O globo, n. 30422, 21/11/2016. País, p. 3
Delação da Odebrecht vai apontar depósito de propinas em bancos fora do país

 

Chico Otavio

 

Os investigadores da Lava-Jato no Rio esperam que uma nova remessa de delações premiadas — a começar pela Odebrecht, provavelmente esta semana — amplie o conjunto de provas e os personagens envolvidos no esquema de propinas comandado pelo ex-governador Sérgio Cabral. Uma das informações mais quentes é esperada de Benedicto Júnior, ex-presidente da Odebrecht Infraestrutura, e de Leandro Andrade Azevedo, ex-diretor da empreiteira no Rio: as contas internacionais do esquema, nas quais a empresa teria depositado regularmente a taxa de 5% cobrada por Cabral pelas grandes obras que executou no estado.

O ex-governador e outros nove integrantes do esquema foram presos, na quinta-feira, durante a Operação Calicute, após terem sido delatados por executivos das construtoras Andrade Gutierrez e Carioca Engenharia. Já a próxima remessa de delações, além dos mais de 60 executivos da Odebrecht, prevê acordos com Fernando Cavendish, da Delta Construções, e com Reginaldo Assunção, diretor da OAS-RJ.

A Odebrecht atuou, durante o governo Cabral (2007-2014), em praticamente todas as obras públicas importantes, como a reforma do Complexo do Maracanã e a construção do Arco Metropolitano, da Linha 4 e do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj). Orçada inicialmente em R$ 700 milhões, a obra do Maracanã para a Copa do Mundo de 2014 saltou para R$ 1,2 bilhão após receber 14 termos aditivos. Se a Odebrecht, que liderou o consórcio construtor formado pela Delta e pela Andrade Guitierrez, confirmar que também pagou 5% de propina, esse valor representará um suborno estimado em R$ 60 milhões.

 

DOLEIRO COMO ENTREGADOR DE PROPINA

Benedicto Júnior, na presidência da Odebrecht Infraestrutura, era um dos principais interlocutores da empreiteira com o mundo político. Ele, que chegou a ser preso em março pela Operação Xepa, na 26ª fase da Lava-Jato, foi apresentado a Cabral no início do governo, em 2007, pelo então secretário estadual de Saúde, Sérgio Côrtes. Semanas depois, já frequentava a casa de Cabral no condomínio Portobello Resort, onde acabaria construindo, anos depois, uma mansão a poucos metros da casa do ex-governador.

A Odebrecht, de acordo com a força-tarefa da Lava-Jato, tinha uma estrutura profissional de pagamento de propina, o “Setor de Operações Estruturadas”, subordinado a Benedicto Júnior. Em planilha apreendida pela Xepa na casa do executivo, apareciam codinomes vinculados a repasses de valores. Os investigadores acreditam que o documento era uma espécie de contabilidade da propina. Um dos codinomes, “Proximus”, aparece relacionado a repasses de R$ 2,5 milhões por conta da obra da Linha 4 do Metrô.

As delações da Odebrecht deverão apontar o doleiro Álvaro José Galliez Novis, da Hoya Corretora de Valores e Câmbio, do Rio, que também chegou a ser preso na Xepa, como responsável pela entrega de propina da empreiteira. Na Calicute, as investigações demonstraram que Carlos Emanuel de Carvalho Miranda, preso na quinta-feira, sob a acusação de ser o coletor da propina de Cabral, trocou dólares por intermédio de Novis para uma viagem do filho.

Novis, na planilha da Odebrecht, era tratado pelos codinomes Carioquinha e Paulistinha (porque ele supostamente cuidava das propinas no Rio e em São Paulo). Na planilha apreendida na casa de Benedicto Júnior, “Proximus” teria recebido R$ 2,5 milhões em cinco parcelas de R$ 500 mil pela Linha 4 do Metrô, com o pagamento efetuado nos dias 16 de setembro, 24 e 29 de outubro, 12 e 13 de novembro de 2014, período em que acontecia no estado a eleição para a sucessão de Cabral (vencida por Luiz Fernando Pezão).

A entrega do dinheiro releva um caminho na direção do PMDB fluminense. De acordo com os documentos arrecadados pela Lava-Jato, a propina foi repassada a Olívia Vieira, na Avenida das Américas 3.500, Barra da Tijuca. Olivia Vieira era, na época, gerente da CS 986 Administração e Participações, que funcionava neste endereço. Ela tem como sócios Sandro Alex Lahmann e Gláucia dos Reis Lahmann

Sandro Alex, como sócio de outra empresa, a Lahmanno Rio Comercial Cirúrgica, foi flagrado na Operação Furacão, deflagrada contra a cúpula da contravenção no Rio, em 2007, por subornar dois agentes da Polícia Federal. Ele queria abafar um inquérito instaurado a partir relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras, do Ministério da Justiça (Coaf ), que detectou movimentação atípica no valor de R$ 8,3 milhões, entre outubro de 2003 e setembro de 2004, na agência do Banco do Brasil em Bento Ribeiro. Este dinheiro teria sido usado, segundo o relatório do Ministério Público Federal, para financiar a campanha política do PMDB.

