Valor econômico, v. 18, n. 4413, 03/01/2017. Especial, p. A10.

 

 

Candidato de Temer não vinga nas classes C e D, sugere pesquisa

Ricardo Mendonça

03/01/2017

 

 

Candidato apoiado pelo presidente Michel Temer não tem chance no numeroso universo de eleitores das classes C e D. A dez meses das eleições, a imagem do emedebista nesse público é associada a um conjunto grande e variado de valores negativos. Não há nenhuma conexão com qualquer aspecto que poderia ser considerado positivo. As constatações são de uma pesquisa qualitativa feita em São Paulo e no Recife por encomenda do Valor. O estudo foi realizado nos dias 8 e 15 de dezembro pela empresa especializada Ideia Big Data.

A pesquisa também identificou forte sentimento de descrença e distanciamento em relação à política. De maneira geral, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva cultiva a imagem de ter feito bom governo, mas é colocado no rol dos políticos que se corromperam mesmo por seus simpatizantes. O deputado Jair Bolsonaro (PSC-RJ) é visto como alguém que "fala as verdades" e que não responde por acusações, mas sua falta de experiência transmite insegurança. As referências sobre os demais cotados, mesmo Marina Silva (Rede), que já disputou a Presidência duas vezes, são mais rarefeitas.

A refutação a Temer foi unânime. Ele é percebido nas classes C e D como um político "fraco, egoísta, corrupto, sujo e tomador de medidas impopulares". Para esse público, que representa 48% do eleitorado e que, portanto, tende a ser decisivo, seu governo está voltado para os mais ricos. Conforme expressou uma eleitora, "não pensa nos mais pobres". A única preocupação do presidente, enxergam, é manter-se no poder.

O relatório dos chamados grupos focais destaca os dez principais valores associados a Temer. Todos são depreciativos. Um mandatário com falta de credibilidade, inseguro, esnobe, sem carisma, egoísta, cínico, irritante, antiético, manipulador e desonesto.

O diretor da empresa que conduziu o estudo, Mauricio Moura, é taxativo: "Não há a menor condição de alguém apoiado por Temer vencer", diz. "Isso fica claro nessa pesquisa, que confirma sinais que temos visto em levantamentos feitos para outros clientes. A convicção das pessoas contra ele é muito forte. Não querem Temer nem qualquer aliado dele", completa.

Moura fala numa "combinação cruel" de características que atenta contra Temer na visão dos eleitores pesquisados. A primeira tem relação com a forma como ele chegou à Presidência, alçado ao posto só por ser vice de Dilma Rousseff, afastada em 2016. "Não tem credibilidade", diz. "Além disso, a ideia de corrupção pega muito forte, em especial as histórias da JBS e dos R$ 50 milhões atribuídos ao [ex-ministro] Geddel [Vieira Lima]. E em terceiro, a deficiência de comunicação dele e do governo. Não consegue traduzir ganhos no dia a dia da população."

Pesquisa qualitativa é uma técnica muito usada para captar motivações subjetivas de eleitores. Em campanha, políticos e publicitários costumam usar esse tipo de fermenta para orientar rumos da propaganda eleitoral. O estudo não tem valor estatístico. Seus resultados não podem ser projetados para toda a população. Mas dão pistas sobre os sentimentos do eleitorado pesquisado e sobre os argumentos usados para justificar certas posições.

Nesse tipo de estudo, um grupo pequeno de eleitores é recrutado para um bate-papo conduzido por um profissional treinado. Os participantes (oito por rodada) recebem uma gratificação em dinheiro, lanche e refrigerante. Durante 90 minutos, debatem em torno de uma mesa sobre temas colocados pelo mediador. Em São Paulo e no Recife, as mesas reuniram homens e mulheres das classes C e D, de 30 a 50 anos, habitantes de áreas periféricas.

Optou-se por mesclar simpatizantes declarados dos principais nomes cotados para a disputa, com leve predominância para eleitores que manifestaram intenção de votar em Lula e Bolsonaro, os dois com melhor desempenho nas pesquisas quantitativas.

