Correio braziliense, n. 19451, 27/08/2016. Política, p. 2

Baixarias a 72h do impeachment

Confusão entre Renan, Gleisi, Lindbergh e Caiado interrompe a sessão e derruba o nível do debate sobre o processo de afastamento de Dilma

Por: Natália Lambert, Antonio Temoteo, Paulo de Tarso Lyra e Eduardo Militão

 

O Senado atingiu ontem o nível mais baixo no debate político desde a abertura do processo de impeachment da presidente afastada, Dilma Rousseff. Um bate-boca generalizado, que começou novamente após um entrevero entre os senadores Lindbergh Farias (PT-RJ) e Ronaldo Caiado (DEM-GO), levou o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), a pedir a palavra para acalmar os ânimos. Em vez disso, ele riscou o fósforo e o plenário explodiu de vez.Renan criticou a postura da petista Gleisi Hoffmann (PT-PR), por ter dito três vezes, ao longo dos últimos dois dias, que o Senado não tem moral para julgar Dilma Rousseff. “Ela não pode dizer isso, quem não tem moral é ela. Essa não é uma Casa de doidos”. Alguém lhe soprou no ouvido que isso incendiaria o circo. Renan não recuou.

“Como uma senadora pode fazer uma declaração dessa? Exatamente uma senadora que conseguiu, há 30 dias, que o presidente do Senado Federal conseguisse, no Supremo Tribunal Federal, desfazer o seu indiciamento e do seu marido.” Em 23 de junho deste ano, o marido da senadora, o ex-ministro do Planejamento Paulo Bernardo, foi preso na Operação Custo Brasil, um desdobramento da Lava-Jato, acusado de montar um esquema de fraudes na liberação de créditos consignados que teria desviado cerca de R$ 100 milhões.
Gleisi se exasperou. Disse que era mentira. Lindbergh encostou em Renan, e o presidente do Senado pediu para que o petista tirasse a mão do ombro dele. Assustado, o presidente do Supremo Tribunal Federal, Ricardo Lewandowski, que comanda a sessão do impeachment, resolveu antecipar a pausa para o almoço para que os senadores esfriassem a cabeça. “Vou utilizar meu poder de polícia para exigir o respeito muito”, disse o presidente do Supremo.
“Achei desproporcional as palavras da senadora Gleisi. Mas admito que também me excedi”, disse Renan, no fim da tarde. “O que os deixa irritados é que estamos chegando até o fim do processo e eles não conseguem descobrir como me posicionarei. E não direi. Não gosto de me explicar, prefiro que me interpretem”, filosofou.O presidente do Senado repetiu a menção que fizera a Nelson Rodrigues na intervenção. Só que, desta vez, remeteu-a ao contexto do prolongamento do embate político na Casa. “A burrice é infinita. Por isso ele dizia que queria ser burro, para ser mais feliz. Esse embate político não está levando a nada, eles não estão ganhando nenhum voto. Pelo contrário, estão perdendo”, completou.

Renan já havia explicado, por meio de nota oficial, que as referências feitas por ele em relação a Gleisi eram alusivas a duas petições protocoladas pela Mesa Diretora perante o Supremo Tribunal Federal para tratar de manifestação pública e institucional decorrente da operação de busca e apreensão realizada no imóvel funcional ocupado pela senadora e do indiciamento da congressista pela Polícia Federal. “Tanto ela quanto Lindbergh me agradeceram no plenário”, ironizou.

