Eike leva Mantega ao centro da Lava-Jato

 

23/09/2016
Eduardo Militão

 

A Polícia Federal deflagrou, nas primeiras horas da manhã de ontem, nova fase da Lava-Jato e trouxe à baila a participação do empresário Eike Batista e da Mendes Júnior no financiamento do PT e do PMDB, e ainda levou o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega para a cadeia por pelo menos cinco horas. Por conta do estado de saúde da mulher dele, o juiz da 13ª Vara Federal de Curitiba, Sérgio Moro, decidiu revogar a ordem dele mesmo, mandando soltar o petista (leia mais na página 3). O juiz determinou o confisco de até R$ 10 milhões em contas do ex-ministro e dos outros sete alvos de mandados de prisão temporária, por cinco dias.

A 34ª etapa do caso recebeu o apelido de Arquivo X, em referência à letra usada na maioria dos negócios de Eike, o homem que já foi o brasileiro mais rico do país e hoje enfrenta processos de recuperação judicial de seus empreendimentos. Segundo os investigadores, a apuração é embasada no pagamento de propinas a partir de um negócio bilionário da Petrobras com o estaleiro OSX Construção Naval S/A, de Eike, e Mendes Jr. Trading. Os beneficiários foram o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu; o ex-deputado André Vargas (ex-PT-PR); o PT e diretores e funcionários da estatal ligados ao PMDB. Eike disse que, após Mantega lhe pedir R$ 5 milhões, doou US$ 2,35 milhões ao partido por meio de conta no exterior dos marqueteiros João Santana e Mônica Moura. Todos os que se manifestaram negaram irregularidades.

A partir de licitação em 2011, em julho do ano seguinte, a Petrobras contratou o consórcio formado pela OSX e pela Mendes Júnior, o Integra Offshore. Foram acertados US$ 922 milhões (R$ 2,97 bilhões) para serem construídas as plataformas P-67 e P-70, para exploração de petróleo na camada pré-sal.

De acordo com o procurador Carlos Fernando dos Santos Lima, a contratação gerou “três vertentes de corrupção”. Na primeira, verificam-se pagamentos de R$ 7,39 milhões para o operador do PMDB João Augusto Rezende Henriques, preso e condenado na Operação Lava-Jato. O repasse, denunciado pelo delator Eduardo Musa, que atuou na OSX e na Petrobras, foi confirmado: a Mendes Júnior entregou os valores em 2013 para a Trend, a firma do lobista. “Há indicativos de que esse operador trabalhava para interesses do PMDB”, explicou o procurador Carlos Fernando dos Santos Lima, em entrevista na Superintendência da Polícia Federal em Curitiba.

O juiz Sérgio Moro disse que, apesar do prometido, até hoje a Mendes Júnior não explicou a natureza dos repasses para Henriques. A empreiteira e o PMDB não comentaram o caso. A defesa do lobista ainda vai estudar o processo. Os valores teriam como um dos destinatários Jorge Zelada, ex-diretor de Internacional da Petrobras, indicado pelo partido. “Zelada nega o recebimento de qualquer vantagem indevida enquanto foi diretor da Petrobras”, disse o advogado Alexandre Lopes, que ainda vai analisar o caso.

A segunda “vertente” foi o repasse envolvendo o que o Ministério Público considera ligado a José Dirceu e André Vargas, ambos condenados e presos no Paraná. Documentos mostram que o consórcio Integra pagou R$ 6 milhões, “no período dos fatos”, segundo Moro, para a empresa Tecna-Isolux, que repassou R$ 2,9 milhões à Credencial Construtora, ligada a Dirceu. A empresa IT7 Sistemas, ligada a Vargas, repassou R$ 717 mil à JC&S Participações e Investimentos, firma de Júlio César Oliveira, que é representante da Isolux.

