O Estado de São Paulo, n. 45067, 08/03/2017. Política, p. A9

Aloysio assume e governo devolve Camex ao Itamaraty

Novo ministro das Relações Exteriores pede a Temer e Câmara de Comércio Exterior continua vinculada à pasta para transição gradual

Por: Lu Aiko Otta / Vera Rosa /André Ítalo Rocha / Tânia Monteiro /Sandra Manfrini / Ricardo Brito

 

No dia da posse do ministro das Relações Exteriores, Aloysio Nunes Ferreira, o governo tornou sem efeito o decreto publicado no Diário Oficial de ontem, que transferia a secretaria executiva da Câmara de Comércio Exterior (Camex) do Itamaraty para o Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços. A alteração havia deixado o novo ministro irritado, como antecipou a Coluna do Estadão.

Aloysio ficou contrariado porque não foi consultado sobre a mudança, segundo relataram ao Estado pessoas próximas a ele. Em menos de 24 horas, a revogação foi publicada em edição extra do Diário Oficial.

A secretaria executiva da Camex pertencia, antes, ao Ministério da Indústria, mas, no início do governo Michel Temer, foi transferida ao Ministério das Relações Exteriores para dar à pasta um braço forte para tentar impulsionar as exportações brasileiras.

Após tomar posse, em cerimônia no Planalto, Aloysio afirmou que pediu ao presidente uma transição gradual da Camex.

“Eu pedi ao presidente e ao ministro Marcos Pereira que dessem um tempo para que pudéssemos fazer uma transição tranquila, uma vez que essa é a decisão do presidente.”

 

Diplomacia. Ao falar de temas internacionais, o novo ministro das Relações Exteriores disse que o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, é “uma incógnita” e, por isso, ninguém sabe o que esperar de suas medidas.

“Fico mais com o papa Francisco: ‘Speriamo’”, afirmou o chanceler, usando o verbo em italiano. Em janeiro, o papa pediu prudência nos comentários contrários a Trump, sob o argumento de que era preciso esperar o que vai acontecer.

Aloysio sempre foi crítico à política protecionista adotada por Trump e chegou a dizer, quando era líder do governo no Senado, que o mundo ia “ficar pior” com a eleição de Trump.

Ontem, porém, o tucano adotou tom mais moderado. “O fato é que nós temos com os Estados Unidos uma relação que não é preciso enfatizar sua importância.

Temos relação no plano de investimentos, interesse em trocas comerciais, intercâmbio tecnológico e na área de defesa”, afirmou. “Há um cardápio de medidas que precisam ser concretizadas e estamos nos EUA representados por um craque da diplomacia, que é o embaixador Sérgio Amaral.” Depois de dizer, na semana passada, que queria dar “vida nova” ao Mercosul, o novo titular do Itamaraty declarou que há muitas barreiras “entravando” o comércio no bloco. “É hora de fazer acordos bloco a bloco”, afirmou Aloysio.

 

Justiça. Também tomou posse ontem o novo ministro da Justiça, Osmar Serraglio (PMDB), em cerimônia que teve a presença de parlamentares investigados na Lava Jato. / LU AIKO OTTA, VERA ROSA, ANDRÉ ÍTALO ROCHA, TÂNIA MONTEIRO, SANDRA MANFRINI e RICARDO BRITO

 

Vocação

“É preciso aproveitar que temos uma convergência de pensamento, em relação a práticas econômicas, para que a gente possa resgatar a vocação original do Mercosul, que é ser uma zona realmente de livre comércio.”

Aloysio Nunes Ferreira

MINISTRO DAS RELAÇÕES EXTERIORES

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Serra rompeu com alinhamento ideológico, dizem especialistas

Para embaixador, gestão do tucano no Itamaraty também recolocou pasta no centro da formulação da política externa

Por: Lu Aiko Otta

 

Os nove meses de José Serra à frente do Itamaraty foram marcados pelo rompimento do alinhamento ideológico com os chamados “bolivarianos” e pela recolocação do Ministério das Relações Exteriores no centro da formulação da política externa, segundo avaliação de especialistas ouvidos pelo Estado.

“Ele corrigiu os rumos do governo anterior em relação ao Mercosul, particularmente pela incorporação artificial da Venezuela e o tratamento ríspido ao Paraguai”, disse o embaixador José Botafogo Gonçalves, vice- presidente emérito do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri). Durante a gestão de Serra na pasta, a Venezuela foi suspensa do bloco.

Serra entregou ontem o cargo ao senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP), após pedir demissão no último dia 22, alegando problemas de saúde. O ex-ministro foi submetido a uma cirurgia na coluna em dezembro e afirmou que não tinha condições de cumprir a agenda de viagens como chanceler.

Embora o Mercosul tenha começado a sair da “paralisia” – sobretudo nos temas da área comercial – na gestão do tucano, Botafogo Gonçalves afirmou que ainda há muito a avançar.

Para o embaixador, o Mercosul deveria revisar “profundamente” seus objetivos. Segundo ele, o grupo deveria ser uma aliança de países que se complementam para “conquistar o mundo”, principalmente na área de agronegócio, infraestrutura e energia. “Isso o Serra não fez, seja por motivos de saúde, seja porque não teve tempo”, disse o embaixador.

Aloysio Nunes, que assumiu o Itamaraty ontem, viaja hoje para a Argentina. Participará de uma reunião do Mercosul, bloco econômico ao qual prometeu dar “nova vida”.

 

Estrutura. Outra mudança que promete render frutos é o reforço da área de comércio exterior na pasta. A incorporação da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex) pode ser considerada “histórica”, conforme avaliou o ex-secretário da Câmara de Comércio Exterior (Camex) Roberto Giannetti da Fonseca, da consultoria Kaduna. Só no ano passado, foram realizadas 400 missões empresariais a diversos países.

Por outro lado, o presidente Michel Temer desistiu de uma mudança que havia feito na estrutura do Itamaraty para fortalecer seu braço de comércio exterior.

A secretaria executiva da Camex, levada para a pasta por Serra, voltou para o Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviço (MDIC).

No tempo em que esteve no Itamaraty, a Camex buscou retomar seu papel de formulador de estratégia para a inserção do Brasil no comércio mundial.

Outra iniciativa que deve marcar a gestão do tucano é a criação do “grupo China”, que coordena os diversos ministérios que mantêm diálogo com o parceiro, em áreas como exportação de alimentos e investimentos em infraestrutura.

O fortalecimento do diálogo com a China e parceiros como EUA, Europa e Japão foi uma das diretrizes do tucano, segundo especialistas. Sob Serra, a pasta obteve R$ 3 bilhões para pagar dívidas do País com organismos internacionais. / L.A.O.

 

Planalto. José Serra durante a posse dos novos ministros

 

Mercosul

“Ele corrigiu os rumos do governo anterior em relação ao Mercosul, particularmente pela incorporação artificial da Venezuela e o tratamento ríspido ao Paraguai.”

José Botafogo Gonçalves

EMBAIXADOR