Conselho de Ética

No início da noite, Gleisi afirmou que não pedirá desculpas por nenhuma de suas palavras. Ela ainda reiterou o que dissera na quinta-feira. “Uma parte dos senadores não pode participar (deste julgamento)”, reafirmou Gleisi. “Eu mesma respondo a inquérito”, lembrou, ao se referir a um caso em que o Ministério Público a acusa no Supremo Tribunal Federal de receber R$ 1 milhão em propina desviada da Petrobras.A senadora Ana Amélia (PP-RS) disse que pretende ingressar com uma queixa contra Gleisi no Conselho de Ética — em caso de condenação no colegiado e no plenário, poderia haver até a cassação de mandato. Mas a senadora petista disse que não ofendeu o Senado. “Não pretendo fazer pedido de desculpas. Não ofendi a instituição.”Líder do PMDB no Senado, Eunício Oliveira (CE) admitiu que caberia a abertura de um processo contra Gleisi no Conselho de Ética. Mas ele, pessoalmente, acha que isso não ajuda no momento, pois serviria apenas para acirrar ainda mais os ânimos políticos.Se Gleisi não recua, os senadores Lindbergh Farias (PT-RJ) e Ronaldo Caiado (DEM-GO) tampouco mudaram suas posições. Eles foram o estopim da confusão que culminou com a suspensão da sessão, após Caiado acusar Gleisi de ter aliciado a testemunha Esther Dweck, ao chamá-la para trabalhar na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE). Na sequência, Lindbergh bradou ao microfone em defesa de Gleisi. “Esse senador que me antecedeu é um desqualificado.”A sessão foi suspensa pelo presidente do STF por cinco minutos e os microfones, cortados. Enquanto Lindbergh gritava que quem sabia de Caiado era o empresário preso Carlinhos Cachoeira, Caiado afirmava que havia uma “cracolândia no gabinete do senador fluminense” e usava termos como “canalha” e “comedor de bola (suborno)” para ofender o Lindbergh.

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Lula vai acompanhar discurso na segunda

 

Depois de dois dias de suspense, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, finalmente, decidiu que estará ao lado de Dilma Rousseff na próxima segunda-feira. Por uma questão de solidariedade, ele vai acompanhar a pupila e será a principal estrela da comitiva de 20 pessoas que acompanharão a presidente afastada no discurso que ela fará perante os senadores que analisam o pedido de impeachment dela.O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), reservou um espaço semelhante para os convidados dos defensores do impeachment. Lula ficará na galeria do Senado, e não em uma sala reservada pela liderança do PT na Casa. O ex-presidente, inclusive, esteve em Brasília ao longo da tarde de ontem. Reuniu-se no Palácio da Alvorada com senadores do PT e de outras legendas, sobretudo aqueles nos quais a defesa de Dilma ainda vislumbra a possibilidade de reversão de votos.O ex-presidente retornou ontem mesmo para São Paulo (leia mais sobre o indiciamento dele na página 6), mas chegará a Brasília na noite de domingo, para jantar com Dilma e ajudar a alinhavar o discurso que a pupila fará na segunda-feira. A presença do ex-presidente nesta reta final pode ser encarada como a última esperança dos petistas.Ele já havia avisado que poderia participar das negociações caso houvesse alguma chance de reversão de votos. Lula ainda tem na memória a frustração do processo de impeachment na Câmara, quando recebeu diversos deputados em um hotel da cidade — entre eles, o deputado Tiririca (PR-SP) —, mas todos eles votaram a favor do afastamento.


Raiva
Mesmo considerando que o jogo está decidido já, Lula não abandona sua pupila. Pensa em 2018, na sobrevivência do PT, mas não esquece que o surgimento de Dilma Rousseff no cenário nacional é responsabilidade dele — embora ninguém no partido lhe cobre essa fatura. “Você acha que eu não tenho raiva de Dilma pelas coisas que ela fez de errado? Tenho, muita raiva. Mas, quando isso acontece, eu desligo o telefone e espero a raiva passar. Não vou romper com ela”, disse Lula a um aliado.Representantes da Frente Brasil Popular e Povo Sem Medo, que incluem movimentos sociais e partidos de esquerda, chegarão no domingo a Brasília para uma vigília à espera do depoimento. Eles pretendem receber a presidente, na segunda-feira, na porta do Senado Federal, com flores e realizar atos ao longo de todo o dia, em Brasília e em outras capitais.