Agora, a delação

 

02/08/2016
Renato Onofre

 

O marqueteiro petista João Santana e sua mulher, Mônica Moura, foram soltos ontem em Curitiba, depois de cinco meses de prisão. Antes, o casal, acusado de receber parte dos recursos desviados da Petrobras como pagamento de parte da campanha da presidente afastada, Dilma Rousseff (PT), teve de pagar uma fiança de R$ 31,5 milhões — equivalente a um prêmio da Mega-Sena. Além disso, eles estão proibidos de participar de qualquer campanha eleitoral no Brasil até nova decisão judicial. Também não podem deixar o país nem conversar com pessoas envolvidas nas investigações da Lava-Jato.

A fiança foi determinada de acordo com o valor bloqueado na conta dos dois (R$ 28 milhões na de Mônica e o restante na de Santana). É a maior fiança paga desde o início das investigações, em março de 2014. O dinheiro vai para uma conta judicial e só será devolvida ao investigado se comprovada sua inocência. O casal já admitiu caixa dois; o dinheiro deve ser devolvido aos cofres públicos.

A decisão do juiz federal Sérgio Moro surpreendeu investigadores da LavaJato, que queriam a manutenção da prisão preventiva do casal. A força-tarefa estuda como recorrer da medida. Santana e Mônica não precisarão usar tornozeleiras eletrônicas. Para Moro, a prisão deles não era mais “absolutamente necessária”, já que a fase de instrução do processo — quando são apresentadas as provas e as testemunhas, ouvidas — está no fim, e o casal está “disposto a esclarecer os fatos”.

 

PARA MORO, SITUAÇÃO DISTINTA

Moro afirmou que a situação do casal é diferente de outros personagens da Lava-Jato, como operadores, empreiteiros, ex-funcionários da Petrobras e políticos beneficiários do esquema.

“A situação de ambos difere, em parte, da de outras pessoas envolvidas no esquema criminoso da Petrobras. Afinal, não são agentes públicos ou políticos beneficiários dos pagamentos de propina, nem são dirigentes das empreiteiras que pagaram propina ou lavadores profissionais de dinheiro”, escreveu Moro.

O juiz ressaltou, no entanto, que isso não minimiza a gravidade da conduta de ambos, que está sendo investigada. O casal foi preso em 22 de fevereiro. Os dois se tornaram réus em duas ações por corrupção e lavagem de dinheiro, por terem recebido valores da Odebrecht e do operador Zwi Skornick. Eles confessaram ter recebido US$ 4,5 milhões em uma conta secreta na Suíça como pagamento de campanha eleitoral da então candidato a presidente Dilma Rousseff, em 2010.

A Lava-Jato também acusa o marqueteiro e sua mulher de terem recebido R$ 23,5 milhões em espécie, no Brasil. A força-tarefa afirma que os valores saíram de contratos da Petrobras com empreiteiras investigadas e correspondiam a propina destinada a partidos políticos.

“Embora isso não exclua a sua eventual responsabilidade criminal, a ser analisada quando do julgamento, é possível reconhecer, mesmo nessa fase, que, mesmo se existente, (o casal) encontra-se em um nível talvez inferior da de corruptores, corrompidos e profissionais do crime”, diz o despacho.

Apesar de reconhecer previamente um papel menor dos dois no esquema, Moro alertou que os indícios de recebimento “sistemático” de valores não declarados à Justiça Eleitoral são graves. Foi por essa razão que a Justiça proibiu ambos de atuarem direta ou indiretamente em novas eleições. Na prática, nem a Pólis, agência do casal que comandou campanhas petistas nos últimos dez anos, poderá prestar serviços na corrida eleitoral que começa na segunda quinzena deste mês.

— A decisão restabelece a justiça. Os interrogatórios deixaram claro que, independentemente do resultado, a prisão preventiva não tem mais razão de ser — afirmou o criminalista Fabio Tofic, que defende o casal.

 

ACORDO EM NEGOCIAÇÃO

A decisão favorável ao casal acontece menos de quinze dias depois da mudança de postura de Santana e Mônica. Em depoimento à Justiça no último dia 22 de julho, o casal voltou atrás da primeira versão apresentada à Polícia Federal, quando foi preso. Nessa ocasião, os dois disseram que o pagamento recebido no exterior era relativo a uma campanha eleitoral em Angola.

