Valor econômico, v. 17, n. 4336, 14/09/2017. Política, p. A10.

 

 

Lula chama Palocci de 'frio e calculista'

Cristiane Agostine, Lígia Guimarães, Nathalia Larghi, Ricardo Mendonça, Victória Mantoan e Rafael Moro Martins

14/09/2017

 

 

No segundo depoimento ao juiz Sergio Moro, responsável pela Lava-Jato em Curitiba, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva atacou Antonio Palocci, disse que o ex-ministro é "frio e calculista" e que a delação do petista é "quase cinematográfica" e "hilariante". Durante as 2h30 de audiência, Lula criticou também a atuação do Ministério Público Federal e da Polícia Federal e travou embates com Moro, que chegou a classificar o ex-presidente como "muito rancoroso" e determinou que o petista não fizesse discurso político.

O depoimento foi encerrado antes do esperado, depois que os advogados de Lula o orientaram a não responder a perguntas a respeito de documentos que a Lava-Jato diz ter obtido no sistema Drousys, da Odebrecht, que indicariam o pagamento de propinas ao ex-presidente.

Lula afirmou que o depoimento prestado por Palocci, em 6 de setembro, tinha como objetivo incriminá-lo e que o ex-ministro estaria fazendo a delação por precisar do "benefício e, quem sabe, do dinheiro que a Justiça bloqueou dele". "Vi atentamente o depoimento dele, uma coisa quase cinematográfica, quase feita por roteirista da Globo, 'você vai dizer tal coisa', 'os lides são esses', e ele foi dizendo, lendo alguma coisa, falando. Conheço ele bem, se ele não fosse um ser humano, seria um simulador", disse o ex-presidente. "Ele é capaz de simular uma mentira mais verdadeira que a verdade. Ele é calculista, é frio".

Ex-ministro da Fazenda na gestão Lula e da Casa Civil no governo Dilma Rousseff, Palocci imputou crimes a Lula e afirmou que o PT recebeu dinheiro de propina para financiar campanhas eleitorais. Segundo o ex-ministro, a Odebrecht tinha um "pacto de sangue" com o partido.

"Ele era a figura política respeitada no país. Era o ministro da Fazenda que mais estabeleceu uma relação de amizade com o empresariado brasileiro. Podia conversar com todo mundo. Agora, tentar jogar nas minhas costas uma coisa que só ele sabia? 'Lula conversava e no dia seguinte me chamava', como se eu fosse um cadeirante e ele carregasse minha cadeira", afirmou Lula. Em outro momento, disse que a versão de Palocci para explicar doações da Odebrecht para o Instituto Lula "é a peça de ficção mais hilariante". Lula, no entanto, disse não ter "raiva" de Palocci, mas sim "pena".

"Quem conheceu Palocci como eu conheço percebeu que ele estava cumprindo um ritual [ao avalizar parte das denúncias do Ministério Público Federal em depoimento]", disse. "Ele veio preparado para dizer que tinha um fundo que eu sabia, para dizer que o doutor Emílio [Odebrecht] tinha me procurado para conversar, para dizer que eu tinha tentado bloquear a Justiça [...] Foi um conjunto de simulações para diminuir a pena dele e, quem sabe, ficar com um pouco dos recursos que foi bloqueado, que ele ganhou como consultor." As críticas ao ex-ministro permearam todo o depoimento. "Lamentavelmente o Palocci se prestou a um serviço pequeno: inventar inverdades para criminalizar uma pessoa que ele sabe que não cometeu os crimes que ele alegou".

Sem a gravata verde-amarela que usou no primeiro depoimento e visivelmente mais tenso, Lula reclamou dos questionamento do MPF, acusou o órgão de mentir para prejudicá-lo e disse que seus acusadores estavam mais preocupados em fazer "ilações e suposições" do que mostrar provas contra ele.