As conclusões são coerentes com os resultados apurados em pesquisas quantitativas recentes. O último levantamento de avaliação do governo Temer feito pelo Datafolha, em 29 e 30 de novembro, mostrou que só 5% dos brasileiros aprovam sua gestão. Após leve oscilação para baixo, a desaprovação ficou em 71%. Entre os eleitores com renda familiar mensal de até dois salários mínimos, a taxa negativa é de 75%. No grupo dos que recebem entre 2 e 5 salários, 70%. Com 2.765 entrevistas, a margem de erro era de dois pontos.

Temer não tem candidato óbvio à sua sucessão nem dá pistas de que poderia ele mesmo disputar. O MDB, como sempre ocorre, não tem figura competitiva para apresentar. Dois membros do governo Temer dão sinais de interesse na disputa: o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles (PSD), e o presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Paulo Rabello de Castro (PSC). Nenhum deles, porém, consegue mais que 1%. Especula-se ainda sobre eventual candidatura governista de Rodrigo Maia (DEM-RJ), mas ele mesmo tem dito que seu perfil não é adequado para eleição majoritária.

A dúvida é em relação ao tucano Geraldo Alckmin. Até poucas semanas atrás, o PSDB era formalmente membro da base de Temer. Ainda hoje mantém um ministro, Aloysio Nunes, no Ministério das Relações Exteriores. Pelo menos no discurso, o partido apoia a principal reforma de Temer, a da Previdência, em tramitação. E o governador de São Paulo tem interesse em herdar a generosa fatia do MDB horário eleitoral gratuito, um dos principais ativos da agremiação.

Alckmin, porém, sempre fez questão de demarcar certa distância de Temer. Desde o início foi contra a nomeação de tucanos em cargos no governo e, embora apoie a reforma da Previdência, diz que o presidente errou ao não enviá-la ao Congresso no início do mandato, antes da proposta de emenda constitucional (PEC) do teto de gastos.

Além da repugnância à figura de Michel Temer, um dos aspectos que mais chamou a atenção na pesquisa qualitativa da Ideia Big Data foi um clima geral de descrença e desconhecimento. O relatório do estudo destaca sentimentos de incerteza, instabilidade, insegurança, desorientação e falta de horizonte.

Desemprego ou precarização do trabalho são as principais explicações para a percepção generalizada de que a vida está pior ou igual na comparação com o ano anterior. As parcas expectativas de melhoria estão mais ligadas às perspectivas pessoais/internas, diz o documento.

Apesar de todos valorizarem o voto e repetirem que iriam às urnas mesmo se o comparecimento não fosse obrigatório, forte também é a incompreensão ou o desinteresse sobre projetos defendidos pelo governo e sobre a própria disputa eleitoral.

Há sentimento negativo generalizado em relação às reformas tocadas pela administração Temer, embora esses mesmos eleitores tenham demonstrado pouco ou nenhum conhecimento sobre cada projeto. No início, ninguém soube explicar o que foi a PEC do teto de gastos, por exemplo, mas quase todos manifestaram contrariedade quando entenderam que, conforme a circunstância, poderá haver cortes em áreas sociais.

É consolidada a imagem segundo a qual uma elite dirigente do país evita a todo custo abrir mão de regalias. "Deveria reduzir os gastos deles, salários deles, as mordomias, os carros deles", disse um participante, com aprovação geral em seu grupo.

Reforma trabalhista é uma expressão mais familiar, mas também há desconhecimento sobre o seu conteúdo. Alguns não souberam dizer se já havia sido aprovada ou não. Mas majoritário é o entendimento de que, seja o que for, as mudanças irão resultar em perda de direitos para os trabalhadores. O sentimento de desamparo fica evidente. "Acho que gera subemprego e abusos trabalhistas", resumiu uma mulher. "O patrão não se importa com o empregado", concluiu.

A reclamação contra as mordomias volta automaticamente quando o mediador propõe levar a discussão para a reforma da Previdência. É um tipo de manifestação repetida mesmo entre os que, com ressalvas, consideram que alguma reforma será necessária.

