O Estado de São Paulo, n. 45252, 09/09/2017. Política, p.A6

 

 

Operador de Lula

 

Por: João Domingos

O depoimento do ex-ministro Antonio Palocci ao juiz Sérgio Moro arruinou o PT. Muito mais do que os petistas admitem. Não só porque teve Lula como alvo principal, e a presidente cassada Dilma Rousseff como alvo secundário. Mas também porque ofereceu informações que podem servir para o juízo de culpabilidade do ex-presidente quando o Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF-4) julgar o recurso de Lula contra a pena de nove anos e seis meses a que foi condenado pelo juiz Sérgio Moro no caso do triplex do Guarujá. Confirmada a pena, Lula vira ficha-suja e fica impedido de concorrer à Presidência da República no ano que vem.

Por causa do depoimento, que alguns mais íntimos de Palocci dizem se tratar também de um desabafo, o exministro pode ter mudado o curso das eleições presidenciais do ano que vem. Tanto na parte jurídica, por comprometer Lula com o esquema de corrupção na Petrobrás e revelar relações promíscuas com empreiteiras, quanto na política, porque o que ele disse aparecerá na campanha caso o ex-presidente passe ileso pelo TRF. Logo Palocci, que foi um dos principais responsáveis pela vitória de Lula em 2002, ao defender a “Carta aos Brasileiros”, na qual o PT se comprometeu a não se meter em aventuras econômicas.

Além de arrasados e perplexos, os petistas perguntam o que teria levado Palocci a contar ao juiz Moro até mais do que lhe foi perguntado sobre Lula e a enfiar Dilma em respostas que aparentemente não diziam respeito a ela. E mais: observe-se no depoimento-desabafo que Palocci se apresenta como um executor das ordens de Lula. Recebia um comunicado sobre o que Lula tinha feito e operava o feito dele. Recebia outra ordem, procurava Lula e dizia que tinha se sentado com fulano e resolvido tal assunto. Em resumo, é como se Palocci tivesse dito a Moro: “Posso ser acusado de ser o operador, não o autor”.

É claro que essa situação, péssima para o PT e para Lula, gerou um grande debate entre os pensadores petistas e entre integrantes de correntes adversárias. A ala stalinista tem aproveitado o momento para bater forte na ala trotskista, da qual se originou Palocci, lembrando-a de que o também ex-ministro José Dirceu (stalinista) passou anos na cadeia, sofreu todo tipo de pressão e jamais abriu a boca. O ex-tesoureiro João Vaccari também é lembrado como alguém que não baixa a cabeça. Outra ala, a dos amigos de Dilma Rousseff, acusa Palocci de ter se transformado num “cachorro”, o nome que se dava a militantes de esquerda que, presos pelos órgãos de repressão da ditadura militar, delatavam companheiros depois das sessões de tortura a que eram submetidos. Dilma costuma se gabar de que ficou presa durante quase três anos, foi submetida à mais horrenda tortura e nunca delatou alguém.

Embaçada no tempo, e desconhecida de quem não é do meio, a briga entre stalinistas e trotskistas jamais vai parar. Há quase um século cada lado acusa o outro das maiores barbaridades.

Uma questão, no entanto, é preciso ser levantada nesse debate. Palocci está preso e condenado a doze anos, dois meses e vinte dias de prisão por corrupção e lavagem de dinheiro. Não é um preso político, não está sendo torturado para fazer revelações que envolvam companheiros de armas e de revolução nem fala em nome de Trotski.

Quem conhece Palocci até arrisca um palpite sobre o comportamento dele: a convivência na prisão com o empresário Marcelo Odebrecht o teria convencido de que proteger Lula não vai resultar, no futuro, nem num gesto de gratidão por parte do ex-presidente. Melhor tentar sair agora, falando o que sabe.

 

 

 

 

 

Geddel é preso de novo após os R$ 51 mi

Para PF, há ‘fortes indícios’ de que dinheiro apreendido em Salvador seja do ex-ministro
Por: BEATRIZ BULLA, IGOR GADELHA, LEONENCIO NOSSA e BRENO PIRES

 

O ex-ministro Geddel Vieira Lima (PMDB-BA) voltou a ser preso ontem pela Polícia Federal, que apontou “fortes indícios” de que os R$ 51 milhões encontrados em um apartamento em Salvador nesta semana sejam dele. A polícia encontrou digitais do ex-ministro no local. Geddel foi preso de manhã em casa, na capital baiana, onde já cumpria prisão em regime domiciliar desde julho.

