Estado de São Paulo, n. 45078, 19/03/2017.  Política, p. A6

Ação penal na Corte sobe para 1,3 mil dias

Estudo do Supremo em Números, da FGV Direito Rio, mostra que, em 2002, o tempo médio era de 65 dias; Procuradoria está mais ágil

Por: Mateus Coutinho

 

Pesquisa do Supremo em Números, da FGV Direito Rio, mostra que o tempo médio que a Corte máxima do Judiciário brasileiro leva para julgar as ações penais envolvendo pessoas com foro saltou de 65 dias, em 2002, para 1.377 dias no ano passado.

Os dados consideram as movimentações processuais registradas pelo sistema do STF até o trânsito em julgado das ações penais e apontam tendências opostas, uma vez que o tempo médio de tramitação dos inquéritos contra autoridades com prerrogativa de foro diminuiu desde 2002.

Naquele ano, o tempo médio de tramitação dos inquéritos, desde que foram abertos até terem algum desfecho (viraram ação penal, foram arquivados ou declinados para outras instâncias), foi de 1.297 dias, segundo a FGV. Em 2016, aponta o estudo, o tempo de tramitação média ficou em 797 dias.

“É importante perceber que a causa das tendências observadas com relação ao tempo médio para o trânsito em julgado não pode ser atribuída à variação na carga de trabalho do tribunal com o foro privilegiado.

No caso dos inquéritos houve aumento da quantidade, enquanto as ações penais tiveram aumento muito pequeno”, aponta o estudo.

 

Procuradoria. O levantamento aponta que o Ministério Público Federal (MPF) tem se tornado mais ágil nos inquéritos e ações penais que envolvem autoridades com foro. Considerando os inquéritos e ações penais na Corte de 2002 a 2016, o estudo aponta que há uma tendência de redução do tempo médio em que a Procuradoria- Geral da República (PGR) fica com os processos após pedir vista. Nas ações penais, com exceção de 2006 e 2013, em que houve picos de tempo que a Procuradoria ficou com o processos após pedir vista, a média de tempo da PGR nunca passou de 20 dias – foram 19 dias em 2016.

Em relação aos inquéritos, o levantamento apontou uma tendência de aumento do tempo médio dos pedidos de vista até 2012, quando as vistas chegaram a durar 67 dias. Desde então, este tempo vem caindo, chegando a 32 dias em 2016. “Aparentemente, a PGR tornou-se mais rápida”, afirma a pesquisa.

 

Instâncias. A discrepância entre os números da Lava Jato no STF e na primeira instância com o juiz federal Sérgio Moro, em Curitiba, berço da operação, ajudam a explicar a descrença de juristas e outros operadores do Direito com as perspectivas de um desfecho dos processos no Supremo em tempo hábil. Desde 2014, ano em que a operação começou, até agora, Moro já proferiu 26 sentenças contra 89 pessoas.

No STF, a operação começou em 2015, com a primeira lista de Janot baseada nas delações premiadas do ex-diretor da Petrobrás Paulo Roberto Costa e do doleiro Alberto Youssef. Desde então, foram 20 denúncias apresentadas ao STF, das quais sete foram aceitas. Destas, duas eram denúncias contra o então deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que foi cassado em setembro de 2016 e seus processos foram remetidos às instâncias inferiores.

Em relação às operações policiais, somente o juiz Sérgio Moro autorizou 38 etapas da Lava Jato, com buscas e apreensões, quebras de sigilo, prisões preventivas e até bloqueio de bens dos investigados. No Supremo, desde 2015, foram autorizadas seis operações policiais a pedido do procurador-geral da República envolvendo investigados com foro privilegiado: três em 2015; duas em 2016; e uma neste ano. / MATEUS COUTINHO

 

3 ANOS DE OPERAÇÃO

● Lava Jato, que começou com a desarticulação de um esquema comandado por doleiros, revelou corrupção na Petrobrás envolvendo políticos, agentes públicos, empreiteiros e operadores financeiros

 

DELAÇÕES

17/3/2014

Doleiro

Operação mirou em esquema de lavagem de dinheiro chefiado por doleiros e prendeu Alberto Youssef e Carlos Habib Chater. Youssef foi um dos primeiros delatores da Lava Jato

 

PRISÕES/ POLÍTICOS

14/11/2014

Empreiteiros

7ª fase mirou no “braço empresarial” do esquema. Segundo investigações, empreiteiras pagavam propina em troca de contratos.

