O globo, n. 30423, 22/11/2016. País, p. 3

Aval do chefe

Temer decide manter Geddel no cargo antes mesmo de a Comissão de Ética abrir processo

Por: CATARINA ALENCASTRO E EDUARDO BARRETO

 

-BRASÍLIA- Depois do recuo de um de seus conselheiros, a Comissão de Ética da Presidência instaurou ontem à tarde processo contra o ministro Geddel Vieira Lima, da Secretaria de Governo. Mas, mesmo antes da manifestação do conselho, o presidente Michel Temer assegurou a permanência do ministro no cargo. Geddel foi acusado pelo ex-ministro da Cultura Marcelo Calero, que pediu demissão na sexta-feira, de pressionar para que o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) liberasse a construção de um prédio de luxo em Salvador, onde diz ter comprado um apartamento.

Logo cedo, Temer fez um sinal de negativo com o dedo quando um repórter perguntou se ele demitiria Geddel. Depois, o porta-voz, Alexandre Parola, oficializou a informação:

— O presidente da República faz dois anúncios: em primeiro lugar, o ministro Geddel Vieira Lima continua à frente da Secretaria de Governo da Presidência. O presidente ressalta, adicionalmente, que todas as decisões sob responsabilidade do Ministério da Cultura são e serão encaminhadas e tratadas estritamente por critérios técnicos, respeitados todos os marcos legais e preservada a autonomia decisória dos órgãos que o integram, tal como ocorreu no episódio de Salvador.

 

O VAIVÉM DO PEDIDO DE VISTA

Após o anúncio do porta-voz, o advogado José Saraiva Filho, único nomeado pelo atual governo para a Comissão de Ética, desistiu do pedido de vista que havia feito de manhã e que provocaria o adiamento da análise da denúncia contra Geddel. O ministro é acusado de usar sua influência no cargo em benefício próprio. À tarde, o próprio Geddel passou a entender que é melhor ver sua situação julgada logo pela comissão. E ligou para a comissão pedindo para prestar esclarecimentos.

— O ministro telefonou à comissão e pediu para conversar conosco. Durante reunião, mantive com ele uma conversa telefônica e ele se mostrou disposto a prestar os esclarecimentos que julga pertinentes — disse o presidente da Comissão, Mauro Menezes, que considerou “absolutamente normal” o pedido de Geddel, e não esclareceu se a conversa telefônica aconteceu antes ou após o recuo do conselheiro. Saraiva, por sua vez, disse a Menezes que “não gostaria de atrasar o andamento do processo”.

A partir de hoje, Geddel terá dez dias para fazer sua defesa à comissão, período que pode ser prorrogado. Calero também será ouvido. O colegiado, que é de caráter consultivo, pode propor uma advertência ou até recomendar a exoneração da autoridade, a punição mais severa. Qualquer decisão, porém, é do presidente da República. A próxima reunião será em 14 de dezembro, mas não há prazo para conclusão das apurações.

Geddel foi acusado pelo ex-ministro da Cultura de pressioná-lo a liberar a licença do Iphan para a construção de um edifício de 30 andares em Salvador, batizado de La Vue. O empreendimento fica nas imediações de área tombada pelo patrimônio histórico. Calero saiu do governo citando a pressão de Geddel como justificativa para a demissão.

Um auxiliar do Planalto afirmou que, na avaliação de Temer, o pedido de vista na Comissão de Ética não tinha sido bom nem para Geddel nem para o governo, uma vez que alongava a crise.

— Antes de ter um desfecho, o caso está em aberto. Isso não é bom para o governo. O melhor é que haja uma definição o quanto antes — disse.

No Planalto, a temperatura do caso foi baixando pouco a pouco durante o dia. Se, no fim de semana, assessores consideravam grave a situação do ministro, logo no início da tarde Temer se reuniu com Geddel, ouviu mais uma vez a versão que já havia recebido do ministro no sábado, por telefone, e decidiu anunciar que o manteria no cargo. O ministro Eliseu Padilha (Casa Civil) participou da reunião. Assessores dizem que o presidente resolveu dar um voto de confiança ao amigo.

— Michel é advogado. Ele não vai despachar ninguém, principalmente um amigo, de forma sumária. Calero disse uma coisa. Geddel disse que é mentira. Até que ser prove o contrário, é a palavra de um contra outro. O presidente dará o benefício da dúvida a Geddel, e só tomará uma providência se houver alguma evidência — disse um auxiliar de Temer.

líder do governo no Congresso, Romero Jucá (PMDB-RR), minimizou o caso:

— Estamos aguardando os esclarecimentos necessários e acho que esse é um fato pontual que não deve, de forma nenhuma, atrapalhar o funcionamento do governo. Esse é um fato que precisa ser esclarecido, mas não deve embaraçar a atuação do governo. Temos muitas coisas graves e sérias para encaminhar, para votar.

O líder do governo no Senado, Aloysio Nunes (PSDB-SP), disse que Geddel exerce a articulação “com maestria” e já deu as explicações necessárias para o caso.

— O ministro Geddel trata muito bem da articulação política. Sou testemunha disso porque convivo diretamente com ele, e ele exerce essa função com maestria. Ele já deu explicações, já falou com a imprensa, o caso agora está sob análise da Comissão de Ética. Vamos aguardar.

O PT do Senado pediu à Procuradoria-Geral da República abertura de inquérito para investigar Geddel por tráfico de influência.(Colaboraram Simone Iglesias e Júnia Gama.)

