Valor econômico, v. 18, n. 4406, 21/12/2017. Especial, p. A14.

 

 

ENTREVISTA - Romero Jucá

Vandson Lima, Andrea Jubé e Fabio Murakawa

21/12/2017

 

 

Presidente do MDB - que mudou de nome esta semana, deixando a sigla 'PMDB', usada nas últimas quatro décadas, para trás - e líder do governo do presidente Michel Temer, o senador Romero Jucá (RR) já tem no horizonte a punição que dará aos deputados da sigla que desobedecerem o fechamento de questão em favor da proposta de reforma da Previdência que, espera, será votada em fevereiro.

Jucá diz que o parlamentar do MDB que votar contra a reforma "não terá o mesmo tratamento" na divisão do fundo eleitoral público daquele que votou em acordo com o governo. Em outras palavras, o infiel não será expulso da legenda, mas terá estrangulada financeiramente suas pretensões eleitorais.

Questionado se isso é "botar a faca no pescoço do parlamentar", Jucá, sem rodeios, confirma. "É sim. Mas a posição é essa, em política você tem de ter posição. É uma cobrança de posição. Quem quiser votar contra, que vá para um partido que fale mal do governo. Agora, vai receber o mesmo recurso do pessoal da Rede, do PSOL", provoca.

O fundo eleitoral, composto por recursos públicos e orçado em R$ 1,7 bilhão, aliás, é insuficiente e terá de ser aumentado pelo Congresso Nacional. Para isso, terá de se aprovar uma nova previsão de recursos para o custeio das campanhas, sendo que este montante terá de ser excluído do teto dos gastos.

Do contrário, para baratear as campanhas, Jucá sugere, com ironia, que levem os candidatos para "bater pênalti" nos estádios da Copa do Mundo de 2014.

Nesta entrevista exclusiva ao Valor, o líder e 'ministro informal de Temer conta ainda que o projeto de securitização das dívidas dos Estados é sim uma barganha para fazer governadores convencerem suas bancadas a votarem a favor da proposta para a Previdência.

Jucá aborda as contradições de defender um corte de despesas, mas ao mesmo um fundo de campanha maior ou a emenda constitucional, patrocinada por ele, que pode agregar até 18 mil funcionários dos ex-territórios (Amapá e Roraima) aos quadros da União - entre os parlamentares locais, a medida era vista como a 'garantia' da reeleição de Jucá em 2018. O senador é dado como possível postulante à Presidência do Congresso Nacional a partir de 2019.

Partidário de uma candidatura para defender o legado de Temer, Jucá deu a entender que considera melhor um cenário para 2018 em que Lula não seja candidato, pois os postulantes se multiplicariam e o candidato governista teria mais chances. "Senão, a eleição se resume a Lula e anti-Lula", analisa.

A seguir, os principais trechos da entrevista:

Valor: O mercado considera que não há mais condição de fazer reforma da Previdência em 2018, que vai ficar para o próximo governo. A reforma acabou?

Romero Jucá: Se o mercado está falando isso, temos que trabalhar para surpreender o mercado positivamente. Se tivéssemos mais duas semanas de Congresso Nacional [antes do recesso], teríamos aprovado a Previdência agora. Estava maturando a aprovação. Os partidos começaram a fechar questão, nós do MDB, o PTB e o PSDB. Infelizmente, o ano terminou antes que a gente aprontasse esse desenlace.

Valor: O que vai acontecer com os deputados e senadores do MDB que votarem contra a reforma?

Não estamos discutindo expulsão, mas penalizações, como não ter o mesmo tratamento financeiro do fundo eleitoral que quem vota a favor da reforma vai ter. Porque alguém assume o ônus. O outro, que não assume, vai ter o mesmo tratamento?

Valor: Isso não é botar a faca no pescoço do parlamentar?

Jucá: É sim. Mas em política você tem de ter posição. Quem quiser votar contra, que vá para um partido que esteja falando mal do governo. Agora vá lá, receber o mesmo recurso do pessoal da Rede, do Psol.

Valor: Dá para votar em 19 de fevereiro, como previu Rodrigo Maia?

