Correio braziliense, n. 20022, 16/03/2018. Política, p. 4

 

Atuação contra a desigualdade

Maiza Santos

16/03/2018

 

 

GUERRA URBANA » Vereadora assassinada viu na política a chance de levar a voz da rua para o centro dos debates

“Sou mulher, negra, mãe e cria da favela da Maré”, assim se definia Marielle Francisco da Silva, 38 anos, conhecida como Marielle Franco, em seu site oficial. A vereadora carioca executada na última quarta-feira, no centro do Rio de Janeiro, tem sido retratada a partir das bandeiras que defendia. Orgulhosa de suas origens, ela representou e lutou por diferentes minorias.

Na militância pelos direitos humanos desde 2000, depois da morte de uma amiga atingida por uma bala perdida durante uma troca de tiros entre polícia e traficantes, ela era crítica da ação violenta de agentes dentro das favelas.

Em 2006, viu na política uma chance de levar a voz da rua e reivindicações para o centro dos debates. Fez parte da campanha de Marcelo Freixo (PSol), para a Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), tornando-se assessora parlamentar depois da posse. Apadrinhada pelo deputado, posteriormente, foi nomeada para a coordenação da Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania da Alerj.

Mirando mais alto, em 2016, ela disputou a primeira eleição e foi eleita vereadora, sendo a quinta mais votada da cidade, com 46.502 votos, pela coligação “Mudar é preciso”, formada pelo PSol e PCB. Como poucos, ela defendia o poder de transformação da política. “Acredito que ocupar a política é fundamental para reduzir as desigualdades que nos cercam”, declarou.

Parte do que chamava de bonde dos intelectuais da favela, ela participou da primeira turma do pré-vestibular comunitário, em 1998, mas teve que abandonar porque engravidou da filha Luyara — nome de uma deusa indígena — aos 19 anos, mesma idade que a menina tem hoje. Em 2002, formou-se em ciências sociais pela PUC-RJ e mais tarde, em 2012, fez mestrado em administração pública, na Universidade Federal Fluminense, sempre contando com o apoio de bolsa de estudo. Além de estudar, manteve dois empregos para sustentar a filha como mãe solteira.

Segurança pública sempre foi uma preocupação. A tese de mestrado “UPP – A redução da favela em três letras”  abordou a política de segurança do ex-governador Sérgio Cabral com críticas à repressão policial contra a população pobre das comunidades cariocas. Contra a intervenção federal no Rio, Marielle discursou, semanas atrás, cobrando uma resposta dos legisladores. “Quem sabe onde a ponta do fuzil vai ser apontada? Essa história de mandado coletivo indiscriminado, no Judiciário, a própria defensoria pública é contra, vários órgãos são contra. Quem vai vigiar?”, indagou.

Há duas semanas, assumiu a função de relatora da Comissão da Câmara de Vereadores do Rio criada para acompanhar a atuação das tropas na intervenção. Em 10 de março deste ano, ela havia denunciado, em seu perfil no Twitter, indícios de que policiais do 41º Batalhão de Polícia Militar haviam cometido abuso de autoridade contra moradores do bairro de Acari. Marielle morreu resistindo ao sistema e à repressão daqueles que querem ter voz e mudar a realidade ao seu redor. Tornou-se a mártir emblemática das minorias.

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Motorista substituto

16/03/2018

 

 

Natural de Inhaúma (MG), Anderson Pedro Gomes, de 39 anos, se mudou para o Engenho da Rainha, bairro da Zona Norte do Rio, quando se casou. Com curso de mecânico de aviação, profissão do pai — que morreu há 10 anos —, ele estava desempregado e, por isso, passou a trabalhar como condutor do Uber. Nos últimos dois meses, pegou um bico sem carteira assinada: substituiu o motorista oficial da vereadora, que está acidentado. Era o segundo mais velho de quatro irmãos. Os pais são naturais da Paraíba. Ele deixou mulher, Ágatha Arnaus, e um filho, Arthur, de um ano e 10 meses de idade.

