O globo, n. 30698, 24/08/2017. Economia, p. 22.

 

Privatização da Eletrobras coloca em risco obra de Angra 3

Ramona Ordoñez/ Glauce Cavalcanti/  Manoel Ventura Bárbara Nascimento/  Janaina Lage 

24/08/2017

 

 

Eletronuclear deve acelerar busca por sócio privado. Usina ainda precisa de R$ 17 bi para ser concluída
 
 
 

A decisão de separar a Eletronuclear de sua controladora, a Eletrobras, que será privatizada, coloca em risco a conclusão das obras da usina nuclear de Angra 3 e, em última instância, o avanço do projeto nuclear brasileiro. Segundo especialistas, pode ficar mais difícil financiar Angra 3, empreendimento que começou a ser construído em 1984, tinha orçamento original de R$ 9,9 bilhões, mas que agora ainda depende de R$ 17 bilhões para concluir a obra. Diante da escassez de recursos e do custo bilionário para desmobilizar o projeto após 33 anos, a Eletronuclear busca parceiros privados para finalizar a construção. A Eletronuclear já assinou um memorando de entendimento com a China National Nuclear Corporation (CNNC) para análise das características do empreendimento e deve firmar, em breve, acordo com a russa Rosatom. Caso cheguem a um consenso, o sócio privado entraria com investimentos de R$ 13 bilhões. Caberia à Eletronuclear arcar com os R$ 4 bilhões restantes.

Segundo um executivo próximo à estatal, o anúncio da separação da Eletronuclear e da Eletrobras, cujos termos ainda não foram definidos pelo governo, poderia contribuir para agilizar as negociações em curso:

— O prazo fica mais apertado. O anúncio pode até acelerar as negociações com parceiros privados. Se em setembro o governo federal decidir pela retomada das obras, tem de se fechar a parceria até o fim do ano para que a usina fique pronta em 2024.

 

TARIFA QUE NÃO COMPENSA PROJETO

A obra enfrenta problemas em série. A construção está paralisada desde setembro de 2015 por envolvimento do projeto nos escândalos de corrupção revelados pela Operação Lava-Jato. A retomada de Angra 3 depende ainda da aprovação do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE). Mesmo que um sócio privado estrangeiro arque com os custos de conclusão da obra, a operação da usina ficaria a cargo da Eletronuclear. Segundo a estatal, depois que for assinado o contrato é necessário um período de seis meses para mobilização de pessoal e preparação de canteiro.

No primeiro semestre, o balanço da Eletrobras inclui um impairment (baixa contábil) de R$ 485 milhões referente a Angra 3. Segundo Aquilino Senra, professor de Engenharia Nuclear da Coppe/UFRJ, a separação das empresas pode ter impacto financeiro.

— A Eletrobras tem um papel importante na articulação junto ao governo federal. Existem outras áreas, porém, que estão fora do âmbito da companhia, como a construção do reator de propulsão naval da Marinha — explica Senra.

Especialistas afirmam que é difícil compreender como a Eletronuclear terá fôlego para tocar os empreendimentos sem o suporte da Eletrobras. No governo anterior, havia propostas de expansão do parque nuclear, com a construção de ao menos uma outra central nuclear no Nordeste. Os projetos, porém, ficaram em compasso de espera.

— A Eletronuclear representa uma questão constitucional. As usinas nucleares são de responsabilidade da União. A empresa desagregaria valor ao negócio. Da maneira que está hoje, é um ativo oneroso. Mas o que vai acontecer quando a Eletrobras perder o controle sobre as empresas? A receita de Angra 1 e Angra 2 é mais que suficiente para manter as usinas. A dificuldade é ter recursos para concluir Angra 3 — afirma Olga Simbalista, presidente da Associação Brasileira de Energia Nuclear (Aben).

Por sua vez, o presidente da Associação Brasileira para Desenvolvimento de Atividades Nucleares (Abdan), Celso Cunha, observa que o momento atual é de indefinição sobre o futuro da energia nuclear no país.

— Existe grande indefinição sobre o futuro da energia nuclear, que dependerá das decisões que virão com o novo marco regulatório para o setor. É preciso resolver Angra 3 pois, sem ela, a Eletronuclear é superavitária. Como está, sozinha não se sustenta — diz Celso Cunha ao lembrar que parar as obras exigiria cerca de R$ 12 bilhões.

Mesmo antes da discussão sobre privatizar a Eletrobras, já havia dificuldade para viabilizar Angra 3. Segundo fonte próxima à estatal, Angra 3 vem causando elevados prejuízos que são repassados por meio de baixas contábeis para a Eletrobras. Para viabilizar a usina, seria necessário aumentar a tarifa de Angra 3, fixada em R$ 240 o megawatt/hora (MWh). Segundo a fonte, o valor não remunera o projeto, e aumentar a tarifa de Angra 3 já faz parte das negociações com potenciais parceiros.

— Se não aumentar o valor da tarifa da usina, Angra 3 não tem jeito, nem mesmo se conseguir parceiros. Com essa tarifa, ela não é rentável. Os atrasos na obra geraram custos muito altos — destacou.

Diante do quadro de incerteza, Senra teme que o governo mire em seguida no monopólio de urânio. O país tem a sétima maior reserva do mundo.

— Temo que as mudanças estejam só começando. Isso pode ter impacto na transferência de tecnologia ao país — disse.

Em Brasília, o governo ainda discute os detalhes da privatização da Eletrobras. Segundo o ministro de Minas e Energia, Fernando Coelho Filho, só haverá venda de ações da União na privatização da empresa se a diluição da participação do governo não for suficiente para a perda de controle da estatal. O modelo em estudo dentro do governo para a venda da holding prevê que a estatal faça uma oferta de ações na Bolsa, como forma de levantar recursos para pagar ao governo pelas 14 usinas hidrelétricas que foram transferidas à União em 2012, como resultado da medida provisória 579, que buscava reduzir a conta de luz e desarrumou as contas da Eletrobras. Dessa forma, o dinheiro entraria no caixa da União, que perderia o controle da empresa, porque não vai comprar as ações.

— A ideia que foi colocada aqui no Conselho é que, inicialmente, não tenha venda de nenhuma ação (da Eletrobras) por parte da União, do BNDES e dos fundos (de pensão). Porém, se a diluição de capital por emissão de novas ações não for suficiente para a perda do controle, podemos, sim, colocar algumas ações à venda, mas não é essa a proposta inicial — disse o ministro.

 

MODELO DEVE SER ANUNCIADO NA PRÓXIMA SEMANA

O único modelo de venda da Eletrobras pelo qual o governo consegue levantar recursos para cobrir o rombo nas contas públicas é o que prevê o pagamento à União pelas outorgas das usinas, após a empresa levantar recursos no mercado. De acordo com Coelho Filho, a modelagem da privatização deve ser anunciada até início da próxima semana.

Mais cedo, o ministro do Planejamento, Dyogo Oliveira, explicou que a ideia do governo é estabelecer uma modelagem de venda da Eletrobras que pulverize o controle. Ou seja, não deve ser permitido que um único grupo adquira a maioria das ações, a exemplo do que ocorreu com a Vale:.

— A ideia é democratizar o controle.