Anular lei depende de comprovação de vínculo

Eloísa Machado de Almeida

13/04/2017

 

 

As informações vindas de delações na Lava Jato indicam que a Odebrecht procurava comprar leis favoráveis aos seus interesses, por meio de doações em campanhas eleitorais. O regimento interno das casas legislativas já traz a vedação para que parlamentares sejam relatores de projetos de lei de interesse de quem os tenha financiado. É uma hipótese de quebra de decoro. Mas seriam essas leis inconstitucionais? A anulação da lei dependeria da comprovação do vínculo entre o pagamento e a atuação parlamentar na aprovação de um projeto específico, nexo sem o qual ficaria impossível alegar qualquer desvio. Comprovado o vínculo, há quem defenda a existência de um vício insanável na lei, uma perversão de sua finalidade, sendo, portanto, inconstitucional.

Seria uma decisão inédita, mas não de todo estranha. Nos últimos tempos, o STF tem adotado decisões invasivas no Legislativo, tanto no que se refere às prerrogativas de parlamentares como na atividade legislativa propriamente dita.

Quanto às prerrogativas e imunidades parlamentares, o STF considera que devem apenas proteger a função e nunca servir como escudo para práticas ilícitas; Delcídio do Amaral e Eduardo Cunha que o digam.

Mas o STF tem ido além e interferido na própria atividade legislativa. Recentemente, o ministro Luiz Fux anulou a votação da Câmara sobre as 10 medidas contra corrupção, em razão da inclusão, no mesmo projeto de lei, de normas sobre abuso de poder. Seria, para o ministro, contrabando legislativo.

Um pensamento análogo poderia ser criado para tornar inconstitucional uma lei aprovada por corrupção da representação parlamentar. Já há, inclusive, uma ação pendente de julgamento no Supremo, que pede a inconstitucionalidade da reforma da Previdência (EC/41) em razão da compra de votos de parlamentares no mensalão. Com os recentes desdobramentos da Lava Jato, essa tese pode ganhar força.

 

É PROFESSORA E COORDENADORA DO SUPREMO EM PAUTA

_______________________________________________________________________________________________________________________

Só 2,7% de valor repassado foi para caixa 2

Daniel Bramatti/ Marcelo Godoy/ Ricardo Galhardo 

13/04/2017

 

 

Os recursos de caixa 2 em campanhas eleitorais representam apenas 2,76% do total de dinheiro pago, segundo os delatores da Odebrecht, nos crimes investigados pelo Supremo Tribunal Federal (STF). No total, a Procuradoria-Geral da República classificou R$ 12,4 milhões recursos não declarados pelos políticos à Justiça Eleitoral.

O ministro Edson Fachin determinou a abertura de 76 inquéritos para investigar os crimes de caixa 2, de corrupção ativa e passiva, lavagem de dinheiro e fraude em licitação envolvendo quase uma centenas de investigados. Desses, 26 casos (34%) envolvem caixa 2, segundo a Procuradoria. Outros dez envolvem supostas propinas disfarçadas de doações eleitorais – ao todo, R$ 43,8 milhões teriam sido pagos dessa forma.

 

Partidos. O partido que mais recebeu recursos supostamente ilegais da Odebrecht foi o PT, com R$ 204,9 milhões. Aqui entraram o dinheiro que os delatores da Odebrecht disseram que entregaram às campanhas eleitorais de Dilma Rousseff, para parlamentares do partido em troca da aprovação de medidas provisórias de interesse do grupo e as doações feitas por meio de caixa 2 para deputados.

O PMDB ocupa o segundo lugar desse ranking, com R$ 111,7 milhões. O dinheiro do PMDB está concentrado, de acordo com os delatores, em propinas pagas para a garantia de contratos e obras para a aprovação de medidas no Congresso que eram do interesse da Odebrecht. Quem aparece logo depois dos peemedebistas são os tucanos. O PSDB supostamente recebeu recursos que chegaram a R$ 52,2 milhões. A maior parte deles – contaram os delatores – está relacionada a obras viárias do governo de São Paulo, comandado pela sigla desde 1995.

Integrantes do PP e do PSD teriam recebido cada um R$ 20 milhões. No caso do PSD, os recursos foram quase que exclusivamente recebidos pelo ministro Gilberto Kassab (Ciência, Tecnologia e Comunicações). Os recursos que a empresa informou ter entregue a Kassab estariam relacionados a obras viárias na cidade de São Paulo e a negócios no Ministério das Cidades, que Kassab ocupou durante o governo de Dilma. Os dois partidos que menos receberam dinheiro foram o PPS e o PTB, cada um com R$ 200 mil.

 

Políticos. Quando a análise dos inquéritos do STF leva em consideração os valores relacionados a políticos, o senador José Serra (PSDB-SP) é quem aparece como o maior beneficiário dos pagamentos, com R$ 35,7 milhões. Logo depois, vem o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega, com R$ 22 milhões. 

 

 

O Estado de São Paulo, n. 45103, 13/04/2017. Política, p. A5.