Ameaça de terror com DNA brasileiro

 

22/07/2016
Julia Chaib
Eduardo Militão

 

A 15 dias do início dos Jogos Olímpicos, pela primeira vez, a Lei Antiterrorismo teve de ser posta em prática pelo governo federal, ontem. Ao contrário do que se imaginava inicialmente, a ameaça de ataque não tinha identidade estrangeira. Dez brasileiros foram presos acusados de articular atentados no período. Dois estão foragidos. De acordo com as investigações da Operação Hashtag, como foi batizada, os supostos terroristas se comunicavam via redes sociais e aplicativos de mensagens e chegaram a tramar a compra de armas, como um fuzil AK-47. Alguns envolvidos fizeram um juramento ao Estado Islâmico, rede terrorista. Apesar da divulgação, ministros chamaram integrantes do grupo de “amadores” e voltaram a afirmar que o risco de terror é pequeno.

À noite, no Rio de Janeiro, o ministro da Justiça e Cidadania, Alexandre de Moraes, falou sobre a prisão de 10 pessoas sobre a suposta ligação com o Estado Islâmico. Segundo Moraes, a ação desta quinta, com a deportação, na sexta-feira passada, do físico e professor da UFRJ Adlène Hicheur, condenado por terrorismo na França, puseram fim a todas as possíveis ameaças detectadas de atentados durante a Olimpíada. “Com a prisão deles e a deportação (do professor) nós afastamos os dois únicos focos, que já estavam sendo rastreados, de possibilidade ainda que remota de terrorismo das Olimpíadas”, disse Moraes.

As investigações ocorrem desde abril, com o acompanhamento de informações publicadas pelos suspeitos em redes sociais. Segundo Moraes, eles se comunicavam por meio de aplicativos, como Telegram, em um grupo virtual denominado Defensores de Sharia, no Facebook. Informações obtidas, entre outras, a partir das quebras de sigilo de dados e telefônicos, revelaram que os investigados defendiam a intolerância racial, de gênero e religiosa. Os integrantes têm entre 20 a 40 anos. Dois já cumpriram pena por homicídio. Um menor de idade chegou a ser alvo de um mandado de busca e apreensão. O diretor presidente de uma ONG com ação humanitária e social também foi conduzido coercitivamente na Operação Hashtag.

O presidente em exercício, Michel Temer, foi informado da Operação na noite de quarta-feira, e ontem pela manhã teve uma reunião com o ministro da Justiça, Alexandre de Moraes. Em seguida, em coletiva de imprensa, Moraes justificou a ação policial — que teve cooperação de agências de investigação de outros países — diante de mensagens que passaram de vangloriar atentados recentes para colocar o Brasil como alvo pelo alto número de estrangeiros. Apesar disso, Moraes disse que se trata de “célula desorganizada”. “Mas qualquer ato preparatório, por mais insignificante que seja, terá uma resposta dura. Não há probabilidade, é mínima a probabilidade de que haja um ato terrorista.”

A 14ª Vara Federal de Curitiba autorizou cumprimento de 33 mandados judiciais em 10 estados. O Correio obteve nomes de 14 alvos dos pedidos de prisão temporária, conduções coercitivas ou buscas: Alisson Luan de Oliveira; Antônio Andrade dos Santos Júnior (nome fictício em rede social: Antônio Ahmed Andrade); Daniel Freitas Baltazar (Caio Pereira); Hortêncio Yoshitake (Teo Yoshi); Israel Pedra Mesquita; Leandro França de Oliveira; Leonid el Kadre de Melo (Abu Khalled); Levi Ribeiro Fernandes de Jesus (Muhammad au Huraia); Marco Mário Duarte (Zaid Duarte); Mohamad Mounir Zakaria (Zakaria Mounir); Oziris Moris Lundi dos Santos Azevedo (Ali Lundi); Valdir Pereira da Rocha (Mahmoud); e Vítor Barbosa Magalhães (Vitor Abdullah).

Em entrevista ao portal G1, a mãe do funileiro Vitor Magalhães, que foi preso por suspeita de ligação com o grupo terrorista Estado Islâmico disse que o filho vai provar que é inocente. “Ele não é terrorista”, disse Rosemeire Barbosa, de 45 anos.

 

Fuzil

Um dos integrantes chegou a entrar em contato recentemente com um site de armas clandestinas no Paraguai, buscando a compra de um fuzil AK-47, mas não se sabe se ele conseguiu adquirir.

De acordo com o juiz responsável pelo caso em Curitiba, Marcos Josegrei da Silva, não há líderes no grupo, diferentemente da avaliação do ministro. Silva disse ainda que a operação não indica que há no Brasil uma “célula terrorista em plena atividade”, mas que os mandados ocorreram para que se “confirmasse” as ações. “Quando digo atos, além da tentativa de compra de um fuzil, há também afirmações do tipo que as Olimpíadas seriam uma oportunidade para demonstrar atuações concretas envolvendo essa organização terrorista”, disse.

O ministro informou que nem todos os 10 se conheciam. No entanto, “vários” fizeram o chamado “batismo no Estado Islâmico”, um juramento padrão feito pela internet. Foi considerado o primeiro e único “contato mais próximo” com o grupo terrorista. Os integrantes do grupo ficarão presos por 30 dias, renováveis por mais 30. Eles serão encaminhados a um dos cinco presídios federais no Brasil. Brasília não tem presídio federal.

 

Por dentro da Operação Hashtag

Após investigação da Polícia Federal, Justiça ordena cumprimento de 33 mandados contra suspeitos de terrorismo. É a primeira vez que a Lei Anterrorismo, sancionada em março, é aplicada

 

Quando começou o monitoramento?

» Em abril

 

De que forma?

» Agentes da Polícia Federal e da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) passaram a rastrear o grupo em comunicações nas redes sociais e aplicativos de mensagens, como o Telegram. O ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, não detalhou como a PF teve acesso às mensagens, já que o serviço é criptografado.

 

O que a investigação identificou nas mensagens?

» Exaltação de recentes atos terroristas praticados por “lobos solitários”, como em Nice, no sul da França, na última quinta-feira; e o atentado a uma boate gay em Orlando, em junho

» Ordens para que o grupo procurasse aulas de artes marciais

» Pedido de compra de um fuzil AK-47, em um site de armas clandestinas no Paraguai

 

Ordens expedidas da 14ª Vara Federal de Curitiba

» Pedidos de prisão: 12*

» Conduções coercitivas: 2

» Busca e apreensão: 19

* Dois supostos terroristas não haviam sido encontrados até o fechamento desta edição

 

Onde?

» Em 10 estados: Amazonas, Ceará, Paraíba, Goiás, Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná, Rio Grande do Sul e Mato Grosso

 

O que diz a lei

A Lei 13.260, de 16 de março de 2016, criminaliza o terrorismo da seguinte forma:

Artigo 3º: Promover, constituir, integrar ou prestar auxílio, pessoalmente ou por interposta pessoa, a organização terrorista

Pena: reclusão, de 5 a 8 anos, e multa.

Artigo 5º: Realizar atos preparatórios de terrorismo com o propósito inequívoco de consumar tal delito.

Pena: a correspondente ao delito consumado, diminuída de um quarto até a metade.

 

Correio braziliense, n. 19415, 22/07/2016. Política, p. 2