O Estado de São Paulo, n. 45261, 18/09/2017. Política, p.A8

 

 

Advogados da União já receberam R$ 286 mi ‘extras’

96% dos municípios têm orçamento inferior ao volume total de recursos transferidos como ‘bônus’ a 12.555 funcionários da AGU
Por: Marianna Holanda

 

Marianna Holanda

 

O governo federal já pagou a advogados públicos R$ 286 milhões em “extras” neste ano. No País, 96% dos municípios têm orçamento inferior ao volume total de recursos transferidos como “bônus” a 12.555 funcionários da Advocacia-Geral da União (AGU), segundo dados da Frente Nacional de Prefeitos (FNP).

Concursados para defender o setor público em disputas judiciais, advogados da União, procuradores federais, procuradores da Fazenda Nacional e procuradores do Banco Central ganharam um “bônus” mensal de R$ 3,5 mil em seus contracheques, além de seus vencimentos entre R$ 19 mil e R$ 25 mil. A média se refere aos pagamentos efetuados entre janeiro e junho deste ano – últimos dados disponíveis. O órgão não divulga o repasse individualizado por servidor.

O valor é um honorário pago em razão de causas ganhas pelos advogados ao defender os interesses da União e suas autarquias, assim como ocorre na iniciativa privada. Quando uma parte – uma empresa, por exemplo – perde uma ação judicial, ela tem de indenizar o Estado e pagar esse “extra” aos defensores públicos. Chamadas de sucumbências, essas parcelas variam de 10% a 20% da causa – fica a cargo do juiz definir o porcentual.

“Do ponto de vista da eficiência administrativa, é uma forma de investir no retorno ao cofre público”, afirmou Lademir Gomes da Rocha, procurador há 20 anos e presidente do Conselho Curador dos Honorários Advocatícios (CCHA), que administra os recursos de sucumbência – o órgão foi criado por lei no fim do ano passado. Antes da regulamentação, segundo Rocha, o governo vinha perdendo servidores qualificados porque não conseguia competir com salários do setor privado.

Na avaliação de Rocha, os honorários tratam-se de uma medida “inteligente” para atender ao interesse público. “Só existe pagamento (aos advogados públicos) se há êxito na ação. Isso significa que ele é um porcentual daquilo que ingressou no cofre público ou que deixou de sair do cofre público e quem paga é a parte que perdeu, não a União”, argumentou o procurador.

 

Divergência. A ideia de pagar servidores públicos que já recebem salários relativamente altos em relação à média da população brasileira não é consenso entre juristas. Para Floriano Peixoto de Azevedo Marques Neto, professor de Direito do Estado da Universidade de São Paulo (USP), essas categorias recebem “o bônus sem o ônus”.

“Na advocacia privada, se você não tem cliente, ninguém te paga. Se você perde causas importantes, corre o risco de ser demitido. Essas categorias já têm salários bons e estabilidade, independentemente do êxito nas causas. Transferiu-se o bônus do setor privado, mas sem qualquer tipo de ônus (para os advogados do setor público)”, afirmou ao Estado.

O professor, porém, não discorda inteiramente do pagamento de honorários para defensores do governo. Marques Neto propõe, contudo, um cálculo que considera mais justo: subtrair os valores que a União perdeu em ações dos valores ganhos, e aí “repartir o bolo”.

Pedro Serrano, professor de Direito Constitucional da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), não apenas é favorável aos honorários para advogados públicos, como também a juízes e a promotores. “Um escritório privado, por melhor e maior que seja, não cuida de valores patrimoniais da proporção do patrimônio do Estado”, disse.

O jurista também afirmou, assim como Rocha, que advogados públicos migram para o setor privado quando não recebem bons salários. “Sei que os salários podem parecer altos, se comparar com o salário mínimo. Em geral, advogados ganham mais do que a média, mas não adianta culpar as carreiras, tem de resolver as desigualdades social e salarial, não punir servidores”, afirmou Serrano.

 

Divisão. O rateio é feito entre servidores ativos e inativos – com um escalonamento para quem acabou de entrar ou se aposentar. Na divisão, tampouco há diferença se o servidor tem cargo de confiança: qualquer um dos 363 funcionários comissionados que já recebem um “extra” por cargo de confiança nessas quatro categorias podem acumular o honorário no fim do mês.

 

Sem especificação

O Estatuto da Advocacia, de 1994, determina que a sucumbência cabe ao advogado, mas, como não tratava especificamente de advogados públicos, a União ficava com esses recursos.

 

 

 

 

 

Câmara supera 80% da receita em 218 cidades

Estudo mostra gasto elevado com vereadores enquanto municípios carecem de infraestrutura
Por: Gilberto Amendola

 

Gilberto Amendola

 

A família de Magaiver vive em Barra do Turvo, no interior de São Paulo, em uma casa que fica a poucos metros do prédio da Câmara Municipal. Apesar da proximidade, Magaiver Pereira Freitas, de 25 anos, garante que a última vez que viu um dos nove vereadores do município foi durante as eleições. “A cidade está cheia de problemas, mas eles só aparecem quando precisam de voto. No mais, ficam dentro daquele prédio luxuoso.”