 

Pedido de doação

A terceira “vertente” envolve um depoimento de Eike. O empresário esteve no Paraná em maio, 18 dias depois que o ex-executivo da OSX Ivo Dworschak Filho compareceu à força-tarefa da Lava-Jato em Curitiba e o denunciou como participante do pagamento de propinas para pessoas ligadas a Dirceu. Em depoimento, Eike negou qualquer ato de corrupção. Mas disse que, em 1º de novembro de 2012, o então ministro da Fazenda, Guido Mantega, lhe pediu R$ 5 milhões para saldar dívidas de campanha do PT. A agenda do ministro e registros telefônicos reforçam as suspeitas da polícia e dos procuradores da Lava-Jato.

Dias depois da conversa, Eike relatou ter sido procurado por Mônica Moura. Para pagar, a Golden Rock Foundation, offshore do dono da OSX no Panamá, mandou US$ 2,35 milhões (R$ 7,5 milhões) para uma conta na Suíça da Shellbill Finance, do casal de marqueteiros do PT.

Para o procurador Carlos Fernando, em todos os três casos, houve corrupção consciente. “Temos evidências de que Eike sabia e participou do pagamento de propinas nos dois casos anteriores”, acrescentou. “Os fatos estão basicamente comprovados. Existem indicativos pela proximidade temporal e ausência de qualquer justificativa para esse pagamento e uso de expediente típico de lavagem de dinheiro: contratos no exterior com offshore, com contratos falsos.”

“Essa doação eleitoral não teve qualquer relação nem foi dada como contrapartida de qualquer negócio envolvendo a empresa OSX no âmbito do chamado Consórcio Integra ou qualquer outro”, garantiu a defesa de Eike ontem, em nota. “Os recursos utilizados por Eike Batista para a referida doação eleitoral são de origem lícita comprovada. Não foram decorrentes de pagamento de dividendos ou de qualquer espécie de repasse de recursos oriundos direta ou indiretamente da OSX, muito menos fruto de repasses da Integra.”

O advogado de Mantega, Guilherme Batochio, nega que seu cliente tenha pedido dinheiro a Eike. A defesa de João Santana e Mônica Moura disse que não comentaria o caso. O PT negou doações ilegais. Os demais investigados não foram localizados.

 

Vice do Flamengo presta depoimento

O advogado e vice-presidente de futebol do Flamengo, Flávio Godinho, foi conduzido para a sede da Polícia Federal (PF) no Rio, para prestar esclarecimentos na 34ª fase da Operação Lava-Jato. Ele atuou em cargos importantes das companhias do empresário Eike Batista, como o de diretor de Relações Institucionais da EBX, até 2013. A assessoria de imprensa do Flamengo informou que não se pronunciaria sobre o envolvimento do dirigente no processo. A PF no Rio cumpriu 13 mandados de busca e apreensão e realizou diligências na sede da OSX, de Eike, no Centro do Rio. O ex-presidente da empresa Luiz Eduardo Carneiro foi preso. A PF e a Receita Federal chegaram na empresa, que ocupa o décimo andar de um edifício na Rua do Passeio, por volta das 5h30, e só deixaram o endereço às 10h. Eles saíram com malotes com documentos.

 

Arquivo “X”

 

Operação mirou ações do grupo de Eike Batista e chegou a prender Mantega. Confira números sobre a ação policial

49 ordens judiciais:

8 prisões temporárias

» Guido Mantega (revogada no começo da tarde)

» Luiz Eduardo Carneiro

» Luiz Cláudio Machado Ribeiro

» Ruben Maciel da Costa Val

» Danilo Souza Baptista

» Francisco Corrales Kindelan

» Luiz Eduardo Neto Tachard

» Júlio César Oliveira Silva (não foi localizado)

 

8 conduções coercitivas

33 mandados de busca e apreensão

Onde: Distrito Federal, São Paulo,

Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Bahia

 

180 policiais federais

30 auditores da Receita

 

Correio braziliense, n. 19479, 23/09/2016. Política, p. 2/3