Correio braziliense, n. 19378, 15/06/2016. Política, p. 2

Derrotado, Cunha aposta na CCJ

Conselho de Ética aprova o pedido de cassação do mandato do presidente afastado da Câmara. Defesa vai recorrer à Comissão de Constituição e Justiça, onde aliados tentam salvá-lo

Por: Julia Chaib, Natália Lambert e Paulo de Tarso Lyra

 

Depois de 191 dias, o processo mais longo da história do Conselho de Ética da Câmara dos Deputados teve um desfecho na tarde de ontem. Por 11 x 9, o colegiado aprovou a cassação do mandato presidente afastado da Casa, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). A perda da função de Cunha, no entanto, só ocorrerá depois de votação no plenário, o que não tem data para ocorrer. O caminho até lá, porém, deverá ser longo e começará com questionamentos à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). O advogado de Cunha, Marcelo Nobre, afirmou que apresentará recurso ao colegiado. Na avaliação de aliados do peemedebista, porém, a situação do deputado se complicou. E o Planalto não deve interferir no processo.

O processo no conselho foi alvo de manobras e surpresas até o fim. A deputada Tia Eron (PRB-BA) acabou se tornando peça chave para o processo e deu voto a favor do parecer do relator Marcos Rogério (DEM-RO), pela cassação. A expectativa era de que, nesse cenário, o presidente do colegiado, José Carlos Araújo (PR-BA), desse o voto de minerva para cassar Cunha, o que não foi necessário porque o deputado Wladimir Costa (SD-PA) mudou seu voto e seguiu Tia Eron.

A publicação da decisão de ontem deve ocorrer de dois a cinco dias úteis. A partir de então, há o prazo de cinco dias úteis para apresentação de recursos à CCJ — onde a pauta fica trancada — e cinco dias úteis para análise deles. Se o processo não retornar ao Conselho de Ética, ele é encaminhado ao plenário, onde o presidente da Casa deverá lê-lo em expediente. Não há, no entanto, prazo para a leitura. O presidente Waldir Maranhão (PP-MA), aliado de Cunha, poderá levar o tempo que quiser. E, só depois da leitura, há o prazo de duas sessões para pautar a votação. São necessários 257 dos 513 votos para aprovar a cassação.

Logo após a proclamação do resultado, o advogado de Cunha, Marcelo Nobre, adiantou que recorrerá à CCJ. “A defesa entende que houve uma condenação sem existência de prova no cerne da controvérsia da impugnação do Conselho de Ética que é a mentira e ele não mentir”, disse. Nobre afirmou que Cunha foi alvo de um “linchamento” no colegiado e que não há provas para cassá-lo. Nobre deve questionar o fato de a votação ter sido nominal e, portanto, simbólica.

Apesar do esforço para salvar Cunha, os próprios aliados dele avaliam que a situação do presidente afastado é complicada. O Planalto não deve interferir em favor do peemedebista. Um dos motivos seria a chateação do ministro da Secretaria de Governo, Geddel Vieira Lima, com o vazamento do encontro que teve com Cunha. “Eu só sei que o Cunha fez muito pelo Planalto e o governo deveria se lembrar disso”, ameaçou um aliado que votou contra a cassação no Conselho de Ética. “Mas a situação dele está muito difícil. O Cunha está asfixiado por todos os lados”, completou o parlamentar.

Embora contente com a aprovação do relatório, deputados contrários a Cunha sabem do caminho que têm pela frente. “Eu ainda acredito em manobras. Eles vão tentar usar a consulta e outros recursos para livrá-los da cassação. Mas hoje o resultado mostra que ele perde força e que a Justiça começa a ser feita aqui na Câmara”, disse o deputado Alessandro Molon (Rede-RJ). O parlamentar disse também que pressionará para que seja ágil o processo. “Naturalmente vamos cobrar. Já são oito meses. É preciso cassar o mandato do deputado o quanto antes”, afirmou.