 

“Acho que esse é um fato pontual que não deve, de forma nenhuma, atrapalhar o funcionamento do governo”

Romero Jucá (PMDB-RR)

Líder do governo no Congresso

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Mara Gabrilli abortou criação de secretaria da Cultura que iria suprimir poderes do Iphan

‘Já ouvia de vários lugares que tinham interesses mil na criação da secretaria’, diz deputada

Por: EVANDRO ÉBOLI

 

-BRASÍLIA- Relatora da medida provisória que recriou o Ministério da Cultura, em maio, no início do governo Michel Temer, a deputada Mara Gabrilli (PSDB-SP) afirmou ontem que excluiu do texto a criação da Secretaria Nacional de Patrimônio Histórico, prevista pelo governo. Para ela, a secretaria tiraria poderes do Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), responsável por conceder licenças para empreendimentos como o de interesse do ministro Geddel Vieira Lima, na Bahia.

A deputada ligou para o presidente Michel Temer, avisando que não endossaria a criação da secretaria:

— Mergulhei para entender a importância dessa secretaria. E vi que a importância dela era tirar a importância do Iphan. Nessa situação, liguei para o presidente (Temer) e disse que estava usando meu discernimento e tirando aquela secretaria. E coloquei no lugar a Secretaria Nacional da Pessoa Idosa. Dessa sim, o povo brasileiro tem necessidades — conta Mara Gabrilli. — Enfim, teve muita gente que não gostou.

Ela conversou com muitos técnicos do Iphan e com o pessoal da Cultura. E descobriu que havia “interesses mil” na criação da secretaria.

— Já ouvia de vários lugares que tinham interesses mil na criação da secretaria. E isso vai parar na minha mão para eu relatar?! Não vai prosperar! — disse ela, lembrando sua reflexão sobre assumir a relatoria.

Mara contou que tratou do tema com o então ministro Marcelo Calero que, segundo ela, foi sempre “muito cuidadoso”.

— Era uma situação delicada para ele. Era um ministro do governo e iria falar mal de uma medida provisória do próprio governo? Nunca fez isso. Foi muito cordial — disse a deputada: — Cada vez que me aprofundava, não via nenhuma razão para a razão daquele órgão. Simplesmente tirei. Tenho certeza que evitei mal maior.

A deputada disse que ligou para Geddel avisando de sua decisão, depois de conversar com Temer e o ministro Eliseu Padilha.

— Liguei para o ministro Geddel no final. Disse a ele que tinha conversado com o presidente Temer e o Padilha. Acho que ele (Geddel) foi meio protocolar. E me disse: ‘Ah, tá bom. Vou mandar não sei quem falar com você’. E não mandou — disse Mara.

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De colega ‘insuportável’ de Renato Russo a político ‘boca de jacaré’ no PMDB

Ministro da Secretaria de Governo é amigo de Temer há décadas; durante anos, compartilhou com Eduardo Cunha indicações políticas para a Caixa
 

-BRASÍLIA- Polêmico e verborrágico. Amigos e inimigos do ministro da Secretaria de Governo, Geddel Vieira Lima, concordam que o baiano tem essas características. Quem o conhece diz que ele não mede o tom, o volume, nem tampouco poupa o interlocutor de palavrões.

Filho de deputado, Geddel foi para Brasília ainda criança. Estudou em um dos colégios mais tradicionais da capital, o Marista, onde foi colega de Renato Russo, vocalista da Legião Urbana. “O filho da revolução”, biografia do artista escrita por Carlos Marcelo, informa que Renato Russo sempre dizia que Geddel era “insuportável”.

Na vida política, Geddel nunca trocou de partido, foi sempre do PMDB. Amigo de Temer há décadas, é remanescente da bancada liderada por ele na Câmara, nos anos 1990.

— Não cai porque é da turma — resumiu um peemedebista, sobre a situação de Geddel.

Da turma, leia-se, do grupo mais restrito do presidente. Em 2010, em perfil de Temer publicado na revista “Piauí”, Geddel contou sobre o início de sua aliança com o presidente. Disse que fez a primeira campanha de Temer para a liderança do PMDB, em 1995, e mostrou que, desde aquela época, sua intimidade com o atual chefe já era grande.

Outro aliado do ministro é o deputado cassado Eduardo Cunha. Os dois compartilharam por anos indicações nas diretorias da Caixa Econômica Federal. Geddel foi vice-presidente de Pessoa Jurídica da Caixa, entre 2011 e 2013. Descrito pelo doleiro Lúcio Funaro, preso na Lava-Jato, como “jacaré” e “carneirinho”, Geddel coleciona apelidos da fauna: já foi chamado de “percevejo de gabinete” por Itamar Franco — em referência a peemedebistas que se aliavam a governos em troca de cargos — e de “suíno” por colegas de escola. Funaro, que teve seu telefone grampeado pela PF, escreveu sobre Geddel numa mensagem de texto a Fábio Cleto, ex-diretor da CEF:

“Ele é boca de jacaré para receber e carneirinho para trabalhar e ainda ‘reclamão’”.

Este ano, e enquanto muitos peemedebistas fugiam da ligação com Cunha, Geddel esteve próximo do amigo até sua cassação. Um dia antes de Cunha ser afastado, Geddel foi à residência oficial da Câmara: “Achei que era meu dever encontrar um ser humano e prestar minha solidariedade no momento de dificuldade que ele está”, disse à época.