Jucá: O Maia deixou para depois do Carnaval. Dá tempo de os partidos discutirem, fecharem questão. A Argentina aprovou a reforma da Previdência. Todos os países estão fazendo. Quem não fizer, vai quebrar. Nenhum país fez uma reforma tão suave quanto a que o Brasil está fazendo.

Valor: Mas a Argentina fez a reforma após eleger um governo reformista. Isso não faz diferença?

Jucá: De forma nenhuma. A Dilma [Rousseff] tentou fazer reformas. O Joaquim Levy propôs mudanças estruturais. Qual foi o problema da Dilma? Ela não tinha mais base política, por todos os desmandos dela no governo. Nós não podemos ficar sentados pensando: "o governo Michel veio de um impeachment, então não tem legitimidade para fazer reformas". Temer foi eleito igual à Dilma. Deu a vitória à Dilma, porque a diferença de votos foi muito pequena. Nós temos legitimidade. E temos pressa.

"Quem não fizer, vai quebrar. Nenhum outro país fez uma reforma [da Previdência] tão suave quanto a do Brasil"

Valor: O projeto da securitização da dívida dos Estados é considerado crucial por vários governadores. Existe uma barganha, para que eles consigam em suas bancadas votos a favor da reforma da Previdência em troca do projeto?

Jucá: Existe, claro. É importante que o governo federal ajude os governadores, mas que eles também possam ajudar a aprovar algo que é estruturante. É uma relação política em duas mãos.

Valor: Uma concessão cogitada é a regra de transição para quem ingressou no serviço público até 2003, mantendo o direito à integralidade do último salário. Teria um impacto violento nas contas, não?

Jucá: Isso o PSDB que levantou. É dar tratamento diferenciado e segurar regalias. Um dos cernes é manter a paridade do setor público e o privado. Se você fizer mais concessões ao setor público, estará privilegiando quem tem mais vantagens.

Valor: O que atrapalhou a reforma? Medo das urnas?

Jucá: Primeiro, houve uma falha de comunicação muito forte. A reforma da Previdência foi estigmatizada. Aí veio o [ex-PGR] Rodrigo Janot, deliberadamente, no sentido de torpedear a reforma, apresentou uma denúncia vazia contra o presidente. Depois apresentou outra. Isso fez com que o ambiente da Câmara ficasse completamente tumultuado. A poeira ainda está baixando.

Valor: O alvo do Janot era a reforma da Previdência?

Jucá: O alvo do Janot era derrubar o presidente, mas era também impedir a reforma. E, mais do que isso, era tentar tumultuar para indicar o procurador-geral da República. Ele tinha medo da indicação da Raquel Dodge.

Valor: E por que ele queria impedir a reforma?

Jucá: Pergunte a ele. Acho que ele pensou que poderia ser presidente da República.

Valor: Além da Previdência, qual a prioridade em 2018?

Jucá: Tem as MPs dos ajustes e a abertura ao capital estrangeiro nas companhias aéreas.

Valor: O governo defende 100% de capital estrangeiro?

Jucá: Grande parte do governo defende abertura com controle, algum tipo de contrapartida que privilegie com novos voos áreas não tão rentáveis, como a Amazônia e o Centro-Oeste.

Valor: Como o governo vai lidar com a suspensão da MP que adiou reajustes dos servidores federais?

Jucá: O ministro Lewandowski deu uma decisão liminar. Esperamos que o Supremo reavalie. A questão do aumento da contribuição previdenciária [prevista na MP], em tese, pode ser ampliado até 14%, como alguns Estados já fizeram. Então não tem nenhuma razão para essa suspensão.

Valor: Mantida essa decisão, vai ser necessário aumentar impostos?

Jucá: Vai se verificar onde cortar no Orçamento. Porque essas contas estão previstas cumprindo o déficit de R$ 159 bilhões.

Valor: O déficit está adequado?

Jucá: Nenhum déficit é adequado. A realidade do Brasil, vindo da depressão, era de déficit. Teremos um crescimento de 2,5% a 3% no ano que vem, já vai ter uma receita maior, uma arrecadação previdenciária um pouco maior. A partir daí a tendência é que o crescimento possa vir de forma mais célere.

Valor: O ministro Meirelles sugeriu que pode ser necessário aumentar impostos para fechar as contas.