Empreiteiros foram presos

 

19/6/2015

Marcelo Odebrecht

Na 14ª fase da Lava Jato, os  então presidentes da Odebrecht, Marcelo Odebrecht, e da Andrade Gutierrez, Otávio Azevedo, foram presos preventivamente

 

25/11/2015

Delcídio Amaral

O então senador petista foi preso por tentativa de obstruir a Lava Jato; segundo investigações, ele tentou “comprar” o silêncio do ex-diretor da Petrobrás Nestor Cerveró

 

4/3/2016

Lula

O ex-presidente foi conduzido coercitivamente na 24ª fase da Lava Jato, que apurou elo do petista com um sítio em Atibaia e um triplex no Guarujá

 

19/10/2016

Eduardo Cunha

Deputado cassado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) foi preso, acusado pelo juiz Sérgio Moro de receber propina de contrato de exploração de petróleo na África

 

 

DELAÇÕES

30/1/2017

Odebrecht

Em meio à prisão e condenação da cúpula da empreiteira, executivos passaram a negociar delação. Após meses de tratativas, STF homologou acordos de 78 executivos

 

20/3/201

Petrobrás

Após Youssef ser detido, PF prendeu o ex-diretor de Abastecimento da Petrobrás Paulo Roberto Costa, que também fez delação e implicou políticos em corrupção na estatal

 

INVESTIGAÇÕES

3/3/2015

‘Lista de Janot 1’

A Procuradoria-Geral da República encaminhou ao STF 28 pedidos de abertura de inquérito contra 54 pessoas, citadas como beneficiárias da corrupção na Petrobrás

 

PRISÕES/ POLÍTICOS

3/8/2015

José Dirceu

O ex-ministro da Casa Civil foi preso pela PF na 17ª fase da Lava Jato. Ele era investigado por suposto recebimento de propina “disfarçada” de consultorias

 

22/2/2016

Marqueteiro petista

Casal de marqueteiros João Santana e Mônica Moura foi detido na 23ª fase da Lava Jato, que mirou em pagamentos da Odebrecht a Santana no exterior

 

Set/2016

Ex-ministros

Duas operações prenderam os ex-ministros Guido Mantega e Antonio Palocci, apontados  como arrecadadores de propina do esquema na Petrobrás para o PT

 

17/11/2016

Ex-ministros

Duas operações prenderam os ex-ministros Guido Mantega e Antonio Palocci, apontados como arrecadadores de propina do esquema na Petrobrás para o PT

 

INVESTIGAÇÕES

14/3/2017

‘Lista de Janot 2’

Com base nas delações da Odebrecht, Janot enviou 320 pedidos ao Supremo para análise do relator da Lava Jato na Corte, ministro Edson Fachin

_______________________________________________________________________________________________________

Para Ayres Britto, ‘gigantismo’ obriga a ‘esforço concentrado’

Por: Mateus Coutinho

 

Presidente do Supremo Tribunal Federal no início do julgamento do mensalão, o ex-ministro Carlos Ayres Britto diz que, tal qual aconteceu naquela ação penal (470), a Corte terá de fazer um esforço concentrado.

“Claro que no caso da Lava Jato o número de implicados e envolvidos é muito maior, esse é o desafio: racionalizar a administração da Justiça Penal no Supremo diante deste gigantismo.” Com 38 réus, 600 testemunhas e mais de 220 volumes de investigações e processos relacionados, o julgamento da AP 470 levou um ano e três meses e consumiu 53 sessões do STF. / M.C.

_______________________________________________________________________________________________________

Entre a estabilidade e a ruptura

Por: Rubens Glezer

 

“Quem quiser nascer tem de destruir um mundo.” Quando Herman Hesse expressou essa ideia em Demian, indicava que o autoconhecimento e a maturidade demandam a ruptura com padrões vigentes que, apesar de confortáveis, são inadequados para o presente.

Essa metáfora talvez seja a melhor forma de compreender os abalos sísmicos da Lava Jato sobre aspectos centrais dos nossos modelos político, econômico, jurídico, cultural e institucional. Um movimento que não poupou nem sequer o STF.

Em um primeiro nível, cresce a suspeita de que o Supremo não terá como lidar com a ampla quantidade de processos que surgem a cada nova enxurrada de pedidos de inquérito e denúncia das mais altas autoridades da República e dos maiores partidos políticos. Além disso, cresce também a percepção social de que o Supremo é uma instituição guiada pela agenda política dos seus membros, em vez de conduzida pela interpretação das normas jurídicas.

Algo que se agrava com a conduta amigável e próxima de ministros em relação a membros do Executivo e do Legislativo.

Para lidar com esse cenário duas supostas “inovações” foram ressuscitadas: por um lado, modificar o modelo de nomeação e composição do STF e, por outro, extinguir o foro privilegiado. Contudo, há poucas evidências de que tais soluções são efetivos remédios, em vez de meros placebos, para essa crise de legitimidade do Supremo.

Há muito mais viabilidade em fortalecer os mecanismos de imparcialidade e controle.

Porém, não há sinais de esforços por mais sobriedade nas manifestações públicas, transparência na construção de agendas de julgamento, respeito aos precedentes e colegialidade (menos individualismo).

Além disso, todos os mecanismos tradicionais de incentivo a essas condutas têm fracassado dia após dia.

Essa é uma situação complexa e ambígua.

O dilema não é inovar ou conservar, mas ter sabedoria no que preservar ou transgredir. No atual contexto, escolher mal entre a estabilidade e a ruptura põe em jogo muito mais do que a Lava Jato, mas o próprio sistema democrático. Dependemos da sensatez e da sabedoria de nossos agentes públicos.

 

É PROFESSOR E COORDENADOR DO SUPREMO EM PAUTA DA FGV DIREITO