O globo, n.30877 , 19/01/2018. Rio, p.5

TENSÃO NOS PRESÍDIOS - SISTEMA TEM REBELIÃO APÓS ENTRAR EM ALERTA

 MARCOS NUNES

VERA ARAÚJO

CAROLINA HERINGER 

 

 

Detentos fazem reféns em Japeri; estado detecta risco de instabilidade depois de intervenção federal

 

Após a Secretaria de Administração Penitenciária (Seap) ter decretado alerta máximo em 54 cadeias do estado por conta do risco de represálias à intervenção federal na segurança pública do Rio, detentos do Presídio Milton Dias Moreira, em Japeri, deram início, ontem à tarde, a uma rebelião, que só terminou no início da madrugada de hoje. Depois de uma tentativa frustrada de fuga, um grupo armado com revólveres e pistolas fez reféns oito agentes e dez “faxinas”, como são chamados os presos que têm autorização para sair das celas. Equipes dos batalhões de Choque e de Operações Especiais (Bope) foram enviadas para a unidade, que abriga 2.051 internos.

Todos os reféns, agentes e “faxinas” foram liberados após longa negociação. Três presos ficaram feridos durante uma troca de tiros com policiais. Por causa da rebelião, foi convocada uma reunião de emergência no Centro Integrado de Comando e Controle do estado, na Cidade Nova. Autoridades discutiram a possibilidade de a PM reforçar a vigilância em outras prisões: relatórios de serviços de inteligência classificam como “críticas” as condições de pelo menos 12 penitenciárias. A crise no sistema carcerário representa o primeiro grande desafio da intervenção federal no Rio, que, decretada na sexta-feira, é conduzida pelo general Walter Braga Netto, responsável pelo Comando Militar do Leste. Ontem, ele recebia, em Brasília, informes do secretário de Administração Penitenciária, David Anthony, de cada desdobramento da situação em Japeri.

Com o alerta máximo, as fiscalizações nas celas passa a ser feita com uma frequência maior do que a habitual. Quando a intervenção federal foi anunciada, na última sexta-feira, autoridades informaram que as Forças Armadas farão patrulhamento ostensivo nas ruas, operações em comunidades e varreduras em presídios. Em nota, o secretário David Anthony disse que, no mesmo dia, “medidas foram adotadas com o objetivo de impedir a instabilidade do sistema carcerário”, que tem capacidade para 26 mil detentos, mas que opera com praticamente o dobro — 51 mil.

Foi justamente o risco de “instabilidade no sistema” que levou a Seap a decretar o alerta máximo nos presídios. Isso, segundo fontes do setor, acirrou ainda mais os ânimos. A medida, nas palavras de um agente penitenciário que pediu anonimato, foi tomada em um momento de “vácuo de poder”: a intervenção federal já está em vigor, mas ainda sem detalhes de planejamento definidos nem mudanças nas polícias Civil e Militar, no Corpo de Bombeiros e na própria administração penitenciária, apesar de o general Braga Netto ter carta branca para fazê-las.

 

SEAP REALIZA TRANSFERÊNCIAS

Baseada em relatórios de seu serviço de inteligência, a Seap também começou a fazer transferências de detentos considerados de alta periculosidade, com o objetivo de evitar uma onda de rebeliões. Ontem, agentes do Presídio Jonas Lopes de Carvallho, o Bangu 4, estavam em alerta porque havia sido detectado um movimento de mudança de facção de parte dos internos, o que acabou não acontecendo. Mesmo assim, parentes de presos disseram que o clima era de tensão na unidade.

Gutembergue de Oliveira, presidente do Sindicato dos Servidores do Sistema Penal do Rio de Janeiro, compara algumas cadeias do estado a “barris de pólvora”, porque estão superlotadas.

— Em Bangu 3, por exemplo, onde estão integrantes da maior facção criminosa do Rio, há 2.300 detentos. Suas instalações têm capacidade para 950. O Plácido de Sá Carvalho, que também faz parte do Complexo de Gericinó, abriga 3.500 — disse Gutembergue, acrescentando que existe um déficit de 2.500 agentes nas penitenciárias fluminenses.

Mesmo reconhecendo que a intervenção federal pode aumentar a tensão no sistema carcerário, o presidente do sindicato a considera necessária:

— O pior das crises na segurança pública sempre deságua nas cadeias. Os agentes penitenciários são encarregados de lidar com o ônus. Sou favorável à intervenção. Se o paciente está doente e recebe algum remédio, há esperança. Só não sei se o medicamento vai só baixar a febre ou resolver mesmo o problema.

De acordo com Marlon Barcellos, coordenador do Núcleo do Sistema Penitenciário da Defensoria Pública, as cadeias do Rio precisam de melhorias urgentemente. Ele lembrou que, em junho do ano passado, representantes da Corte Interamericana de Direitos Humanos vistoriaram o Plácido de Sá Carvalho e elaboraram um relatório. O documento deu origem a uma decisão judicial do órgão que obriga o Brasil a tomar uma série de medidas, incluindo um plano para acabar com a superlotação e uma investigação sobre a morte de 36 detentos entre 2016 e 2017.

— Até agora, nada do que foi determinado saiu do papel — reclamou Barcellos.