96% dos PMs se aposentam antes dos 50

Alexa Salomão

02/04/2017

 

 

Para adiar a aposentadoria, afirmam entidades que representam os policiais militares, é preciso reestruturar as carreiras na corporação

 

 

 

Entres as categorias de servidores estaduais com direito à aposentadoria especial, a que mais chama a atenção é a dos policiais militares, os PMs. Na média, 96% se aposentam antes de completar 50 anos, segundo estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Entre os policiais civis, essa parcela cai para 75%. É ainda menor entre professores: 64% do total deixam a sala de aula antes dessa idade. As entidades que representam os PMs concordam que é cedo para deixar a farda, mas explicam que para prolongarem o tempo de serviço é preciso reestruturar as carreiras na corporação.

Dois fatores básicos seriam responsáveis pela precocidade nas aposentadorias da PM, segundo os próprios integrantes. O primeiro é que a maioria trabalha nas ruas, no corpo a corpo diário com a violência, diz o cabo Wilson Morais, presidente da Associação dos Cabos e Soldados da Polícia Militar do Estado de São Paulo. Pelas conta de Morais, quase 80% do efetivo está na linha de frente, sem alternativa de migrar para um escritório quando ficam mais velhos.

A segunda razão é que há várias regras limitando a permanência. Cada Estado tem uma regra para a aposentadoria na PM e ela costuma variar conforme a patente. Em São Paulo, soldados e cabos se aposentam com 30 anos de contribuição ou aos 52 anos. Se não, vem a aposentadoria “expulsória”. Devem sair, quer queiram ou não - e a maioria quer, mesmo “amando” a PM, diz Morais. “Imagine que a sua vida é ficar na viatura, na rua, atrás de marginal, dia e noite, faça calor, frio ou chova, vendo colegas morrendo e você, matando. Deu 30 anos, estão doidos para ir embora e, como a maioria entra cedo, isso pode acontecer antes dos 50.”

Várias outras regras levam à aposentadoria precoce. Morais se aposentou aos 44 anos porque se elegeu deputado - militar na ativa não pode ter cargo público. Mas ele se considera um privilegiado por outro aspecto. “Eu entrei na PM em 1975, numa turma de 44 colegas. Estou com 62 anos. Sabe quantos estão vivos? Sete, comigo.” Segundo Morais, muitos PMs morrem antes dos 50 anos, em serviço. Alguns vivem mal porque não aguentam a pressão. Começam a beber ou usar drogas ainda na ativa, perdem produtividade e pioram na aposentadoria. “O PM passa a vida na rua, pela corporação ou fazendo bico, porque ganha mal, e quando para não aguenta ficar em casa, acaba no bar e morre cedo”, diz.

 

Projeto. Para aliviar o déficit da Previdência de São Paulo, que já bateu em R$ 17 bilhões, segundo levantamento do Ipea, o governo do Estado tenta criar uma alternativa para prolongar a permanência dos PMs. Em fevereiro, o governador Geraldo Alckmin encaminhou à Assembleia Legislativa o projeto de lei que dá a opção de ficar na ativa até os 60 anos, mas em funções administrativas. “Como a ampliação do tempo pode garantir aposentadoria integral e a proposta é opcional e para cargo administrativo, a gente apoia - se fosse obrigatória ou para manter o cara na rua até 65 anos, o que seria desumano, iríamos contra”, diz Morais.

Em cargos superiores, as idades - e limitações - são outras. Sargentos e subtenentes trabalham até os 56 anos. Tenentes e coronéis, até os 60 anos. Com um detalhe no topo: a aposentadoria é obrigatória cinco anos após o PM ser promovido a coronel. São Paulo tem um bom exemplo. Em março, tomou posse como comandante da PM o coronel Nivaldo Restivo, de 52 anos de idade, mas 35 de serviços prestados em funções sofisticadas, como dirigente da Rota e do Gate. Como foi promovido a coronel em 2013, deve se aposentar no ano que vem.

