Título: Brasília revisitada
Autor: Mader, Helena
Fonte: Correio Braziliense, 09/03/2012, Cidades, p. 21

Dois consultores indicados pela Unesco chegam a Brasília na próxima semana para examinar as agressões cometidas contra a concepção original. A visita se transformará em um relatório, a ser debatido durante reunião anual do órgão, em São PetersburgoNotíciaGráfico

Os graves problemas que comprometem o projeto original do Plano Piloto, como puxadinhos, pilotis cercados, coberturas irregulares e falta de vagas na área central, deixarão de ser uma preocupação exclusiva dos brasilienses. Na próxima terça-feira, dois especialistas indicados pela Unesco vão desembarcar em Brasília para visitar a cidade e analisar as irregularidades espalhadas pela capital federal.

A missão foi solicitada pelo Centro do Patrimônio Mundial da Unesco, em Paris, por conta das inúmeras denúncias de agressões à concepção da cidade. O envio de consultores à capital federal, aprovado em reunião realizada na capital francesa em junho do ano passado, recebeu o apoio de todos os integrantes do Centro de Patrimônio. Agora, as autoridades brasileiras, tanto representantes do GDF como do governo federal, terão de dar satisfações à Unesco com relação às ilegalidades.

Os consultores indicados pela organização internacional para a missão em Brasília são o argentino Luís Maria Calvo e o espanhol Carlos Sambrício. Eles ficarão no DF entre terça-feira e sábado da próxima semana e, nesse período, terão reuniões com integrantes do GDF, da União, de entidades de defesa do patrimônio e da sociedade civil organizada. Luís Maria Calvo foi indicado pelo Conselho Internacional de Monumentos e Sítios (Icomos), entidade ligada à Unesco que ajuda a monitorar o estado de preservação dos bens e das cidades inscritos na lista do patrimônio mundial — Brasília figura nela desde 1987. Já o arquiteto Sambrício recebeu a indicação da Unesco.

209 SUL Os puxadinhos aparecem como um dos principais problemas na região

Além das reuniões com autoridades e especialistas, Calvo e Sambrício querem ver de perto todos os problemas que persistiram ao longo da última década. Eles farão um sobrevoo de helicóptero em Brasília, visitarão o comércio local, as superquadras residenciais, a área central da capital e as construções na beira do Lago Paranoá. Os consultores da Unesco também fazem questão de analisar a legislação distrital e as normas federais que tratam sobre o Distrito Federal.

Um dos eixos do trabalho deve ser o relatório produzido há quase 11 anos, quando Brasília recebeu a última missão da Unesco. Em novembro de 2001, o urbanista holandês Herman Hooff e o arquiteto argentino Alfredo Conti visitaram a capital e identificaram uma série de irregularidades, que, na visão deles, poderia comprometer o projeto original do Plano Piloto, idealizado por Lucio Costa. "Algumas mudanças tiveram impactos negativos e, se mais intervenções indesejáveis ocorrerem, o resultado poderia ser a perda das características marcantes que fazem de Brasília uma cidade única", explicaram, à época, os representantes da organização.

Retorno A coordenadora de Cultura da Unesco no Brasil, Jurema Machado, participou da elaboração do programa que será seguido pelos especialistas durante a visita. Segundo ela, os consultores da entidade também receberam orientações diretas do Centro do Patrimônio Mundial, em Paris. "Esta missão não será um espelho da anterior, realizada em 2001. Mas, certamente, vários temas serão retomados", explica.

Jurema acrescentou que os consultores deverão observar também o impacto das obras de infraestrutura realizadas para a Copa de 2014, além de acompanhar o andamento de projetos pendentes, como a revitalização da Avenida W3, a construção do Veículo Leve sobre Trilhos (VLT) e o Projeto Orla. "Durante as visitas, os consultores não ficam apenas em gabinetes. Devem ser feitas reuniões com representantes de instituições de ensino e pesquisa e de entidades de defesa do patrimônio", acrescenta a coordenadora de Cultura da Unesco.

Ao fim da visita, Calvo e Sambrício terão até 6 de abril para elaborar o relatório relativo à missão em Brasília. O documento será entregue no Centro de Patrimônio Mundial e também deve ser encaminhado para debate na reunião anual da Unesco, que neste ano será realizada em julho, na cidade russa de São Petersburgo. "Os consultores não dão nenhum tipo de veredicto. O papel deles é entregar o relatório e é o conselho do patrimônio que pode opinar posteriormente, com base nas informações levantadas durante a missão", explica Jurema.

Autonomia O secretário de Desenvolvimento Urbano e Habitação, Geraldo Magela, acredita que a visita dos representantes da Unesco será uma excelente oportunidade para debater a preservação do Plano Piloto com a sociedade. "É importante que essas discussões saiam da órbita dos especialistas e ganhem a participação da sociedade. Esse tema precisa ser debatido amplamente, e os brasilienses precisam se apropriar e se orgulhar desse título concedido pela Unesco", afirmou o secretário.

Segundo ele, o governo não pretende interferir na vistoria dos consultores, mas estará à disposição para prestar todas as informações necessárias. "Eles têm autonomia e ficarão completamente à vontade durante a visita, mas certamente terão todo o suporte governamental de que necessitarem. Não estamos preocupados com essa visita e avaliamos a chegada da missão como algo positivo", assegurou Magela.

Má impressão O encontro anual do Centro de Patrimônio Mundial da Unesco ocorreu em 2010 em Brasília. Na ocasião, especialistas se reuniram em um hotel à beira do lago para debater sobre como preservar as cidades e os monumentos classificados como patrimônio da humanidade. Na ocasião, as agressões ao projeto original do Plano Piloto começaram a chamar a atenção dos representantes da organização.