"O que menos preocupa vocês agora é prova", disse o ex-presidente. Moro o interrompeu: "Talvez o senhor esteja muito rancoroso, mas é a oportunidade que o senhor tem de responder..." Irritado, Lula rebateu. "Eu não estou rancoroso. Eu fico preocupado, doutor Moro, quando as pessoas inventam uma história e tentam a cada momento transformar aquela inverdade em verdade". O juiz novamente interrompeu e, ao retomar a palavra, Lula disse ter muita experiência em negociar e "trabalhar seriamente", mas acusou o "Ministério Público da Lava-Jato" de contar "uma grande mentira com o PowerPoint". O ex-presidente chegou a reclamar que a representante do MPF não olhava para ele e parecia não prestar atenção a suas respostas.

Ao falar sobre a acusação de que teria se beneficiado indevidamente de um apartamento comprado pelo empresário Glaucos da Costamarques, primo do pecuarista José Carlos Bumlai, o ex-presidente disse que o imóvel não é seu e que pagou aluguel para poder usufrui-lo. "O que me deixa pasmo, doutor Moro, é que estou sendo acusado de um segundo prédio que não requeri, que não é meu, que não aceitei, como se fosse meu. O MPF vai ter que encontrar uma rota de fuga, aquela que na política é uma janelinha aberta, que eles vão ter que saber como vão sair da 'encalacrada' que se meteram".

O apartamento foi comprado em 2011 e é vizinho ao imóvel onde o ex-presidente vive, em São Bernardo do Campo. Lula disse que não pediu a Bumlai para comprar o imóvel e disse que o pagamento dos alugueis está registrado em seu Imposto de Renda. O fato de a defesa de Lula não ter apresentado os recibos, no entanto, foi outro ponto de divergência entre o petista, o juiz e MPF.

O ex-presidente também negou as acusações de que receberia um prédio comprado pela Odebrecht para a instalação de uma nova sede do Instituto Lula. "Quando o procurador [Deltan] Dallagnol apresentou no ano passado uma peça de ficção no Powerpoint que virou a nave-mãe dos processos contra mim e contaram uma verdade deslavada e submeteram à imprensa tentar transformar em verdade, inventaram também essa história", afirmou.

Entre as críticas ao MPF, Lula citou denúncias em que disse ter sido citado injustamente, como a do ex-senador petista Delcídio do Amaral. "Tem mais de 20 perguntas do Delcídio comigo no processo. E o Delcídio é um mentiroso, descarado".

Por orientação de seus advogados, Lula não respondeu a perguntas feitas de Moro e do MPF a respeito de documentos obtido no sistema Drousys. "Essas perguntas se baseavam em papéis cuja autenticidade foi questionada pela defesa", disse o advogado Cristiano Zanin Martins. "Pedimos abertura de incidente de falsidade sobre documentos, questionando a origem e o fato de poderem estar adulterados. Não tivemos resposta."

O advogado disse que os procuradores apontam os documentos como uma agenda unilateral da Odebrecht. "Nossa visão é de que papel apócrifo não pode ser lido como agenda. Também há indícios de adulteração nesses papéis. Enquanto isso não ficar claro, é evidente que não podem ser utilizados [como provas]", disse. De acordo com Zanin, Lula também não respondeu a perguntas "repetidas" e "estranhas ao objeto do processo". O advogado refutou, porém, que tenha havido mudança na estratégia da defesa.

"O ex-presidente respondeu a todas as perguntas que têm por base a acusação do processo. A defesa técnica o orientou a não responder a perguntas sucessivamente respondidas ou fora do objeto da ação", disse.

Evitando entrar em polêmicas com a defesa de Palocci, Zanin reafirmou que o depoimento do ex-ministro não merece credibilidade. Mais cedo, o advogado Adriano Bretas, que defende Palocci, dissera o seguinte: "Enquanto estava em silêncio, era um homem inteligente e virtuoso. Agora que passou a falar a verdade, passou a ser frio e calculista. As coisas mudam de acordo com as conveniências do Lula."

Lula é réu por corrupção passiva e lavagem de dinheiro em contratos entre Odebrecht e a Petrobras. Segundo o MPF, os repasses ilícitos da empreiteira somam R$ 75 milhões em contratos com a estatal. O montante, segundo a Lava-Jato, incluiria um terreno de R$ 12,5 milhões para Instituto Lula e cobertura vizinha ao apartamento de Lula, de R$ 504 mil.