O novo mandado de prisão foi autorizado pelo juiz Vallisney de Souza Oliveira, da 10.ª Vara Federal do Distrito Federal, que viu indícios de lavagem de dinheiro e “reiteração da conduta criminosa”, o que, segundo o magistrado, justifica a prisão preventiva. Para o juiz, Geddel age de “forma sorrateira”.

O ex-ministro foi levado para Brasília no fim da tarde e passou por exames no Instituto Médico Legal (IML). Depois, seguiria para o Complexo Penitenciário da Papuda.

O retorno de Geddel para o regime fechado trouxe de volta o clima de tensão no Palácio do Planalto, diante da possibilidade de um acordo de delação premiada de uma pessoa próxima da cúpula do governo Michel Temer. Geddel deixou a Secretaria de Governo em novembro, mas, até o momento, não deu sinais de que pode colaborar com os investigadores.

Temer foi informado por assessores da prisão de Geddel logo no início da manhã. O presidente manteve a agenda, na tentativa de mostrar que o episódio não tem relações com o governo. Auxiliares relataram que a estratégia do Planalto é “observar” e que o objetivo da operação da PF é investigar a atuação do ex-ministro à frente de uma vice-presidência da Caixa Econômica Federal no governo Dilma Rousseff, cargo que ocupou de 2011 a 2013. O período de Geddel na gestão Temer, entre abril e novembro de 2016, não está em discussão, afirmou um desses auxiliares.

Antes de chegar à Caixa, Geddel atuou como ministro da Integração do governo Luiz Inácio Lula da Silva, entre 2007 e 2010. Todas as indicações políticas de Geddel, nos últimos anos, porém, foram feitas pelo grupo de Temer.

Família. Além da prisão de Geddel, na operação de ontem, na 4.ª fase da Cui Bono? – que apura esquema de fraudes na liberação de créditos na Caixa –, a PF realizou buscas na casa da mãe do ex-ministro, no mesmo condomínio. A intenção era encontrar documentos que possam ser usados na investigação.

Também foi preso Gustavo Ferraz, diretor da Defesa Civil de Salvador. Suas digitais foram encontradas em sacolas plásticas que guardavam o dinheiro apreendido no apartamento. Ferraz, exonerado do cargo após a prisão, é apontado como homem de confiança e interposto de Geddel no suposto recebimento de propinas.

Policiais e procuradores apontaram ainda a ligação do imóvel onde foram encontradas as malas de dinheiro com o irmão de Geddel, o deputado Lúcio Vieira Lima (PMDB-BA). Durante a operação, a polícia encontrou uma fatura em nome de Marinalva Teixeira de Jesus, apontada pelos procuradores como empregada doméstica de Lúcio. Além disso, o proprietário do apartamento, Silvio Antônio Cabral da Silveira, confirmou que emprestou o imóvel ao deputado federal.

Segundo o Ministério Público Federal, Silveira disse que emprestou o apartamento para Lúcio Vieira Lima “em nome da amizade que possuía com ele, embora não conhecesse Geddel”.

A primeira prisão de Geddel teve como base depoimento do corretor Lúcio Funaro. À Procuradoria-Geral da República em Brasília, Funaro disse ter entregue “malas ou sacolas de dinheiro” ao ex-ministro. Em agosto, Geddel se tornou réu por obstrução da Justiça. O ex-ministro teria atuado para evitar a delação de Funaro, que pode implicá-lo em corrupção na Caixa Econômica Federal.

Repercussão. Vice-líder do PMDB na Câmara, o deputado Carlos Marun (MS) admitiu ontem que a prisão não é boa para o partido, mas tentou afastar os possíveis crimes do ex-ministro da legenda. “Bom não é, mas é uma coisa que está concentrada na pessoa dele”, disse.

O líder do PT na Câmara, deputado Carlos Zarattini (SP), também tentou afastar Geddel dos governos petistas. “Ele não tem nada a ver com o PT, foi indicação do Michel Temer.”