Julia Arnaus, irmã da viúva, lamentou o assassinato e disse que o motorista era “um ser de luz amado por todos”. “Ele era maravilhoso. Era demais, excelente pai”, afirmou. Nas redes sociais, ela protestou contra o assassinato do cunhado. “Mais uma vida ceifada, arrancada, assassinada, país de impunidade, país em que um pai de família sai de manhã pra trabalhar e não volta”, escreveu. “Agora sobra a família, mais um filho que cresce sem pai, mais uma mãe que enterra seu filho mais uma esposa que enterra seu marido”, desabafou. (MS)

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Tiros disparados com precisão

Renato Souza

16/03/2018

 

 

 

Rio de Janeiro, 14 de outubro, 21h30. Disparos de uma pistola 9mm assustaram motoristas que passavam na Rua Joaquim Palhares, no Estácio, na Zona Central do Rio de Janeiro. Os tiros foram direcionados para o carro onde estava a vereadora Marielle Franco, o motorista Anderson Gomes e a assessora de imprensa Fernanda Chaves. Atingida por quatro disparos na cabeça, a parlamentar morreu na hora. No corpo de Anderson, a polícia identificou três perfurações por arma de fogo nas costas.

Na mesma noite, a perícia da Divisão de Homicídios começou a reconstituir a cena do crime. De acordo com a investigação, os autores emparelharam um carro ao lado do veículo das vítimas e atiraram a uma distância de 2m. A vereadora tinha saído de uma reunião com jovens negros na Lapa. Os criminosos acompanharam o veículo por quatro quilômetros. Foram efetuados pelo menos nove disparos. O atirador estava no banco do passageiro, abriu a janela e apertou o gatilho.

As balas estilhaçaram a janela do lado direito do veículo, atingindo Marielle. A posição do atirador fez com que os projéteis também acertassem o motorista. Fernanda se feriu por conta do vidro que voou da janela de trás. Como os criminosos não levaram nenhum pertence dos ocupantes, a principal linha de investigação é de execução.

As janelas do veículo que levava a vereadora estavam fechadas e eram cobertas por uma película escura. De acordo com a Polícia Civil, a posição de Marielle só poderia ser conhecida com exatidão por quem a viu entrar no carro. Em uma reunião com o general Braga Netto, interventor federal na segurança do Rio, investigadores, integrantes da OAB e autoridades locais apresentaram diversas motivações possíveis para o crime.

Nenhuma hipótese está sendo descartada. Mas, durante o encontro, que ocorreu no Centro Integrado de Comando e Controle do Rio (CICC), foi apresentada a suspeita de envolvimento de milícias, formadas por policiais. Essa possibilidade foi reforçada pela precisão dos tiros, que revelaram a experiência do assassino. Outra linha de investigação apura a possibilidade de o homicídio ser uma reação do crime organizado em decorrência da intervenção federal. Os próximos passos envolvem análise de imagens coletadas de câmeras de segurança da região e mapeamento dos suspeitos.

Últimos momentos

Confira os passos da vereadora Marielle Franco  antes de ser assassinada no Rio de Janeiro

» Encontro

Marielle participa de evento chamado “Jovens Negras Movendo Estruturas”, na Lapa.

» Saída

Por volta das 21h30, após o evento, Marielle passa pela Rua Joaquin Palhares, região central do Rio de Janeiro. No veículo também estão uma assessora da vereadora e o motorista Anderson Pedro Gomes.

» O crime

Um carro emparelhou ao deles e efetuou vários disparos de arma de fogo. Os tiros foram em direção ao lado onde a vereadora estava sentada no carro.

» Os tiros

Marielle morreu com quatro tiros na cabeça. Anderson acabou atingido por outros três e também morreu. A assessora foi atingida por estilhaços, levada ao hospital e passa bem.