver no mesmo ritmo este ano, ainda vamos crescer muito. Isso nos permite dizer, de forma absolutamente técnica que, quando chegar ao fim do período chuvoso, em meados de maio, e tivermos a estabilização do volume das águas do Descoberto e de Santa Maria, além de uma previsão mais próxima da entrega da estação de tratamento de Corumbá IV, poderemos vislumbrar com segurança uma data para a saída do racionamento”, afirmou Rollemberg.

Neste mesmo período do ano, em 2016, antes do início da crise hídrica, o Descoberto marcava 100% do volume total. No sábado, na abertura da Vila Cidadã, Rollemberg afirmou que o DF teria condições de encerrar o racionamento de água ainda neste ano, mas ainda evitava dar uma data para o anúncio. (PG)

De olho nas obras

Outro condicionante para o término do racionamento é a entrega do sistema de Corumbá IV, que após mais de 10 anos, deve ser inaugurado até 31 de dezembro deste ano. Rollemberg afirmou que há expectativa de antecipar a entrega da obra para agosto. Um ciclo de paralisações devido à corrupção e ao superfaturamento de peças atrasou a entrega do sistema. O valor para a realização da obra é de R$ 550 milhões.

___________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Discussão em torno do crescimento verde

Anna Russi

21/03/2018

 

 

Water and green growth. Em bom português, Água e crescimento verde. Um assunto assim tinha obrigação de aparecer no Fórum Mundial da Água. E ele foi discutido com o objetivo de apresentar os avanços de diferentes países e promover a troca de conhecimentos sobre o assunto. A integração da linguagem legal com a linguagem de conservação e preservação dos recursos hídricos e das florestas também esteve na pauta da conferência que reuniu promotores e juízes no evento.

Henrique Chaves, professor de manejo de bacias hidrográficas na Universidade de Brasília, falou sobre como as políticas e práticas nacionais apoiam o crescimento sustentável, por meio da gestão integrada de recursos hídricos. “O Brasil possui estrutura legal e institucional para essa gestão integrada, além de serem implementadas ferramentas para isso”, afirmou.

O professor Bráulio Dias, do Departamento de Ecologia da UnB,  destacou o papel das florestas no ciclo hídrico e que intervenções na natureza têm comprometido esse ciclo. “A parte do sul do Brasil, nos últimos 30 anos, recebe mais chuva. As previsões são de que isso aumente, e assim também as inundações. No nordeste é o contrário: clima semiárido que tende a ficar  mais seco”.

Sanghoon Lee, vice-diretor do Instituto Nacional de Informação Geográfica da República da Coreia, apresentou soluções para evitar inundações urbanas: instalações de desenvolvimento de baixo impacto, planejamento urbano e previsão para o crescimento. Já Karin Krchnak, do grupo de recursos hídricos de 2030 do Banco Mundial, focou no desenvolvimento de regulamentos fortes que conversem com a preservação de recursos hídricos e florestais. “O desenvolvimento sustentável e seus objetivos nos obrigam a ter uma visão mais integrada”, afirmou.

__________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Realidades invisíveis

Alessandra Azevedo

21/03/2018

 

 

Vários problemas de gestão hídrica são apontados ao longo das discussões do 8º Fórum Mundial da Água, que ocorre nesta semana, em Brasília. Algumas localidades sofrem com seca, outras com problemas de distribuição do recurso. Em certos lugares, o desafio é combater a poluição. Em boa parte deles, garantir saneamento básico e água de qualidade para a população. Em geral, essas são situações “visíveis” e combatidas em maior ou menor escala. Além desses problemas, o mundo precisa lidar cada vez mais com as “realidades invisíveis” de favelas, pessoas em situações pós-conflitos e pós-desastres e moradores de comunidades vulneráveis. Ontem, o evento se propôs a discutir a segurança hídrica dos menos representados.

O objetivo de um dos painéis realizados durante a manhã de ontem é de que as “realidades invisíveis” também sejam representadas na Declaração de Sustentabilidade que será elaborada amanhã, ao fim do fórum, para mostrar a real situação das políticas atuais voltadas à água. Por isso, o painel reuniu representantes de entidades que buscam ajudar grupos vulneráveis que convivem em favelas, acampamentos de refugiados e comunidades indígenas e rurais, que demandam formas especiais de intervenção nos serviços de água, saneamento e saúde.

A conclusão foi de que a agenda humanitária precisa ser reforçada e incluir a demanda. Além de ajudar as pessoas em risco, é necessário integrá-las à sociedade, garantindo água tratada, trabalho e meios de subsistência. Os participantes do painel também concordaram que a responsabilidade em relação a isso deve ser compartilhada pelos países.

Burcu Calli, representante do Instituto Turco da Água, que expôs a realidade de 5,6 milhões de asilados sírios na Turquia, ressaltou que 6% deles vivem nos campos de refugiados. “O desafio lá não é só mantê-los salvos, mas prover água limpa e melhor qualidade de vida”, afirmou. Diante dessa realidade, os presentes no encontro também concordaram que é preciso pressionar os governos para que eles destinem mais fundos às comunidades, não apenas para acolher refugiados, mas para coordenar os campos.

Qualidade

Outra queixa do grupo é de que os investimentos em infraestrutura hídrica e de saneamento se concentram historicamente em políticas públicas de áreas urbanas. Enquanto isso, populações vulneráveis não têm acesso adequado a esses serviços. Erika Pinto, pesquisadora do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), exemplificou com situações vividas no oeste do Pará. Além de só encontrarem água a quilômetros de distância, na maioria das vezes, ela é imprópria para o consumo. “Essas comunidades costumam fazer fontes com água superficial, que quase não serve para ser consumida. Isso ameaça a segurança nutricional”, alertou. “Existe a percepção de que há abundância de água na região amazônica e que ela é acessível a todos, mas não é assim que funciona.”