"Estão se preocupando muito com a Previdência e não estão se preocupando com os outros gastos lá em cima, em Brasília; não se preocupam com as regalias que eles tem", disse um participante. "Teria que ser igual do baixo até o alto, um sacrifício de todo mundo", completou outro. "Não é porque eu sou juiz com tantos anos que posso me aposentar [melhor], tem que equiparar todo mundo". Não foi detectado sinais de percepção da propaganda do governo sobre a reforma, que nas últimas semanas passou a dar ênfase à necessidade de combate a privilégios.

Participantes dos grupos não chegam a dizer que política é desimportante. Mas a dificuldade para responder certas questões denota que o tema ainda não está no rol de prioridades. Alguns não souberam dizer que tipo de eleição teve em 2016. Nem todos lembraram em quem votou para prefeito. Em São Paulo, entre os que lembraram, o mais citado foi o tucano João Doria.

Também não houve certeza unânime sobre quais cargos estarão em disputa em outubro deste ano. Em São Paulo, os participantes citaram segurança, educação e saúde como prioridades para o próximo presidente. No Recife, predominaram as menções à necessidade de melhoria na economia. Corrupção é uma preocupação generalizada. Exageros e colocações moralistas sobre o tema recebem aprovação fácil. "Acabando com a corrupção, acaba com 90% dos problemas do Brasil", disse um participante. "Se não tivesse tanta corrupção, a educação era melhor, a segurança era melhor, o direito de ir e vir era bem melhor", opinou outro.

Dos nomes cotados para disputar a Presidência, Lula é o único com imagem consolidada. Para o seu bem e para o seu mal. Em geral, as avaliações sobre o mandato do petista (2003-2010) são positivas. Mesmo entre os eleitores que não pretendem votar nele, há o reconhecimento de que "fez alguma coisa". Mas "Lula não é santo", repetem toda vez que a conversa caminha para as acusações que pesam na Lava-Jato.

Mesmo reconhecendo que Lula pode ter feito coisa errada (há pouco conhecimento sobre o mérito das acusações), é constante a ideia de que há perseguição contra o petista. Um participante expressou assim essa ideia: "Você vê provas do Temer, Aécio [Neves] gritante, e não acontece nada. Quando é do Lula, eles cavam, cavam para aparecer alguma coisa. Para mim é perseguição".

No grupo do Recife, uma eleitora expressou profundo senso de pragmatismo. "Tem perseguição, sim. Lula não é santo, é ladrão como os outros todos, mas a diferença é que Lula é um ladrão que ele ajuda o país. Eu votaria nele de novo (...) eu boto o Lula lá."

Bolsonaro (PSC), que hoje aparece em segundo lugar nas pesquisas quantitativas, é lembrado principalmente quando pensam em políticos que não estejam envolvidos em corrupção, destaca o relatório. E como alguém que "fala as verdades". Os exageros retóricos do militar reformado e suas manifestações pró-violência policial não entusiasmam nem são objeto de censura. Mas há perceptível insegurança em relação à sua falta de experiência e à incompetência parlamentar no que se refere a aprovar projetos.

As imagens dos demais nomes cotados para disputar a Presidência ainda são muito vagas nos grupos pesquisados. Marina Silva (Rede) recebeu um pouco mais de citação em São Paulo, alguns ressaltaram que ela "merece uma chance", mas é vista em geral como alguém com pouca força. No Recife, um destaque ligeiramente maior foi para o ex-ministro Ciro Gomes (PDT). Um eleitor disse que votaria nele porque "passa segurança" e porque "até agora ninguém falou nada dele". Em São Paulo, um participante se referiu ao político como "o Cícero Gomes".

Alckmin não vai muito melhor. Em São Paulo, ele não foi mencionado espontaneamente por nenhum participante. "As pessoas parecem que não têm uma opinião formada sobre ele", registrou o relatório. No Recife, o tucano foi lembrado como possível opção de voto por uma eleitora. Instada a explicar o que via de positivo no tucano, ela só soube dizer que ele é governador de São Paulo, um Estado importante