O Estado de São Paulo, n.45194 , 13/07/2017. Política, p.A9

 

Defesa de Lula vê ‘perseguição política’ de Moro

 

Membros do partido e de movimentos populares também qualificam sentença do juiz federal contra petista como politicamente motivada

Por: Fabio Leite / Pedro Venceslau / Gilberto Amendola / Thiago Faria

 

Fabio Leite

Pedro Venceslau

Gilberto Amendola

Thiago Faria / BRASÍLIA

 

Advogados e aliados do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmaram ontem que o juiz Sérgio Moro usou o processo do triplex de Guarujá (SP) para fazer “perseguição política” ao petista e que a sentença que o condenou a 9 anos e 6 meses de prisão por corrupção e lavagem de dinheiro é “meramente especulativa” e “despreza as provas de inocência” apresentadas pela defesa.

Para o advogado Cristiano Zanin Martins, que defende Lula nos processos da Lava Jato, a decisão de Moro de não decretar a prisão imediata do petista é o “reconhecimento da própria fragilidade da fundamentação da sentença”. Segundo ele, as justificativas usadas pelo juiz, como “prudência” e evitar “certos traumas”, por se tratar de um ex-presidente da República, demonstram o teor político da condenação.

“Esperamos que essa sentença, que joga uma página negra na Justiça brasileira, seja revertida nas instâncias superiores a fim de resgatar a presunção de inocência prevista na Constituição”, afirmou Martins, durante coletiva de imprensa ontem, em uma hotel na zona sul de São Paulo.

Segundo o advogado, Moro condenou Lula com base apenas no depoimento prestado pelo ex-presidente da OAS José Adelmário Pinheiro Filho, o Léo Pinheiro, no qual ele afirmou que o triplex foi reformado pela empreiteira para Lula, fato que a defesa nega e acusa o magistrado de não ter apresentado provas.

“É uma sentença meramente especulativa, que despreza as provas de inocência e dá valor a um depoimento prestado pelo senhor Léo Pinheiro na condição de delator informal, sem compromisso de dizer a verdade, e com manifesta intenção de destravar seu processo judicial”, disse Martins, que soube da condenação à tarde durante uma audiência com Moro sobre a ação envolvendo o prédio do Instituto Lula.

 

Reação. O PT reagiu rápido ontem e colocou em ação uma estratégia de defesa de Lula que já tinha sido traçada previamente. Assim que foi anunciada a sentença, petistas e aliados foram às ruas e recorreram às redes sociais para classificar a decisão como perseguição política.

Em nota oficial, a senadora Gleisi Hoffmann (PR), presidente nacional do PT, afirmou que a decisão de Moro é “eminentemente” política. Segundo ela, a sentença teve como base “exclusivamente a necessidade de o juiz prestar contas à opinião pública”.

Para Gleisi, não há razão para que Lula seja preso. “Qual é o risco que o ex-presidente Lula representa para o Brasil?”, questionou a senadora. “Se quiserem tirar Lula da vida política, sejam decentes e corajosos. Lancem um candidato e disputem nas urnas”, afirmou.

Em discurso no plenário do Senado, o líder do PT na Casa, Lindbergh Farias (RJ), também criticou a decisão. “Estão condenando Lula sem uma prova. O procurador Deltan Dallagnol admite que não tem prova”, disse, complementando que o partido não vai “aceitar calado”.

Os senadores petistas viajaram ontem para São Paulo no fim do dia para prestar solidariedade ao ex-presidente. O senador Jorge Viana (AC) ainda disse que a decisão de Moro foi “uma antecipação de uma cassação de uma candidatura que nem foi formalizada”.

Prevendo que esse seria o desfecho na primeira instância, Lula intensificou nas últimas semanas sua agenda de pré-candidato ao Palácio do Planalto em 2018 e concedeu diversas entrevistas para veículos do Nordeste, sendo que todas elas foram transmitidas ao vivo na página do Facebook do ex-presidente.

A partir de agora, a pré-campanha será convertida em um movimento de solidariedade ao petista. “Tem de haver reação popular nas ruas e nas redes sociais contra essa decisão absurda desse juiz Sérgio Moro. Uma condenação sem prova deve ser questionada e denunciada”, escreveu em nota oficial o líder da Central de Movimentos Populares, Raimundo Bonfim.