A defesa de Geddel afirmou que vai se manifestar após ter acesso aos autos. Lúcio Vieira Lima e a defesa de Gustavo Ferram não foram localizados. A Prefeitura de Salvador afirmou que não compactua com ilícitos. / BEATRIZ BULLA, IGOR GADELHA, LEONENCIO NOSSA e BRENO PIRES

 

 

 

 

 

Dinheiro tem origem ilícita, diz magistrado

Por: Fernando Nakagawa

 

Fernando Nakagawa

No pedido de prisão preventiva do ex-ministro Geddel Vieira Lima, o juiz da 10.ª Vara Federal do Distrito Federal, Vallisney de Souza Oliveira, indica que os R$ 51 milhões aprendidos em um apartamento em Salvador podem ter relação com empréstimos concedidos pela Caixa Econômica Federal no período em que o peemedebista ocupou a Vice-Presidência de Pessoa Jurídica da instituição. Para o juiz, o dinheiro “certamente tem origem ilícita decorrente das atividades criminosas” do ex-ministro.

A suspeita levantada no início do ano pela Polícia Federal, quando foi deflagrada a Operação Cui Bono?, e reforçada nos últimos dias, é de que Geddel recebeu o dinheiro guardado no apartamento por facilitar a concessão de crédito para grandes empresas. Para o juiz, há indícios do crime de lavagem de dinheiro atrelado a esses empréstimos da Caixa.

Geddel foi nomeado vice-presidente da Caixa em 7 de abril de 2011, pela então presidente Dilma Rousseff, e exonerado em dezembro de 2013. A indicação foi do então vice-presidente, Michel Temer, de quem é amigo. Após o impeachment, Geddel trabalhou ao lado de Temer na Secretaria de Governo.

No pedido de prisão do político baiano, o juiz afirmou que há investigação em curso sobre a atuação de Geddel em operações de crédito a empresas, como para várias subsidiárias do grupo J&F, dono da JBS; do Grupo Constantino, que controla a Gol; da Comporte Participações; e da Oeste Sul Empreendimentos Imobiliários.

‘Colaboração’. A Caixa informou que não se pronunciará sobre o assunto à imprensa, mas afirmou que presta “colaboração irrestrita” às autoridades sobre o caso. A J&F negou irregularidades e informou que não pode fornecer detalhes porque documentos e depoimentos estão sob sigilo. A reportagem tentou contato com o Grupo Constantino, Comporte Participações e Oeste Sul Empreendimentos, mas não obteve resposta.
A defesa de Geddel disse que só se manifestará quando tiver acesso aos autos.
 
 
 
 
 
 
 

Para Barroso, corrupção ‘foi plano de governo’ no País

Ministro do STF, que participou de evento em Washington, afirmou que oligarquia ‘saqueou’ recursos do Estado
Por: Ricardo Leopoldo

 

Ricardo Leopoldo

O ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), afirmou ontem, durante evento na capital dos Estados Unidos, que uma oligarquia “saqueou dinheiro público do Estado” brasileiro.

“É difícil combater o pacto oligárquico entre políticos, empresários e burocratas”, disse Barroso, em palestra no Brazil Institute, entidade que faz parte do Wilson Center, centro de estudos sediado em Washington.

Barroso também afirmou que a corrupção se tornou um meio de vida para muitos no Brasil, inclusive como forma de fazer negócios. “A corrupção no Brasil envolvendo Petrobras e BNDES foi quase um plano de governo”, acrescentou.

O ministro do STF disse que o sistema penal foi seletivo para punir os pobres e perdoar os criminosos do “colarinho branco”. Ele entende que, apesar de a Lava Jato ter três anos, “muitas práticas de corrupção continuam no País”.

“Uma foto do Brasil pode dar a impressão de que o crime compensa, mas não é verdade. Uma semente de honestidade e integridade foi plantada”, ponderou o ministro, que citou a impunidade e o sistema político como as causas da corrupção no Brasil.

Barroso também afirmou estar convencido de que “as coisas não serão mais as mesmas”. “A luta contra a corrupção envolve mudanças em atitudes, leis e casos legais”, disse. Ele lembrou que, quando ocorreu o escândalo do mensalão, a sociedade estava muito mobilizada contra corrupção. E opinou que a Operação Lava Jato é uma “continuação desta atuação contra corrupção”.

Alcance. “Poucos países no mundo fizeram como o Brasil para atacar corrupção com a Lava Jato”, disse Barroso. E elogiou: “A Lava Jato foi realizada com um bravo juiz e uma brava equipe de investigação”.

Embora veja o sistema político e partidário como “muito caro e pouco representativo” na origem da corrupção, Barroso alertou que não se pode “demonizar a política, nem politizar o crime”.

Segundo o ministro, o momento do Brasil é difícil, mas o País está na “direção correta” para se tornar uma nação melhor. Nesse contexto, lembrou que o presidente Michel Temer e os ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff foram denunciados ao STF por corrupção passiva, e que vários políticos estão presos.