Correio braziliense, n. 19837, 14/09/2017. Política, p. 3.

 

Animosidade em novo encontro

Paulo de Tarso Lyra

14/09/2017

 

 

O segundo encontro entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o juiz Sérgio Moro — desta vez no processo que investiga a aquisição de um terreno para a construção do Instituto Lula e de um apartamento ao lado do qual o petista mora, em São Bernardo do Campo — ocorreu em pouco mais de duas horas e foi marcado por um bate-boca entre os dois. O petista desqualificou as acusações feitas, na semana passada, pelo ex-ministro Antonio Palocci, que o envolveu diretamente num esquema de propinas financiado pela Odebrecht para custear campanhas eleitorais.

Segundo Lula, o ministro da Fazenda na gestão dele e da Casa Civil no primeiro mandato de Dilma Rousseff “está preso há mais de um ano e tem o direito de querer ser livre”. Para ele, a situação alimenta o sentimento de caça às bruxas. “O Palocci tem o direito de querer ser livre, tem o direito de querer ficar com o pouco do dinheiro que ele ganhou fazendo palestra, ele tem família. O que não pode é, se você não quer assumir a responsabilidade pelos fatos ilícitos que fez, não jogue em cima dos outros.”

Os ataques ao ex-ministro — que elaborou o programa de campanha de Lula em 2002 e foi autor da Carta ao Povo Brasileiro, responsável por acalmar os mercados internacionais diante da iminência da vitória de um governo de esquerda — prosseguiram. “Eu fiquei muito preocupado com a delação do Palocci, porque ele poderia ter falado ‘eu fiz isso de errado, eu fiz isso’. Ele, espertamente, disse, ‘não é que eu seja santo’, e pau no Lula. Eu fiquei com pena disso”, afirmou.

O ex-presidente é réu por corrupção passiva e lavagem de dinheiro relativas a contratos entre a Odebrecht e a Petrobras. Segundo o Ministério Público Federal, os repasses ilícitos da empreiteira chegaram a R$ 75 milhões em oito contratos com a estatal. O montante, segundo a força-tarefa da Lava-Jato, inclui um terreno de R$ 12,5 milhões para o Instituto Lula e uma cobertura vizinha à residência do político em São Bernardo do Campo, de R$ 504 mil.

O petista admitiu ter se reunido com Emílio Odebrecht, mas disse que fez o mesmo com outros empresários brasileiros. Ele foi repreendido durante questionamento feito por uma procuradora por tê-la chamado de querida.  “O senhor pode chamá-la de senhora procuradora, de doutora, não de querida”, criticou Moro.

O embate final, contudo, foi bem mais contundente. Lula disse que, hoje, tomaria café da manhã com oito netos e uma bisneta, de 6 meses, e queria saber se poderia dizer que esteve diante de um juiz imparcial. “Não cabe ao senhor perguntar isso a mim, mas, de todo modo, sim”, disse. “Não foi o procedimento na outra ação”, rebateu Lula. “Eu não vou discutir a outra ação com o senhor. A minha convicção é de que o senhor foi culpado. Se fôssemos discutir aqui, não seria bom para o senhor”, devolveu Moro. Lula, então, afirmou que era preciso discutir sim. “Vou esperar que a Justiça continue a fazer justiça neste país.” O juiz interrompeu e encerrou a audiência.