O Estado de São Paulo, n. 45311, 07/11/2017. Política, p.A6

 

 

 

 

 

Câmara articula PEC para regular ‘supersalários’

Proposta vai permitir acúmulo acima do teto de R$ 33,7 mil apenas nas áreas de saúde e educação; juízes podem perder 60 dias de férias

Por: Igor Gadelha / Idiana Tomazelli

 

Igor Gadelha

Idiana Tomazelli / BRASÍLIA

 

Após a polêmica envolvendo a ministra dos Direitos Humanos, Luislinda Valois (PSDB), a comissão especial que analisa o projeto que regulamenta o limite salarial dos servidores prepara uma proposta de emenda à Constituição (PEC) para regulamentar as possibilidades de acúmulo de salários além do teto do funcionalismo público, de R$ 33,7 mil, quando há ocupação de diferentes cargos. A mudança constitucional também deve propor o fim das férias de 60 dias concedidas a membros do Judiciário e do Ministério Público.

Segundo o relator do projeto, deputado Rubens Bueno (PPS-PR), a PEC é necessária para contemplar decisão recente do Supremo Tribunal Federal (STF), com repercussão geral, que prevê a incidência de mais de um teto remuneratório no caso de acumulação de vínculos com a administração pública. Na prática, isso legaliza o recebimento acima do limite de R$ 33,7 mil, que é o salário de um ministro do Supremo.

A Corte previu que a incidência de dois tetos remuneratórios independentes se aplica “nos casos autorizados constitucionalmente de acumulação de cargos, empregos e funções”. A Constituição prevê que essa acumulação é permitida a profissionais de saúde e professores, mas o entendimento de consultores do Congresso é de que a decisão do STF deixou a questão em aberto para outras categorias. A interpretação é de que a menção a “cargos, empregos e funções” é vaga e pode abrir espaço para situações como a da própria ministra e, por isso, há a necessidade de restringir a regra de acúmulo.

Como revelou a Coluna do Estadão, Luislinda pediu ao governo para acumular seus vencimentos como ministra (R$ 30.934,70) e como desembargadora aposentada (R$ 30.471,10). Em um pedido de 207 páginas, ela reclamou que, por causa do teto constitucional, só pode ficar com R$ 33,7 mil e que essa situação, “sem sombra de dúvidas, se assemelha ao trabalho escravo”. Após a repercussão negativa, porém, a ministra desistiu da solicitação.

A PEC terá tramitação própria e independente do projeto de lei que regulamenta o teto salarial de servidores, que deve ser votado ainda neste ano, incluindo no limite uma série de “penduricalhos”.

A apresentação da proposta foi discutida pela comitiva que viajou a Israel e à Europa na semana passada, na qual estavam o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), o presidente da comissão do teto remuneratório, deputado Benito Gama (PTB-BA), e o próprio Bueno. Na avaliação de parlamentares, a PEC tem apelo popular ao tratar de medidas que podem ser vistas como forma de evitar privilégios ao funcionalismo.

“O STF deixou (o entendimento) muito elástico. Queremos deixar claros os casos em que pode acumular, para não deixar espaço aberto para o jeitinho brasileiro”, afirmou Bueno. Segundo o parlamentar, a ideia é manter a possibilidade de acúmulo para professores e profissionais de saúde.

 

Férias. A PEC também pretende acabar com o direito que magistrados e procuradores têm de gozar de férias de 60 dias por ano. Uma mudança desse tipo teria de ser feita por lei complementar, por iniciativa dos próprios órgãos, algo considerado improvável. Daí a necessidade de prever a mudança na própria Constituição.

O presidente da Associação Nacional de Procuradores da República (ANPR), José Robalinho Cavalcanti, disse que o fim das férias de dois meses “é uma discussão justa”, mas defende que seja ampliada a outras categorias que também as recebem, como diplomatas.

Já o presidente da Associação dos Juízes Federais (Ajufe), Roberto Veloso, afirmou que as férias de 60 dias são uma compensação aos magistrados porque eles não recebem horas extras e não têm direito ao FGTS. “Não pode haver uma injustiça com os juízes. Eles têm as férias de 60 dias, mas não têm outros direitos”, disse.

 

Relator. Rubens Bueno (PPS-PR) elabora o texto com auxílio de consultores do Congresso

 

 

‘Jeitinho’

“O Supremo Tribunal Federal deixou (o entendimento) muito elástico. Queremos deixar claros os casos em que pode acumular, para não deixar espaço aberto para o jeitinho brasileiro.”