Jucá: Acho difícil aumentar impostos ano que vem. Nem sempre, quando a gente aumenta impostos, a arrecadação aumenta. Às vezes ela cai. Porque a capacidade de pagamento de imposto não é elástica. O ambiente no próximo ano não é para aumentar impostos. É um ambiente eleitoral, de último ano do governo. Aumentar impostos é a última saída a se cogitar.

Valor: Será a primeira eleição financiada com fundo eleitoral público. Os R$ 1,7 bilhão previstos no orçamento são suficientes?

Jucá: O fundo terá importância no momento em que tiver um valor que seja razoável. Sou contra ter fundo só para constar. Se não tivermos valores razoáveis, as campanhas serão feitas de forma irregular. Ou teremos campanhas financiadas por facções criminosas ou por setores heterodoxos da política e da economia, porque manuseiam dinheiro e terão mais facilidade.

Valor: É possível aumentar?

Jucá: Os valores foram aprovados no Orçamento, mas essa discussão pode continuar.

Valor: O que seria razoável?

Jucá: O valor de R$ 1,7 bilhão não leva em conta a necessidade da disputa eleitoral. Em 2014, tivemos uma despesa declarada de R$ 7,2 bilhões. Vamos chegar quatro anos depois e gastar R$ 1,7 bilhão? Isso é factível? O MDB é o partido que mais recebe recursos. Vai ter dinheiro para financiar 15 ou 16 governadores, 30 senadores e 80 deputados?

Valor: Então quanto?

Jucá: Eu defendi um fundo de R$ 3,6 bilhões porque era 50% do valor de 2014, extra-teto, sem impactar nos gastos com educação e saúde. Infelizmente, o bom senso não prosperou. O pessoal faz média e depois, cai na esparrela.

Valor: Então vão aprovar mais recursos para fazer campanha?

Jucá: A gente tem que discutir o que quer: a solução passa por ter dinheiro lícito ou dinheiro ilícito. Eu defendo deixar o fundo eleitoral fora do teto do gasto. Essa decisão será do Congresso.

"A ausência do Lula muda a eleição. A disputa com ele se resume a 'Lula e anti-Lula'. Sem ele, vamos ter vários perfis"

Valor: Não dá para baratear campanha? Menos gastos com marqueteiros e propaganda?

Jucá: O maior gasto não é com isso, tem combustível, pessoas que trabalham, a movimentação dos candidatos. Você tem um exército, 20 ou 30 mil pessoas sendo candidatos.

Valor: Não dá para fazer um ajuste fiscal nas campanhas?

Jucá: [Irônico] Se quiser reduzir custo, faz disputa de pênalti. Pega os estádios da Copa, leva todo mundo pra bater pênalti e quem ganhar, leva. Ou faz sorteio. Tem muitas formas, mas não é o mais democrático.

Valor: Qual será a prioridade do MDB em 2018?

Jucá: Fazer a maior bancada no Congresso. Queremos eleger pelo menos uma mulher em cada Estado, para virar a maior bancada feminina na Câmara dos Deputados. A outra prioridade é ter candidatura própria ao governo na maioria do Estados.

Valor: E para a Presidência?

Jucá: Nossa discussão é encaminhar uma candidatura dentro da base do governo que seja competitiva e defenda o legado de avanços que estamos fazendo.

Valor: Um candidato do MDB?

Jucá: Temos nomes: Henrique Meirelles, Paulo Hartung, Paulo Skaf. Ou podemos apoiar um nome de outro partido da base.

Valor: Meirelles pelo MDB? Ele como candidato não atrapalha na condução da economia?

Jucá: Pelo MDB ou PSD. Ele é pré-candidato, tem toda condição de defender o legado do governo. É um nome que tem de ser levado em conta. Podemos apoiar um candidato de outro partido. Mas preferimos apoiar um que seja do MDB.

Valor: Temer está descartado?

Jucá: Temer é o primeiro da fila se resolver disputar, mas se tiver de fazer alguma colocação, tem de fazer ele próprio. A chapa de 2018 vai depender da conjuntura política, do resultado do governo e do ambiente que o país estará vivendo. Não dá para programar candidatura. Não agora.

Valor: Então quando?

Jucá: O MDB terá candidato a presidente, com certeza, em 2022. Em 2018, há a possibilidade, mas estamos numa transição.