Fernando Cavendish ainda está negociando a delação. Um dos episódios que deverão ser confirmados pelo empresário é o do anel da grife Van Cllef & Arpels, no valor de R$ 800 mil, presente de Cabral a então primeira-dama Adriana Ancelmo, pago por Cavendish durante viagem a Montecarlo, em 2011. Já a OAS reiniciou as conversas sobre a delação que haviam sido interrompidas.

Procurada, a Odebrecht não quis se manifestar sobre a delação. Os advogados de Cabral não foram localizados, mas um deles, Raphael Mattos, disse ao jornal “O Estado de S.Paulo” que a defesa ingressará com pedido de habeas corpus para Cabral esta semana. Ele explicou que a demora no ingresso do recurso se deve à complexidade do processo, que envolve pedidos de prisão feitos pela Justiça Federal do Rio e de Curitiba.

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Assento sanitário contra o frio do Leblon

 

Não foram só os 20 ternos sob medida da Ermenegildo Zegna, grife italiana de alta-costura, ou a infinidade de joias que chamaram a atenção dos agentes da Polícia Federal que estiveram, na última quinta-feira, no apartamento do ex-governador Sérgio Cabral. Em um dos banheiros do imóvel na quadra da Praia do Leblon, bairro com o metro quadrado mais caro da cidade, havia um assento sanitário eletrônico, acionado por controle remoto.

A história da privada de luxo — talvez a única narrativa capaz de provocar risos em meio às revelações de um grupo que, segundo a acusação, desviou R$ 224 milhões do quebrado Estado do Rio — foi revelada ontem na coluna de Lauro Jardim, no GLOBO.

Por meio do controle remoto, é possível controlar a temperatura do assento e da água a ser usada na higiene e até pressão com que a água será jorrada. Há também a possibilidade de acionar uma massagem. Todas as informações são exibidas em um display localizado na parte superior.

Modelos semelhantes ao encontrado no banheiro de Adriana Ancelmo, mulher de Cabral, estão à venda na internet na faixa de US$ 500 — R$ 1.690 no câmbio de sexta-feira, fora frete e impostos. Um assento tradicional pode ser comprado por menos de R$ 100 nas lojas físicas ou virtuais.

No site americano da Amazon, compradores demonstram bastante satisfação com a aquisição. “A qualidade do produto é impressionante”, escreveu um deles, destacando a superioridade da marca polonesa Xime (a escolhida por Cabral) em relação à americana Toto, da qual já fora usuário. “Muito bom. Nós gostamos. Obrigado”, anotou outro entusiasta. A média de avaliações é bem favorável: 4,5 estrelas, em um máximo de 5.

A única divergência parece ser em relação à pressão da água. Um comprador argumentou que ela é muito forte, “mesmo no ajuste mais leve”, o que, segundo ele, traz um pouco de desconforto. Já outro cliente reconheceu que a pressão da água é forte, mas a considerou adequada.

Sérgio Cabral está preso preventivamente em Bangu 8 desde quinta-feira. A cela, que divide com outros cinco detentos, não conta com vaso sanitário, mas com um dispositivo no chão, conhecido como “boi”. (Marco Grillo)

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Garontinho passa bem após cirurgia cardíaca, diz médico


O ex-governador Anthony Garotinho fez ontem uma angioplastia, procedimento para desobstruir artérias, e implantou um stent, tubo que tem o objetivo de evitar novas obstruções. Ele está em observação na unidade cardiointensiva do Hospital Quinta D’Or, na Zona Norte do Rio. De acordo com o boletim médico, o quadro de Garotinho é estável. Não há previsão de alta.

O ex-governador foi preso na quarta-feira, acusado de usar o programa social Cheque Cidadão para comprar votos e de coagir testemunhas. Devido à condição de saúde, a ministra Luciana Lóssio, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), determinou, na sexta-feira, que Garotinho saísse do hospital penitenciário do Complexo de Gericinó, na Zona Oeste, e fosse internado em um hospital de sua preferência. A liminar, também estipula que ele fique em prisão domiciliar após receber alta. O plenário do TSE vai analisar o caso amanhã.

Ontem, o “Fantástico”, da TV Globo, mostrou gravações em que Garotinho conversa com dois advogados e demonstra interesse em que seu caso seja apreciado no TSE por Luciana Lóssio. Nos áudios, interceptados em 25 e 27 de outubro, após a Polícia Federal ter prendido vereadores aliados, o ex-governador trata de um habeas corpus preventivo que havia impetrado no TSE, para garantir que não fosse detido, e que havia caído com a ministra. Dois dias depois, ele dá a entender que explicou sua situação à Luciana: “Como a gente já teve oportunidade de explanar tudo, ela ficou bastante impressionada”. Em outro momento, diz que “ela está bem consciente dos fatos todos”. Garotinho foi preso posteriormente, o que indica que o habeas corpus preventivo não foi bem sucedido. No dia da prisão, a ministra negou outro habeas corpus impetrado por Garotinho.