Ações atropeladas dificultam soluções

Julia Chaib e Paulo de Tarso Lyra

08/01/201

 

 

COLAPSO PENITENCIÁRIO » Apesar de estar sendo elaborado desde setembro do ano passado, o Plano Nacional de Segurança foi apresentado às pressas pelo governo, que desrespeitou acordos com o Conselho Nacional de Justiça e ignorou políticas em andamento

 

O governo entrou 2017 preparado para enfrentar solavancos na eleição das Mesas Diretoras no Congresso, na recuperação econômica e na batalha para a aprovação da Reforma da Previdência. Entretanto, foi atropelado por uma crise na segurança pública que deixou 91 mortos em menos de uma semana em rebeliões de presídios de Manaus e Roraima. Apressou-se em dar respostas e, com isso, se atrapalhou. O anúncio do repasse de cifras do Fundo Penitenciário (Funpen) às unidades de Federação desrespeita um Termo de Cooperação firmado entre o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e o Ministério da Justiça. Ao divulgar um plano com medidas requentadas, o ministro da pasta, Alexandre de Moraes, também ignorou a Política Nacional de Alternativas Penais, vigente desde abril de 2016.

O repasse dos R$ 1,2 bilhão feito pelo governo em 29 de dezembro do Funpen ao Fundo dos Estados desrespeitou um termo assinado em 26 de abril do ano passado. O montante foi dividido em R$ 45 milhões para cada unidade da Federação para a construção de presídios, compras de scanners e bloqueadores de celular. Mas, de acordo com o documento, o governo deveria consultar o CNJ e setores da sociedade civil sobre o modo como o repasse deveria ser feito. O objeto do acordo era “a emissão obrigatória de nota técnica do CNJ ao MJ, como subsídio técnico para o repasse de recursos do Fupen”.

Caberia ao CNJ uma avaliação técnica do plano de desembolso, levando em consideração a necessidade de investimentos na saúde, assistência social, educação e trabalho, bem como no “fomento da política de alternativas penais”.  O termo de cooperação tem a vigência estabelecida de pelo menos 24 meses e foi assinada pelo então presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Ricardo Lewandowski, e pelo ministro da Justiça à época, Eugênio Aragão. A assinatura ocorreu logo após a determinação do Supremo de descontingenciamento dos recursos do Funpen, em resposta a uma ação ajuizada pelo PSol para coibir a violação de direitos de detentos.

Os recursos foram repassados antes do massacre em Manaus, em que 56 presos foram executados no Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj). Depois, em uma resposta apressada à tragédia, liberou mais R$ 430 milhões (mas não do fundo) para a construção de cinco presídios federais, medida considerada inócua por especialistas. E agilizou o lançamento do Plano Nacional de Segurança, anunciado na manhã da última sexta-feira, quando o país acordou sob a sombra de mais um massacre, com a morte de 33 presos na maior cadeia de Roraima.

Integrante do Fórum Brasilieiro de Segurança Pública, Robson Sávio Reis Souza diz que o governo escolheu o pior momento para lançar o plano. “Foi inoportuno porque parece que ele está respondendo à imagem do Brasil no exterior.” O especialista classifica o plano como uma série de medidas “requentadas”. Robson diz que o projeto é reativo e só funcionará se a União garantir repasses aos estados, o que poderá ser difícil, dado o ajuste fiscal encampado pelo governo. “Se o ministro não combinar o plano com os secretários, com os integrantes da Justiça e não garantir dinheiro, não adianta nada”, critica o coordenador de estudos sóciopolíticos da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG).

 

Alternativas

Ao anunciar o plano, o ministro da Justiça disse que o Brasil “prende mal” e defendeu a redução do número de presos provisórios (veja quadro), além da abertura de novas vagas com a construção de presídios. Ressaltou também a importância de se valorizar penas alternativas, como tornar obrigatórios cursos de capacitação para mulheres rés primárias que respondam por tráfico privilegiado. Ao longo da apresentação e no próprio documento, porém, o ministro não mencionou a Política Nacional de Alternativas Penais, vigente desde 2 abril do ano passado, instituída justamente com o objetivo de reduzir em 10% o número de presos até 2019.

A meta do Plano Nacional de Segurança é de diminuir em 15% o deficit de vagas no país, superior a 200 mil. O objetivo traçado pelo ministro Alexandre de Moraes, porém, não deixa claro se a intenção é reduzir a população carcerária ou combiná-la com o incremento no número de vagas, por meio da criação de presídios. Convênios já foram firmados com estados para implementação das centrais de alternativas penais. Quem trabalha na área, porém, diz que os investimentos têm diminuído. Nesta semana, a presidente do CNJ e do STF, Cármen Lúcia, proibiu a suspensão das audiências de custódia no recesso do Piauí. Em São Paulo, porém, não ocorreu o mesmo e as audiências foram suspensas.

O ministério da Justiça esclarece que, com a MP, a natureza do repasse foi por meio de transferência obrigatória, fundo a fundo, sem a necessidade de convênios ou contrapartidas das unidades de Federação. “Cada estado recebeu R$ 47,7 milhões, sendo cerca de R$ 32 milhões para a construção de novos presídios e cerca de R$ 13 milhões para modernização e equipamentos. Essa possibilidade legal não existia no tempo em que houve o termo que, portanto, não se aplica à MP.” A pasta também ressaltou que a política de penas alternativas continuará e será ampliada. “O ministro defende a necessidade de desencarceramento daqueles que não praticaram crimes com violência ou grave ameaça, e essa é uma das metas.”

 

Padilha criticado na internet

Em meio a uma das piores crises carcerárias do país, o ministro-chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, publicou uma frase do antropólogo Darcy Ribeiro (1922-1997), no Twitter, na manhã de ontem: “Se os governadores não construírem escolas, em 20 anos faltará dinheiro para construir presídios.” Na postagem, o político comentou que o estudioso anteviu há 36 anos o que hoje ocorre. “Sua lição é atualíssima. Só o conhecimento emancipa o cidadão e o prepara para a vida”, escreveu. A postagem recebeu críticas dos internautas. “O que estão esperando para mudar essa realidade?”, perguntou um usuário. Outro chamou Padilha de “debochado”.

 

 

Correio braziliense, n. 19585, 08/01/2017. Política, p. 2.