Doações explosivas

Paulo de Tarso Lyra, Evelin Cris e Maiza Santos

12/03/2017

 

 

CRISE NA REPÚBLICA » Mesmo com repasses declarados ao TSE, 21 candidatos a governador, 11 concorrentes ao Senado e 95 postulantes à Câmara temem a Odebrecht

 

 

A decisão do Supremo Tribunal Federal, na semana que passou, de investigar o senador Valdir Raupp (PMDB-RO) por suspeitas de irregularidades em doações legais feitas pela construtora Andrade Gutierrez durante a campanha de 2010, ligou o alerta para uma infinidade de políticos que receberam apoio financeiro de empresas investigadas na Lava-Jato. Alvo da vez do mundo jurídico pela divulgação, ao longo dos próximos dias, das delações feitas por ex-executivos, a Odebrecht foi generosa durante a campanha de 2014. Levantamento feito pelo Correio e confirmado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) mostra que a empresa doou, por intermédio de todas as integrantes da holding Odebrecht, quase R$ 88 milhões a candidatos de diversos partidos que disputaram vários cargos, desde deputados estaduais à Presidência da República.

Do montante, pouco mais de R$ 66 milhões foram repassados aos diretórios dos partidos — sejam os nacionais, sejam estaduais — e quase R$ 22 milhões, diretamente aos candidatos. Juntos, Aécio Neves (PSDB) e Dilma Rousseff (PT), que disputaram o segundo turno das eleições presidenciais há dois anos, receberam R$ 11,250 milhões. Além deles, 21 governadores foram beneficiados, em média, com doações de R$ 200 mil, totalizando R$ 3,3 milhões. Para o Congresso, 11 candidatos ao Senado foram patrocinados com um total de R$ 550 mil, e 95 candidatos a deputado receberam, somados, R$ 3 milhões. As demais foram contribuições para políticos que pleiteavam o mandato de deputado estadual.

Mesmo com a ressalva fundamental de que as doações apresentadas pelo TSE são todas legais, é impossível não traçar alguns paralelos de fluxos de doações com a participação, direta ou indireta, de pessoas citadas nas delações que já vazaram na Lava-Jato. O PMDB, por exemplo, foi a legenda que mais recebeu recursos da empresa outrora presidida por Marcelo Odebrecht: R$ 19,4 milhões. Deste montante, R$ 14,5 milhões seguiram para o diretório nacional. Entre as filiais estaduais, a que recebeu mais doações foi a da Bahia, com R$ 2,8 milhões.

A maior estrela do PMDB baiano é o ex-ministro Geddel Vieira Lima, investigado diretamente na Operação Cui Bono? (que significa a quem interessa?), um desdobramento da Lava-Jato. Logo atrás aparece Alagoas, comandada pelo senador e líder do PMDB, Renan Calheiros (AL), com R$ 850 mil. Roraima, do senador Romero Jucá, fica em uma posição mais modesta, com R$ 150 mil em doações da Odebrecht.

 

PSDB e PT

No caso do PSDB, cujo presidente nacional da legenda, Aécio Neves, foi citado pelo ex-presidente da Odebrecht Infraestrutura Benedito Júnior por ter, supostamente, pedido, por caixa dois, R$ 9 milhões para as campanhas de Pimenta da Veiga ao governo mineiro; Antonio Anastasia ao Senado; e Dilmas Toledo Filho para deputado estadual, é inegável a preferência da Odebrecht pelo diretório tucano mineiro. Dos R$ 18,2 milhões que a empreiteira doou para o PSDB, R$ 11,9 milhões foram para o diretório nacional e, entre os estaduais, o PSDB de Minas era o preferido, com R$ 810 mil em doações. Aécio nega qualquer tipo de irregularidade.

O PT, que esteve no governo ao longo dos últimos 13 anos, teve grande parte das suas doações feitas pela Odebrecht por meios legais concentrados no diretório nacional, com R$ 9,4 milhões dos R$ 14,7 milhões. Durante depoimento ao relator do processo que tramita no TSE, contudo, Marcelo Odebrecht apresentou um número bem maior: R$ 150 milhões, dos quais 80% deste valor — aproximadamente R$ 120 milhões — seriam de maneira ilegal.

O diretório estadual que mais recebeu verbas estava ligado, em 2014, a outra estrela da Lava-Jato, o senador cassado Delcídio do Amaral. O diretório petista sulmato-grossense recebeu R$ 3 milhões da Odebrecht no ano em que Delcídio concorreu ao governo estadual. “Toda essa confusão em torno da situação do senador Raupp deixou o Congresso muito preocupado e disposto a disciplinar o passado, tentando anistiar o caixa dois”, afirmou o diretor de documentação do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (DIAP), Antonio Augusto de Queiroz.

Para Toninho, a situação ganha contornos ainda mais dramáticos porque entendimentos feitos pelo Supremo podem gerar, pela súmula vinculante, interpretações semelhantes nas instâncias inferiores. “Claro que o Supremo só abrirá investigações nos casos em que houver suspeitas reais de pagamento de propina. Mas muitos políticos que receberam apoio de empresas investigadas na Lava-Jato estão tensos. Caso não consigam se reeleger no ano que vem, passarão a ser investigados pela primeira instância”, alertou Toninho. Para o secretário-geral do PSDB, deputado Silvio Torres (SP), a decisão do STF não criminalizou o caixa um. “A interpretação que está sendo dada está errada. Só precisam se preocupar os políticos que já tiveram os nomes citados em irregularidades na Lava-Jato, como é o caso do Raupp, por exemplo”, ressaltou o tucano.

 

 

 

Correio braziliense, n. 19647, 12/03/2017. Política, p. 2.