Delações seguem 'lógica de mercado', diz procurador

Rafael Moro Martins

05/07/2017

 

 

O procurador Carlos Fernando dos Santos Lima, integrante da força-tarefa da operação Lava Jato no Ministério Público Federal, disse ontem à noite os acordos de colaboração - ou delação premiada, como são mais conhecidos - são firmados a partir de uma lógica "utilitária" e "de mercado".

"O benefício [oferecido ao delator] decorre do quanto precisávamos daquelas informações [para a investigação]. É uma lógica de mercado aplicada ao processo penal. Quanto mais eu quero, mais eu preciso, normalmente melhor é a posição do delator. Ele faz o preço e eu acabo aceitando", disse o procurador.

Em seguida, ele defendeu os acordos firmados no âmbito da operação - alguns deles polêmicos, como o que beneficiou os irmãos Joesley e Wesley Batista, do grupo JBS. "Temos que aceitar a posição da mesa [que negocia os acordos]. Muitas vezes vemos acordos com que eu mesmo não concordo, teoricamente. Mas temos que respeitar a mesa, quem negociou o acordo, pois aquele foi o acordo possível naquele momento. Ele obedece uma lógica utilitária", falou.

Decano da força-tarefa, Santos Lima fez parte do grupo de procuradores que investigou escândalos de corrupção no Banestado, extinto banco estadual paranaense, ocorridos durante o governo de Jaime Lerner (1995-2003). Aquela investigação firmou acordos do tipo - inclusive com o doleiro Alberto Youssef - que serviram de modelo para a Lava-Jato.

O coordenador da força-tarefa, Deltan Dallagnol, disse que a saída de alguns colaboradores da prisão para penas cumpridas em regime semi-aberto ou domiciliar logo após a delação - caso, por exemplo, de Alberto Youssef - não agrada aos procuradores. "Não gostamos disso. Só fazemos quando é absolutamente necessário para conseguir provas e informações contra um grande número de pessoas de igual ou maior importância. Se tivéssemos um sistema com penas altas, consistentes, conseguiríamos penas maiores."

Santos Lima, Dallagnol e outros procuradores da Lava-Jato - Roberson Pozzobon, Athayde Ribeiro Costa e Jerusa Burmann Vieceli - fizeram palestra ontem à noite num auditório da Federação das Indústrias do Estado do Paraná (Fiep) - entidade que, entre 2003 e 2011, foi presidida pelo pai do suplente de deputado federal Rodrigo Rocha Loures (PMDB-PR).

O evento, batizado de "Operação Lava-Jato - passado, presente e futuro - a Lava-Jato na visão de quem está no olho do furacão", é beneficente, segundo a organização. O dinheiro arrecadado com a venda dos ingressos - cada um custou R$ 80 - será entregue à Apae de Curitiba. Os 300 lugares foram esgotados horas antes da palestra, que começou pouco depois das 19h30.

A mulher do juiz Sergio Moro, a advogada Rosângela Wolff Moro, esteve presente ao evento. O escritório para o qual ela trabalha presta serviços para a Federação das Apaes do Paraná. Logo no início do evento, que começou às 20h, meia hora depois do horário previsto, Dallagnol fez elogios à mulher do juiz federal que julga os casos da Lava-Jato.

"Quero fazer uma referência à Rosângela Moro. Vendo você, me lembro da minha esposa, de como ela queria me ter mais do lado dela. Você empresta seu marido à sociedade", para uma salva de palmas da plateia.

Em junho, reportagem do Valor mostrou que apenas Dallagnol recebeu R$ 219 mil com cachês de palestras em 2016. Segundo ele, a atividade é "legal, lícita e privada" e autorizada por resoluções do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

 

 

Valor econômico, v. 17, n. 4290, 05/07/2017. Política, p. A6.