UM APOIO QUE CAI

Antônio Werneck

Elenilce Bottari 

Nelson Neto

 

 

Picciani quer intervenção ou impeachment, e Pezão admite que pode sair do governo
 
Diante da possibilidade de o Rio não conseguir fechar um acordo com a União para ingressar no plano federal de recuperação fiscal, o governador Luiz Fernando Pezão admitiu ontem que corre o risco de não conseguir terminar o seu mandato. A hipótese foi levantada durante uma conversa com representantes do Movimento Unificado dos Servidores Públicos Estaduais (Muspe) no Palácio Guanabara, Ele reconheceu que vem enfrentando “fortes resistências” — a maior, sem dúvida, é a do líder de seu próprio partido, Jorge Picciani (PMDB), presidente da Assembleia Legislativa (Alerj). Pouco antes do encontro, o deputado chamou Pezão de incompetente e afirmou que, se o socorro da União às finanças do estado não for homologado, o Rio só terá duas alternativas: intervenção federal ou impeachment do governador.

— Eu cheguei a 90% de um acordo com o governo federal. É duro, é a única saída. O acordo é para o estado. Nem é para mim, pois não sei por quanto tempo estarei aqui — disse Pezão aos representantes do Muspe.

 

EXIGÊNCIA DE TETO FOI O ESTOPIM

A pressão contra o governador aumentou depois que ele se reuniu, na semana passada, com técnicos da Secretaria do Tesouro Nacional. No encontro, teria ouvido que o governo federal não abre mão do cumprimento de todas as exigências feitas pelo Ministério da Fazenda para o ingresso do Rio no plano de recuperação fiscal. Ficou faltando uma: o estabelecimento de um teto de gastos para todos os poderes. Sob a articulação de Picciani, a Alerj aprovou outras oito medidas, incluindo o aumento da contribuição previdenciária de 11% para 14% e a venda da Cedae. Em contrapartida, deputados fizeram um acordo com Pezão para que ele não estabelecesse um limite para as despesas do Legislativo e de outras instâncias estaduais. Ele voltou de Brasília sem convencer o Palácio do Planalto a abrir mão dessa demanda, e, ao avisar a parlamentares governistas que a Assembleia Legislativa terá de aprová-la, provocou a ira de aliados, principalmente de Picciani.

— É uma incompetência total, um governo despreparado. O governador é incompetente, não sabe argumentar nem tem força política. Quem pode ajudar a resolver isso, como já ajudou antes, é o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e a bancada fluminense na Casa. São eles que têm força com o presidente Michel Temer. Se não, o terceiro escalão do Ministério da Fazenda vai impedir (o ingresso do estado no plano federal de recuperação fiscal). O Rio de Janeiro não pode ser tratado assim. Apesar da incompetência do Pezão, nós fizemos tudo. Mas, para o governador, sempre falta tudo. Ele estava preparado para governar Piraí, não para comandar uma unidade da federação brasileira — disparou o presidente da Alerj em entrevista à rádio CBN.

Em uma carta cheia de críticas enviada a Edson Albertassi, líder do governo na Alerj, Picciani escreveu: “Vejo com surpresa as negociações sobre a questão do teto para os poderes. Tenho uma posição política diferente. Em uma primeira interpretação, poderia até pensar que a recomendação dada a você e a outros companheiros para se aproveitar da minha doença (ele está fazendo tratamento contra um câncer) e votar esse projeto estivesse prevalecendo. Mas, no meu íntimo, não acredito nessa possibilidade, até por sua lealdade e de outros companheiros e pelo interesse público.” E, na entrevista à CBN, foi além:

— Nós aprovamos muito mais na previdência do que eles pediram; aprovamos a venda da Cedae e também a diminuição dos incentivos fiscais, além do aumento do IPVA, da energia elétrica, da cerveja e do fumo. Se nada disso for suficiente para o governo federal respeitar o Rio de Janeiro, só vai restar ao governo Temer realizar uma intervenção federal no Rio porque não se pode ficar nesse descontrole na área da segurança e da saúde. Caso isso não ocorra, nós vamos fazer o impedimento e enfrentar o governo federal. Há a necessidade de mostrarmos a importância do Rio de Janeiro para a federação mesmo com um governo fraco.

 

DOIS PROCESSOS EM TRAMITAÇÃO

Ainda de acordo com Picciani, “está sendo criado um ambiente para isso (o impeachment), principalmente se não houver o pagamento dos funcionários nos próximos 15 dias”. No entanto, na Alerj, a ideia de tirar Pezão do Palácio Guanabara não é algo defendido — pelo menos abertamente — por todos os deputados. O presidente da Comissão de Orçamento, Paulo Melo, também do PMDB, tentou minimizar, de forma lacônica, a crise provocada pelo presidente da Casa:

— Estamos buscando uma solução. Agora, tudo é processo.

Até ontem, oito pedidos de impeachment de Pezão foram derrubados na Alerj. Dois estão em tramitação. Carlos Osorio (PSDB)quer mais rapidez na análise dos que ainda não foram votados e vê a possibilidade de outros serem abertos:

— As declarações (de Picciani) foram muito claras. Na visão do presidente da Assembleia Legislativa, o governo do estado não tem mais condições de continuar. Ele vê indícios de irregularidades nas contas de 2016 do estado, e solicitou que as comissões da Casa acelerem a apreciação dos números. A bancada do PSDB tem uma posição muito transparente; votamos contra as contas de 2015, e, quando o TCE reprovou as do ano passado, demos entrada a um pedido de impeachment.

Também do PSDB, Luiz Paulo Corrêa da Rocha disse que o ataque de Picciani surpreendeu a Alerj, apesar de os sinais de crise no governo não serem uma novidade.

— Se isso fosse um jogo de xadrez, eu diria que Picciani deu um xeque no governador. Ou melhor, um xeque-mate. Agora, Pezão só conta com um cavalo em sua defesa — afirmou o deputado, referindo-se a Edson Albertassi.

Já Marcelo Freixo (PSOL) afirmou que Pezão corre o risco de ser afastado pelo próprio partido “justamente por conta de seu único acerto”:

— O presidente da Casa arquivou um pedido de impeachment feito por nós (PSOL) há pouquíssimo tempo. Logo depois, o TCE, pelas mesmas razões que apresentamos, rejeitou as contas do governador. Apresentamos um novo pedido, e ele (Picciani) não o analisou. Agora, como o debate do teto gerou desacordo entre Picciani e Pezão, pode ser que o impeachment seja votado. Há crimes constitucionais flagrantes do governo. Vamos votar um impeachment porque não querem o controle do teto.

 

SERVIDOR OBSERVA FALTA DE CONFIANÇA

Procurado pelo GLOBO para comentar as declarações de Picciani, Pezão disse, por meio de sua assessoria de imprensa, que não iria se manifestar. Na reunião com os representantes do Muspe, disse que não há previsão para o pagamento dos salários atrasados e que a única solução para o Rio é o plano de socorro fiscal da União. Mas, segundo um participante do encontro, o governador deixou claro que não tem a certeza de que continuará no Palácio Guanabara após a eventual assinatura do acordo com o governo federal:

— Durante a reunião, ele falou várias vezes que não sabe se estará no governo até o fim deste ano. Acho que até acredita no ingresso do Rio no plano federal, mas percebe que ficou sem apoio.

 

O globo, n. 30636, 23/06/2017. RIO, p. 8