Valor econômico, v. 17, n. 4119, 26/10/2016. Brasil, p. A4

Governo busca saída para risco cambial

Alternativas de hedge em concessões começam a ser pensadas, mas equipe econômica é contra

Por: Daniel Rittner

 

O governo estuda novos mecanismos financeiros para proteger investidores estrangeiros do risco cambial nas concessões de infraestrutura. Segundo fontes ligadas ao Ministério dos Transportes e ao Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), que participaram de reuniões com potenciais investidores em Londres e em Tóquio nas últimas semanas, essa foi uma das principais demandas dos estrangeiros durante o "road show" organizado para divulgar as concessões.

Está descartada, conforme explicam essas fontes, a possibilidade de criar algum tipo de fundo com recursos públicos para bancar o risco cambial ou dolarizar uma parte das tarifas. A ideia é trabalhar com instrumentos de mercado. Uma hipótese aventada por esses setores do governo seria aumentar a oferta de swap pelo Banco Central. O BC poderia emitir títulos conversíveis, mas sempre restritos aos investidores nas concessões de infraestrutura.

Valor apurou, no entanto, que a equipe econômica não tem a menor simpatia por esse tipo de mecanismo e descarta completamente iniciar qualquer tipo de discussão que possa envolver o uso das reservas internacionais.

De acordo com relatos das autoridades que foram "vender" as concessões de infraestrutura no exterior, a maior preocupação dos investidores tem sido a viabilidade econômica dos projetos licitados no governo da ex-presidente Dilma Rousseff. "Não tem como sair fazendo novas concessões sem consertar as antigas", afirma um assessor presidencial.

Uma medida provisória que abre a possibilidade de rescisão "amigável" dos contratos e prevê indenizações aos atuais concessionária deve ser publicada nos próximos dias. A versão final da MP foi discutida anteontem entre o secretário-executivo do PPI, Moreira Franco, e os ministros Maurício Quintella (Transportes) e Dyogo Oliveira (Planejamento).

A segunda demanda mais presente nas conversas de investidores com representantes do governo em Londres e em Tóquio foi justamente a questão dos riscos cambiais. Essa preocupação é mais forte entre fundos de pensão e fundos de investimentos que não atuam em setores específicos de infraestrutura.

Grandes operadoras internacionais de aeroportos ou grupos com o perfil das espanholas que entraram nas concessões de rodovias vêm para o Brasil com a disposição de ficar décadas à frente das operações. Para elas, o hedge é uma necessidade menor e os efeito das variações cambiais são mitigados no longo prazo, em contratos com 30 anos de duração. Uma súbita alta do dólar pode ser compensada mais adiante.

Essa questão, entretanto, está no topo das preocupações dos investidores financeiros. Apesar de terem foco no longo prazo, eles podem se desfazer rapidamente de participações acionárias nos projetos de infraestrutura para realizar lucros ou cobrir perdas no exterior. Por isso, acenam que só vão colocar dinheiro nas concessões se estiverem protegidas contra uma queda súbita do real.

Para o governo, trazer recursos de investidores estrangeiros com esse perfil é imprescindível para viabilizar projetos que exigem mais capital intensivo, como é o caso principalmente de ferrovias.

Um dos poucos empreendimentos em que se considera a possibilidade de incluir algum tipo de dolarização nas tarifas é a Ferrogrão, que ligará por trilhos os municípios de Sinop (MT) ao porto de Miritituba (PA). Orçada em pelo menos R$ 12 bilhões, a ferrovia deve se dedicar essencialmente ao transporte de grãos, como soja e milho, que são atrelados ao dólar e podem absorver aumentos de tarifa em caso de desvalorização do real. Para pedágios de rodovias ou tarifas aeroportuárias, essa hipótese é descartada pelas autoridades.

Na MP das concessões, que deve ser publicada até segunda-feira, o governo pode mudar a forma de pagamento dos aeroportos já privatizados. As operadoras têm pleiteado reescalonar seus desembolsos para ter um alívio financeiro no curto prazo e deixar as parcelas mais pesadas do pagamento para a reta final do contrato - quando, em tese, os aeroportos estarão gerando mais receitas e vão requerer menos investimentos em reformas.

Algumas concessionárias, como a do Galeão (RJ) e a de Viracopos (SP), não pagaram a outorga em abril e negociaram um novo prazo para quitar seus compromissos financeiros em dezembro - com a incidência de multa de 2% do valor original e juros Selic.

Quintella admitiu ontem a possibilidade de "reescalonamento" das outorgas. Segundo ele, um dispositivo com essa previsão pode ser incluído na medida provisoria. "Estamos vendo se é pertinente do ponto de vista legal e se é conveniente", afirmou.

Pelas regras contratuais em vigência, os valores oferecidos como outorga pelos consórcios vencedores nas licitações são pagos em prestações fixas e anuais ao longo de todo o período da concessão (entre 20 e 30 anos).