O que ele chama de prédio luxuoso é a sede da Câmara Municipal, que, apesar de não ser exatamente luxuosa, destaca-se na paisagem local. A impressão de “suntuosidade” ganhou força depois que a cidade apareceu em uma pesquisa sobre gastos legislativos municipais, realizada pela Confederação das Associações Comerciais e Empresariais do Brasil (CACB) com apoio do Sebrae. No estudo, Barra do Turvo está entre as 218 cidades brasileiras que gastam mais de 80% de suas receitas com o Legislativo.

A pesquisa avaliou 3.762 municípios (68% do total). Barra do Turvo, por exemplo, gasta 528% a mais do que arrecada internamente (sem contar os repasses dos governos estaduais e federais) com o trabalho dos vereadores. Segundo o estudo, a cidade de menos de 8 mil habitantes tem uma receita própria de R$ 242,8 mil, mas seu Legislativo consumiria R$ 1,2 milhão (os dados são de 2016). Embora o número pareça altíssimo, Barra do Turvo é só um exemplo e está longe de cidades como Novo Santo Antônio (PI), que gasta 2.603% a mais do que gera como receita própria, e Itaporã de Tocantins (TO), que gasta 1.431% a mais.

O curioso é que Barra do Turvo e os outros municípios da lista estão agindo de acordo com a lei. As despesas legislativas municipais têm os limites estabelecidos pela Constituição – que usa para a base de cálculo a soma das receitas tributárias e das transferências constitucionais (da União). Então, quando levado em conta o orçamento total (que inclui os repasses da União), o gasto porcentual com o Legislativo passa a ser de 5% (cidades com até 100 mil habitantes podem gastar até 7%). “Se as despesas legislativas estivessem vinculadas somente às receitas próprias a economia global seria de cerca de R$ 10 bilhões”, disse o presidente do CACB, George Pinheiro.

Para o presidente do Sebrae, Guilherme Afif Domingos, é preciso mudar essa lei que vincula os gastos do Legislativo. “Além disso, sou a favor que municípios menores possam ter vereadores voluntários. Trabalhadores, representantes da sociedade que pudessem se reunir para fiscalizar e propor ideias ao Executivo”, disse.

 

Carência. Em Barra do Turvo, assim como em Novo Santo Antônio, os problemas enfrentados pelos cidadãos podem ser percebidos em uma só visita. Na cidade paulista, a falta de saneamento básico em algumas localidades é evidente. Além disso, há obras paradas, como uma rodoviária e casas populares, e moradores reclamam da falta de estrutura para atendimento médico e educacional. Maria Teixeira Cardoso, de 53 anos, reclama da merenda das escolas. “Às vezes, é só bolacha”, afirmou.

Mesmo que alguns desses questionamentos não sejam da alçada dos vereadores, são eles os mais visados pela população, principalmente por causa de uma reforma na sede da Câmara que durou quatro anos e custou cerca de R$ 800 mil.

“Nós estamos tentando cortar ao máximo os gastos. Infelizmente, a arrecadação da cidade é muito pequena, não temos indústrias, não temos como arrecadar sem o apoio da União, mas a cidade está melhorando”, disse a administradora executiva da Câmara, Maria das Graças Curadini. O salário de um vereador por lá é de R$ 3,3 mil.

 

Sem dinheiro. No Piauí, os parlamentares recebem menos: R$ 1,5 mil. E a Câmara é mais barata – custa cerca de R$ 40 mil por mês. Porém, a relação dos gastos legislativos com os gastos para melhorar a vida dos moradores ainda está aquém do necessário – o município repassa o limite permitido à Câmara, ou seja, 7% de toda a arrecadação.

Quem chega pela estrada de terra logo vê a carência de serviços públicos. A cidade ainda tem esgoto a céu aberto, não raramente convive com a falta de energia e água e tem animais, como porcos e vacas, transitando pelas ruas. Não há recursos para fazer investimentos e obras. Segundo o secretário de Administração, José Ribeiro, a arrecadação própria se limita a cobrança de uma taxa de água, em torno de R$ 10 por imóvel, e a expedição de alvarás, quase inexistente.

“Aqui não tem dinheiro nem em caixa eletrônico, e as pessoas pedem remédio, viagem, exames. Ainda estamos como vereador porque o povo deposita a confiança na gente, mas aqui pagamos para ser vereador”, disse o vereador Manoel Januca, de 64 anos. /COLABOROU LUCIANO COELHO, ESPECIAL PARA ESTADO

 

Importância

“É preciso trabalhar para corrigir as distorções, mas sem perder de vista a importância das Câmaras Municipais.”

Humberto Dantas

CIENTISTA POLÍTICO

 

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