“Não sei se a corporação vai gostar do que vou dizer, mas penso assim, a PM perde os seus talentos com as regras atuais. Oficias bem formados, que poderiam estar em funções de gestão, se aposentam cedo e vão atuar em empresas privadas”, diz capitão Marco Aurélio Ramos de Carvalho, vice-presidente da Associação dos Oficiais Militares de São Paulo.

Para ele, a PM foi “uma família”. “Tudo que tenho devo à corporação: entrei com uma mão na frente outra atrás, como dizem no interior.” Fez Educação Física e Direito. Cumpriu o tempo previsto e saiu. Prestou concurso e entrou no Ministério Público, onde se aposentou. Ainda hoje, aos 70 anos, advoga. “Poderia estar contribuindo com a PM até agora.”

Carvalho se preparou para participar das negociações da reforma da Previdência e ficou surpreso quando os servidores estaduais foram excluídos. “Era melhor a gente negociar uma forma de a corporação aproveitar a experiência de quem está dentro e, ao mesmo tempo, resolver o problema da Previdência, porque não tem jeito: a gente vive mais e não há caixa que aguente isso.”

Na associação, há vários exemplos de longevidade. O presidente, coronel Jorge Gonçalves, fez 87 anos na sexta-feira. Dizem que é imbatível na sinuca. Todas as tardes, vários reservistas se reúnem para jogar dominó. O tenente Abel Barroso Sobrinho, de 85 anos, é presença cativa. Se aposentou aos 51 anos, com 30 de serviço. Está há 34 anos na reserva. Fez a segunda carreira na arbitragem de futebol - onde atua até hoje.

 

PARA ENTENDER

As regras são mais flexíveis

Como diz o nome, as aposentadorias especiais têm regras mais flexíveis para atividades consideradas de risco ou estafante. Professoras do ensino infantil, fundamental e médio podem se aposentar com 25 anos de contribuição e 50 anos de idade; os homens com 30 anos de contribuição e 55 anos. No caso dos Policiais Militares, as regras mudam de Estado para Estado e de acordo com a patente. Em São Paulo, são necessários 30 anos de contribuição. Cabos e soldados, que combatem o crime na rua, podem se aposentar com 52 anos, e oficiais podem ir até os 60 anos. Policiais civis homens com 20 anos de serviço e 25 anos de contribuição; mulheres com 15 anos de serviço independente da idade. 

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Distorções entre regras estaduais e federais preocupam professores

Douglas Gavras

02/04/2017

 

 
Para categoria, reforma a ser definida pelos Estados pode vir a ter condições mais duras que a proposta da União
 
 
 

O físico e professor da Universidade de Campinas (Unicamp) Leandro Tessler, de 55 anos, fazia as contas: caso o texto da reforma da Previdência seja aprovado como foi proposto pelo governo ao Congresso, teria de trabalhar por mais três anos até se aposentar. Isso, até o anúncio feito pelo presidente Michel Temer, no último dia 21 de março, de que servidores estaduais e municipais estariam excluídos da reforma.

Ele teme que as regras a serem definidas pelos Estados, o que o governo espera que aconteça nos próximos seis meses, sejam mais rígidas que as que foram propostas pela União.

“Do jeito que o governo estadual tem nos tratado, tem tudo para que estipule regras mais rígidas do que as da União, faz parte do discurso de corte de gastos colocado aos Estados. Estou muito preocupado. As universidades perderam muitos postos e manter os professores mais antigos era uma forma de conservar a qualidade. Só que essas mudanças trazem uma insegurança enorme para quem está mais perto de se aposentar. É inevitável.”

Também com 55 anos, o professor de zoologia da Universidade de Brasília (UnB) José Roberto Pujol Luz está igualmente preocupado com as alterações nas regras da Previdência, mas diz estar em vantagem em relação ao colega paulista: “Ao menos, as regras estão dadas.”

“Além da incerteza, o problema é que tende a haver um prejuízo muito maior, pelo meu ponto de vista, dos colegas que trabalham para instituições estaduais. A nossa federação é um conjunto muito complicado, os Estados têm realidades muito diferentes e o profissional de ensino reflete essa desigualdade.”