Valor: Vai ser a eleição da salvação da política ou da anti-política?

Jucá: Não há salvação sem a política. Quem tenta matar a política, e o Janot entra nessa seara, comete um erro. Fora da política é a aventura. O maior exemplo disso é a Dilma. Você não pega um outsider da política e bota para governar o Brasil. Não se improvisa na direção de um Boeing, senão você derruba o avião. Outsider é bom na imprensa, na rede social. Na hora de tomar decisão, se não for experiente na política e não tiver base congressual, dá com os burros na água e joga o país no atoleiro.

Valor: É melhor uma eleição com ou sem Lula?

Jucá: A ausência do Lula muda o eixo da eleição. Uma disputa com ele se resume a 'Lula e anti-Lula'. Sem ele, vamos ter espraiados vários perfis diferentes. Vai ter político, outsider, artistas, malucos. Para todo gosto.

Valor: Então melhor sem Lula?

Jucá: Quanto menos mistificada a eleição for, quanto menos polarizada em nível de ódio, de choque de classes, mais racionalidade. O desencanto, o protesto não são bons conselheiros para votos. Mas quem vai definir a vida do Lula é o TRF-4, em janeiro.

Valor: Há perseguição a Lula?

Jucá: Formou-se um clima de ataque à classe política. Digo sempre que não há demérito em ser investigado. Demérito é ser condenado. Eu mesmo não temo investigação. Mas a leviandade da acusação, da notícia sem prova, da fabricação de gravações como fez o Janot, criam um pano de fundo em que há manipulação para denegrir a política.

Valor: O senhor fala que o MDB tem de ter direcionamento e quem não segui-lo será punido. A senadora Kátia Abreu foi expulsa por isso. Mas outros, como Renan Calheiros, nada sofreram. Sua regra só vale para quem não é cacique no MDB?

Jucá: Não, a regra vale para todo mundo. A Kátia foi expulsa porque o diretório do MDB de Tocantins encaminhou um arrazoado de agressões e ataques dela lá e no nível nacional. É diferente de discordância, de pensamento diferente.

Valor: Falta identidade ao MDB?

Jucá: Hoje ninguém se identifica com nenhum partido. Nem com MDB nem qualquer outro. Há um descolamento da sociedade com os partidos políticos. Vamos fazer um trabalho de base, aprovar um novo programa do MDB. É importante para o eleitor saber a posição do partido e se identificar com aquilo.

Valor: É possível fazer algum tipo de reforma tributária para 2018?

Jucá: É possível. Claro que não vai valer para 2018. Mas, dentro da linha do presidente Michel, de ajustar o país para o futuro, podemos fazer uma reforma tributária mais para simplificar o processo de cobrança de impostos, ampliar a base para que mais pessoas paguem e menos soneguem. Aí o próximo governo fará uma reforma mais robusta.

Valor: A privatização da Eletrobras ainda vai sair?

Jucá: Há acordo com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, para encaminhar como projeto de lei, mas ainda não estava formatado. Esta é uma prioridade na Câmara. Maia está compromissado com esta solução.

Valor: Há planos para a Petrobras? Cessão onerosa?

Jucá: Algumas questões estão sendo discutidas. Cessão onerosa estão fazendo os estudos. Toda a reformulação na gestão, acompanhamento da questão do equilíbrio de preço. Aprovamos o Repetro, vamos gerar empregos e isso vai ajudar, inclusive, na situação do Rio de Janeiro.

Valor: O sr. fala em diminuir gastos, mas uma emenda do senhor integrou os funcionários dos ex-territórios (Amapá e Roraima) aos quadros da União. Pode chegar a 18 mil pessoas. Não é um contrassenso?

Jucá: Os funcionários eram servidores não enquadrados. Depois que fui governador de Roraima [1988-1990], assumiu um governador indicado pelo Fernando Collor e eles não continuaram os enquadramentos que comecei. Os recursos já estavam previstos no Orçamento.

Valor: Há acordo para o sr. ser o próximo presidente do Senado?

Jucá: Nem me reelegi ainda! Não tem reeleição fácil. O pessoal especulava isso, mas não se faz acordo se você não tem condições de decidir o futuro.