Rubens Bueno (PPS-PR)

DEPUTADO FEDERAL

 

FIM DOS ‘PENDURICALHOS’

Projeto de lei impõe limite aos rendimentos pagos pela administração pública. O teto é o salário dos ministros do Supremo

 

O que diz o PL 6726/16

Pelo texto aprovado no Senado, os rendimentos recebidos por qualquer servidor público não podem exceder o que recebem os ministros do Supremo Tribunal Federal (R$ 33,7 mil)

 

Pontos em discussão

Apesar do limite, há casos em que servidores públicos recebem mais que ministros do Supremo, porque é possível acumular outros benefícios adicionais ao salários

 

Cronograma

O projeto de lei já passou pelo Senado e está em discussão em comissão especial da Câmara. A previsão é de que seja votado até o fim do ano pelo plenário da Câmara

 

 

 

 

 

Após 1 mês, siglas não indicam nomes para compor CPI

Por: Julia Lindner

Mais de um mês após a criação da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) dos Supersalários, o colegiado ainda não foi instalado no Senado por falta de membros. Até ontem, nenhum partido havia indicado os nomes para compor a CPI que deve investigar o pagamento de salários acima do teto constitucional para servidores e empregados da administração pública direta e indireta. A comissão tem sete vagas para titulares e outras sete para suplentes.

O requerimento para a criação da CPI é de autoria do senador Renan Calheiros (PMDB-AL), porém nem mesmo o partido do parlamentar fez as indicações até o momento. De acordo com o líder da bancada, Raimundo Lira (PB), ele não escolheu os nomes “porque não houve interesse nem de quem pediu a instalação nem dos membros da bancada”. Lira disse que vai conversar com os peemedebistas nesta semana para verificar se há interesse. / JULIA LINDNER

 

 

 

 

 

 

Interpretaçõesde leis e definição caso a caso expõem insegurança

Por: Marilda Silveira

 

ANÁLISE: Marilda Silveira

 

Desde 1988, a Constituição tem a pretensão de estabelecer um limite para a remuneração recebida pelos agentes públicos. De lá para cá, o dispositivo que regula o tema (art. 37, XI da CR/88) já foi alterado por quatro emendas constitucionais e acabou por estabelecer que o teto geral do funcionalismo público são os subsídios dos ministros do Supremo Tribunal Federal que, hoje, equivalem a R$ 33,7 mil. Além desse teto geral, a Constituição estabeleceu tetos específicos (ou subtetos): para os servidores dos municípios os subsídios do prefeito; já para os servidores dos Estados e do Distrito Federal os subsídios do governador (no Executivo), dos deputados estaduais e distritais (no Legislativo) e dos desembargadores do Tribunal de Justiça (no Judiciário, Ministério Público, Procuradorias e Defensorias Públicas).

Embora esse emaranhado de regras não seja um primor de clareza, não há dúvida de que nenhuma remuneração, pensão, subsídio ou provento poderia ser paga acima do teto geral. Contudo, não é difícil encontrar milhares de servidores com remunerações que ultrapassam o teto. Não sem razão, recentemente, a ministra Cármen Lúcia (CNJ) determinou que todos os tribunais lhe enviassem informações sobre os recebimentos de magistrados e servidores.

Nesse cenário, é impossível não se perguntar: por que é tão comum encontrar pagamentos acima do teto? São muitas as discussões que envolvem o tema, há muito tempo. Mas, atualmente, há um ponto central que tende a direcionar esse porquê.

Em 2005, o art. 37, §11 positivou o que já vinha sendo decidido pelo Judiciário: não são computadas para verificação do teto “as parcelas de caráter indenizatório previstas em lei”. Significa dizer que os valores recebidos a título de indenização ficam de fora do total considerado para verificação do teto. O problema, portanto, passa a ser definir o que o servidor recebe como parcelas de caráter indenizatório e ficará de fora do teto. Desde então, travam-se enormes discussões a respeito das mais diversas parcelas (abono variável, auxílio-moradia, vantagens pecuniárias, adicional por tempo de serviço etc) para se definir se devem ou não ser classificadas como indenizatórias. E, na grande maioria das vezes que se pretende cortar a remuneração de um servidor para se ajustar ao teto, é natural que ele recorra ao Judiciário.

Não foram poucas as vezes, portanto, que o Judiciário foi chamado a se manifestar sobre a matéria. O Supremo Tribunal Federal tende a não entrar nesse debate. Como definir o que é indenizatório passa pela interpretação de inúmeras leis e não da Constituição, essas definições ficam a cargo do Superior Tribunal de Justiça. Essa pulverização legislativa e a definição caso a caso expõem um sério debate sobre insegurança jurídica.

Buscando dar solução ao tema, surgem iniciativas para aprovação de uma lei geral que regulamente o art. 37, §11 e defina, com maior precisão, o que se insere no conceito de parcela de caráter indenizatório. Com isso, travam-se novos debates sobre os limites de competência de uma lei geral e a natural insegurança que é própria da linguagem, na vida e no Direito. O que se tem como certo é que essa é uma discussão que parece distante do fim.

 

PROFESSORA DA FACULDADE DE DIREITO DO INSTITUTO BRASILIENSE DE DIREITO PÚBLICO (IDP) EM SÃO PAULO, MESTRE EM DIREITO ADMINISTRATIVO E DOUTORA EM DIREITO PÚBLICO