 

Desigual. Para especialistas, é um erro pensar em regras locais para a aposentadoria, ao se considerar que a reforma havia sido proposta para repartir o buraco nas contas da Previdência igualmente entre os trabalhadores.

Em um primeiro momento, a exclusão dos servidores estaduais foi vista como concessão do governo em relação a mudanças na reforma. Integrantes da equipe econômica vêm defendendo a aprovação do projeto no Congresso sem alterações. A medida, no entanto pegou os governadores de surpresa e foi considerada uma forma de dividir o ônus político da reforma.

“É mais do que um conjunto de informações mal explicadas. Incentivar que municípios, Estados e União tenham regras diferentes para seus servidores pode criar uma guerra previdenciária, como a guerra fiscal”, avalia a presidente do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP), Jane Berwanger.

Na prática, a separação das regras previdenciárias de servidores estaduais e municipais dos federais tende a gerar distorções profundas em carreiras que são iguais.

“E, quando tiver de calcular o período de trabalho em diferentes locais, o servidor não sabe que regra será seguida. O governo passou cerca de oito meses ensaiando e noticiando a reforma, mas não abriu para discussão de questões técnicas. Quando levou o texto para o Congresso, parecia que tinha de aprovar aquilo muito rápido. Agora, a gente vê o próprio governo tendo de voltar atrás em muitas questões. Nesse caso, da separação dos servidores, não estranharia se daqui a pouco tivesse o recuo do recuo”, diz Jane.

Ela também prevê uma onda de judicialização, com as distorções. “E nem há a certeza de que os Estados que mais estão preocupados em cortar terão regras mais rígidas. Depende da força do governante. Em alguns casos, os contribuintes do regime federal dirão que o servidor estadual tem estabilidade e vai trabalhar menos, pode tirar parte da legitimidade da reforma.”

“A reforma, desde o começo, foi apresentada de maneira equivocada à população. O governo quer passar medidas duras e que não foram devidamente discutidas com a sociedade. Isso não pode ser bom para a democracia”, avalia Sonia Fleury, especialista em administração pública da Fundação Getúlio Vargas (FGV).

 

Insegurança

Manter os professores mais antigos era uma forma conservar a qualidade. Só que essas mudanças trazem uma insegurança enorme para quem está mais perto de se aposentar”

Leandro Tessler

FÍSICO E PROFESSOR DA UNICAMP

 

 

DEPOIMENTOS

LEANDRO TESSLER, PROFESSOR DE FÍSICA DA UNICAMP

‘Pior de toda essa história é a incerteza’

Quando a separação dos servidores municipais e estaduais da reforma foi anunciada, o que já não estava tão bem explicado conseguiu ficar ainda mais confuso. Estou contando que vou entrar na regra de transição, pagando um ‘pedágio’ para me aposentar, mas agora não dá mais para ter certeza. Essa ideia do governo federal tem um caráter político, de desestabilizar uma possível reação única, a nível nacional, de várias categorias para reivindicar melhores condições de aposentadoria.

Muitos colegas meus já estão se aposentando, para evitar qualquer mudança brusca.

O pior de toda essa história é a incerteza, pode levar a uma aposentadoria em massa e prejudicar mais os quadros das universidades. Será que ninguém pensou nisso?” 

 

JOSÉ ROBERTO PUJOL, Professor de Biologia da UnB

‘Pelo menos, nossas regras estão dadas’

“Eu acabei dedicando muitos anos aos estudos antes de entrar na universidade, e iria me aposentar mais tarde que alguns dos meus colegas. Mas, pelo menos, as nossas regras, dos professores federais, já estão dadas. Fico bem preocupado com os colegas das universidades estaduais, que normalmente já têm um menor poder de negociação de direitos, e ficam mais desprotegidos agora, com os Estados no centro das discussões de políticas mais duras de austeridade para cortar gastos. Alguém acredita que servidores de instituições como a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), que não têm conseguido nem receber os seus salários em dia, vão ter alguma condição de brigar por uma proposta decente de aposentadoria agora?” 

 

 

O Estado de São Paulo, n. 45092, 02/04/2017. Economia, p. B3.