Ele e outras lideranças, como Guilherme Boulos, do MTST, estiveram à frente de uma manifestação que reuniu centenas de pessoas na Avenida Paulista, em São Paulo. Presente ao ato, o presidente estadual do PT, Luiz Marinho, disse “estranhar o cronômetro usado pelo juiz Sérgio Moro”.

 

O PT NA LAVA JATO

André Vargas

ex-deputado federal (PT-PR), condenado na Lava Jato a 14 anos e 4 meses, por corrupção passiva e lavagem de dinheiro

 

Antonio Palocci

ex-ministro da Fazenda e da Casa Civil: 12 anos, 2 meses e 20 dias por corrupção passiva e lavagem de dinheiro

 

Delúbio Soares

ex-tesoureiro: 5 anos por lavagem de dinheiro

 

João Vaccari Neto

ex-tesoureiro: 15 anos e 4 meses por corrupção passiva e lavagem

 

José Dirceu

ex-ministro da Casa Civil: pena de 23 anos por corrupção passiva, recebimento de vantagem indevida e lavagem de dinheiro

 

Luiz Inácio Lula da Silva

ex-presidente da República: sentença de 9 anos e 6 meses por corrupção passiva e lavagem de dinheiro

 

FRASES

"Falo que não há provas consistentes para condenar o presidente Lula depois de ler a sentença inteira"

Flávio Dino (PC do B), GOVERNADOR DO MARANHÃO

 

"Lula é o principal responsável pelo grande escândalo de corrupção do País. Uma condenação esperada, fruto do trabalho da Lava Jato e Moro".

Alvaro Dias (PODEMOS-PR), SENADOR

 

"Lula condenado, Aécio no Senado, Temer no Poder e Maluf discursando na Comissão de Justiça provam que a democracia brasileira é deturpada"

Marcelo Rubens Paiva, ESCRITOR

 

 

 

Sentença esquenta o pró-Lula e o pró-prisão de Lula

 

Por: Eliane Cantanhêde

 

ANÁLISE: Eliane Cantanhêde

 

Em menos de um ano, o Brasil acumula o impeachment de sua primeira presidente mulher, a condenação de seu ex-presidente mais popular e a denúncia da PGR contra o atual presidente. Tudo isso é inédito, surpreendente e explosivo, mas pode significar rigor com a competência e determinação no combate à corrupção.

Luiz Inácio Lula da Silva não é qualquer um. Tem uma biografia vibrante, um carisma inegável e desceu a rampa do Planalto, oito anos depois da posse, com invejáveis 80% de popularidade. Mas ninguém está (mais) acima da lei, como ensina um juiz de primeira instância, Sérgio Moro, de Curitiba.

Moro não pediu a prisão para evitar “traumas”, mas deu uma sentença pesada, de 9 anos e 6 meses. A condenação pelo triplex já era esperada, a surpresa foi com o tamanho da pena, a ser agora submetida a instâncias superiores.

Para o PT, a “injustiça” com Lula vai levantar o “povo” e agitar as ruas pró-Lula e contra o presidente Michel Temer. Para os governistas, porém, a condenação de Lula mudará o foco da política, da mídia e da opinião pública, dando algum sossego para Temer. Será?

É provável que nenhuma das duas profecias vingue. A sociedade deu seu recado em junho de 2013 e no impeachment de Dilma Rousseff, mas está descrente com tudo e com todos. Temer não mobiliza nem pró nem contra. Se as manifestações voltarem, serão pró-Lula, pelos de sempre, CUT, MTST, MST, UNE, e a favor da prisão dele, pelos antipetistas.

O foco nunca deixou de estar em Lula, desde o início da Lava Jato, nem vai deixar de estar em Temer, após a gravação de Joesley Batista e a mala de dinheiro de Rodrigo Rocha Loures. E continuará sobre Aécio Neves, Antonio Palocci, Guido Mantega e a cúpula inteira do PMDB. A fila anda, não vai parar.

Aliás, a condenação de ontem foi só a primeira contra Lula, porque outras virão. E Joesley não perde por esperar.