O Estado de São Paulo, n. 45273, 30/09/2017. Política, p. A4.

 

 

Planilha apreendida não cita aluguel de apartamento

Ricardo Brandt/ Julia Affonso/ Fausto Macedo

30/09/2017

 

 

Lava Jato. PF encontrou na residência de Lula planilha de despesas mensais do imóvel vizinho sem a contabilidade dos gastos com locação; defesa do petista apresentou 26 recibos

 

 

Os investigadores da força-tarefa da Operação Lava Jato em Curitiba têm indícios de que os pagamentos do aluguel do apartamento 121, do Edifício Hill House, em São Bernardo do Campo, não foram feitos pela família do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). No “baú de arquivos” da família em que a defesa do petista informou ter localizado os 26 recibos que comprovariam a quitação do gasto, a Polícia Federal apreendeu uma planilha de despesas mensais sema contabilidade da locação do imóvel.

O documento, intitulado “Contas Mensais 2º Sem. 2011”, traz despesas com condomínio, energia e IPTU de 2011 do apartamento de Lula e do vizinho – apontado pela Lava Jato como sendo do petista. Não faz, porém, referência ao aluguel de R$ 3,500 que aparece em recibo entregue pela defesa do petista à Justiça como prova de que ele é locatário. O apartamento, segundo a antiga proprietária, “sempre foi de Lula” (mais informações na pág. A6).

A força-tarefa acusa Lula de ter recebido o apartamento, comprado por R$ 504 mil em 2010, como parte da propina paga pela Odebrecht no esquema de corrupção na Petrobrás. De acordo coma denúncia, o imóvel foi repassado porme iode um esquema de lavagem de dinheiro feito pelo advogado Roberto Teixeira e pelo pecuarista José Carlos Bumlai, ambos amigos do ex-presidente. Para isso, teria sido usado como laranja o engenheiro Glaucos da Costamarques, primo de Bumlai.

O jornal O Globo revelou que o engenheiro assinou, em um único dia de novembro de 2015, parte dos recibos de aluguel do imóvel usado pelo ex-presidente. A defesa de Glaucos comunicou o fato ao juiz Sérgio Moro, da Lava Jato em Curitiba. O engenheiro disse, em depoimento a Moro, que nunca recebeu o aluguel, até começara Lava Jato .“Aguardei, não me pagaram o primeiro mês, não me pagaram o segundo mês.”
As cópias dos 26 recibos com datas entre agosto de 2011 e dezembro de 2015 foram entregues à Justiça na segunda-feira passada pela defesa de Lula. O contrato, assinado em 2011, tinha a ex-primeira-dama Marisa Letícia como locatária. Para a força-tarefa da Lava Jato, Glaucos serviu de laranja para ocultar a propriedade do imóvel.

Ação. A compra da cobertura 121 – que é vizinha à 122 em que Lula reside e é dono – é objeto do segundo processo criminal em que o petista será julgado por Moro. Em junho, o ex-presidente foi condenado a 9 anos e 6 meses de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro no caso do triplex do Guarujá, usado pela construtora OAS para lavar dinheiro para o petista, segundo a acusação.

Na ação envolvendo o apartamento de São Bernardo, além dos R$ 504 mil que teriam sido propina recebida em forma de doação dissimulada do apartamento, Lula e Teixeira são acusados de corrupção e lavagem de dinheiro na aquisição de um terreno de R$ 12 milhões, em São Paulo, para sediar o Instituto Lula – a operação acabou sendo abortada. Ambos os negócios estão relacionados a propina supostamente paga pela Odebrecht por contratos com o governo, em especial na Petrobrás.

Documentos. A abertura dos sigilos bancários e os documentos apreendidos durante e depois da 24.ª fase da Lava Jato – em março de 2016, quando Lula foi levado coercitivamente para depor – mostram que, quatro meses depois de Glaucos ter emitido três cheques para pagar o apartamento 121, ele recebeu em sua conta R$ 800 mil da DAG Construtora, empresa cujo dono (Demerval de Souza Gusmão Filho) é amigo de Marcelo Odebrecht.

Segundo as investigações, a DAG era usada pela empreiteira para realizar operações do seu “departamento da propina”.

Os cheques administrativos de Glaucos, de agosto de 2010, teriam sido entregues a Teixeira. O advogado é apontado como responsável pela negociação de compra do imóvel usado por Lula desde o seu primeiro mandato – o aluguel foi pago pelo PT até 2007 e depois pela Presidência da República, até janeiro de 2011. O material faz parte das provas que o Ministério Público Federal vai usar para pedir a condenação de Lula como verdadeiro dono do imóvel.

Para os procuradores da Lava Jato, tanto o contrato de locação feito pelo engenheiro em nome da ex-primeira-dama como o lançamento de valores de pagamentos de aluguel feito nas declarações de Imposto de Renda de Lula e de Glaucos são falsos e serviram para dar aparência de legalidade ao negócio.
Segundo a investigação, o contrato de locação foi feito “com o fim de ocultar a verdadeira propriedade do bem”, atribuído ao ex-presidente.