Em nota, Cunha disse que o presidente da Conselho de Ética, José Carlos Araújo (PR-BA), colocou o processo em votação, após “inúmeras manobras de adiamento”. O peemedebista afirmou ser inocente e disse que o processo foi conduzido com parcialidade. “Essas nulidades serão todas objeto de recurso com efeito suspensivo à CCJ, onde, tenho absoluta confiança, esse parecer não será levado adiante”, afirmou.

 

Troca

Além dos recursos, há outra frente na CCJ com a qual os aliados de Cunha podem agir, para aprovar o parecer protocolado no colegiado pelo deputado Arthur Lira (PP-AL), que sugeriu rito de votação que pode abrandar a pena do peemedebista e até causar o arquivamento do processo. Ontem, partidos substituíram dois integrantes do colegiado. Os deputados Major Olímpio (SD-SP) por Lucas Vergílio (SD-PA), e Bacelar (PTN-BA) trocado por Carlos Gaguim (PTN-TO). Ambos são adversários declarados do presidente afastado da Câmara e fizeram questão de dizer que não pediram para sair. “Fui afastado contra a minha vontade desta comissão”, disse Bacelar.

A votação no Conselho de Ética foi marcada por embates entre parlamentares e teve também a presença de outras pessoas, que protestaram contra Cunha. Antes da chegada da deputada Tia Eron, que foi voto decisivo, o clima era de muita apreensão. Inicialmente, havia a dúvida se a votação ocorreria. Adversários de Cunha estudavam postergar a votação, incluindo elementos no parecer. Mas o relator, Marcos Rogério (DEM-RO), rejeitou as informações enviadas pelo Banco Central ao Conselho de Ética a respeito da existência de contas do peemedebista não declaradas no exterior, o que não adiou o processo.

 

Quem votou como

Confira quem votou contra e a favor da cassação de Eduardo Cunha. O placar final ficou 11 x 9 pela perda do mandato

 

SIM (a favor da cassação)

Marcos Rogério (DEM-RO)

Paulo Azi (DEM-BA)

Tia Eron (PRB-BA)

Leo de Brito (PT-AC)

Sandro Alex (PSD-RR)

Valmir Prascidelli (PT-SP)

Zé Geraldo (PSB-MG)

Nelson Marchezan Junior (PSDB-RS)

Wladimir Costa (SD-PA)

Julio Delgado (PSB-MG)

Betinho Gomes (PSDB-PE)

 

 

NÃO (contra a cassação)

André Fufuca (PP-MA)

Mauro Lopes (PMDB-RR)

Nelson Meurer (PP-PR)

Sergio Moraes (PTB-RS)

Washington Reis (PMDB-RJ)

Laerte Bessa (PR-DF)

Wellington Roberto (PR-PB)

João Carlos Bacelar (PR-BA)

Alberto Filho (PMDB-MA)

 

* O presidente do Conselho de Ética, José Carlos Araújo (PR-BA), só votaria em caso de empate

 

 

O caminho do processo

Confira o trajeto a ser percorrido pelo relatório até que ele seja efetivamente analisado, e o deputado afastado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) tenha o mandato parlamentar definitivamente cassado.

 

1) Publicação do resultado no Diário Oficial da Câmara dos Deputados

Essa etapa pode durar de dois a cinco dias

 

2) Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ)

Prazo de cinco dias úteis para apresentação de recursos. A CCJ vota apenas os recursos e não o mérito em si do relatório e mais cinco dias úteis para análise dos recursos que vierem a ser apresentados

Se o recurso for aprovado, processo volta ao Conselho de Ética. Se não, segue para o Plenário

 

3) Plenário

O presidente lê o parecer em expediente. Não há prazo para isso. Depois da leitura, prazo de duas sessões para pautar a votação. Aprovação se dá por maioria absoluta, metade mais um do total de deputados: 257 votos.