Apesar de libertá-los, Moro fez críticas a eles pelos falsos “álibis” usados no início do processo, justamente a informação sobre a campanha de Angola e o fato de o marqueteiro dizer que não sabia sobre as questões financeiras da empresa.

Em depoimento a Moro há duas semanas, Santana admitiu ter mentido para tentar preservar Dilma e confessou saber dos pagamentos ilícitos. Santana afirmou que “98% das campanhas” eleitorais no Brasil fazem uso da prática ilícita. Disse também que, sem caixa dois, era praticamente “impossível se manter na profissão”.

O juiz disse que a mentira é uma “trapaça que não pode ser subestimada”, e que é preciso “censurar em ambos a naturalidade e a desfaçatez com as quais receberam, como eles mesmo admitem, recursos não contabilizados”. “Se um ladrão de bancos afirma ao juiz como álibi que outros também roubam bancos, isso não faz qualquer diferença em relação a sua culpa”, afirmou o juiz.

Apesar da liberdade, Santana e Mônica negociam um acordo de delação. No último dia 21, O GLOBO revelou que eles assinaram um termo de confidencialidade com a Procuradoria-Geral da República, documento que marca o início do processo formal de colaboração. Por mais de um mês, desde 15 de junho, eles ficaram na Superintendência da Polícia Federal negociando os termos com advogados e investigadores. O criminalista Fabio Tofic disse que não comentará a possível delação. A força-tarefa da LavaJato também não se manifestou. (Colaboraram Thiago Herdy e Tiago Dantas)

 

O QUE DISSERAM AO DEPOR EM 21 DE JULHO

“Não quis atrapalhar esse processo (político), não quis incriminá-la (Dilma). Achava que eu ia piorar a situação, contribuir para piorar a situação do país falando o que realmente aconteceu e acabei falando que foi recebimento de uma campanha do exterior. Queria apenas poupar de piorar a situação do que estava acontecendo naquele momento”

Mônica Moura

 

“Os partidos não querem declarar o real valor que recebem das empresas e, em contrapartida, as empresas não querem declarar o real valor que doam. Nós, profissionais, ficamos no meio disso. Portanto, nunca era declarado o valor. Não era uma opção minha, era uma prática, não só no PT, mas de todos os partidos. Meu grande erro (foi esse). Me submeti a isso”

Mônica Moura

 

“Se todos que já foram remunerados com caixa 2 no Brasil fossem tratados com o mesmo rigor que eu, sairia uma fila atrás de mim aqui, que iria bater em Brasília e Manaus. Podia ser fotografada de satélite porque são milhões de pessoas que passam por isso”

João Santana

 

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O enigmático sorriso de Mônica

 
02/08/2016

 

Cinco meses separam duas imagens que, nem à distância, parecem remeter a uma personagem que passou todo esse período atrás das grades. Assim como aconteceu em fevereiro, quando chegou à carceragem da Polícia Federal de Curitiba com sorriso largo e mascando chiclete, desta vez Mônica Moura aparentemente abandonou apenas a goma de mascar.

Mônica não escondeu ontem a felicidade em deixar o cárcere. Já dentro do carro que a levaria para o aeroporto, ao lado do advogado, ela mirou as lentes do fotógrafo do GLOBO e, com óculos parecidos com os quais chegou em Curitiba, respondeu aos cliques com um sorriso de capa de revista.

A aparente alegria da mulher que confessou praticar caixa dois na campanha presidencial de Dilma Rousseff é enigmático, considerando, entre outros fatores, o fato de que, horas antes, a Justiça divulgava que ela só foi liberada após pagar R$ 28 milhões de fiança. Também foi avisada de que não pode deixar o país — privando o casal de temporadas no apartamento de Nova York —, tampouco fazer campanhas eleitorais ou falar com pessoas que, assim como ela, respondem a crimes investigados na Operação Lava-Jato.

Ao longo dos cinco últimos meses, Mônica enfrentou uma rotina pesada. Segundo a imprensa, chegou a fazer cortina de papel higiênico para ganhar privacidade no momento em que usava o banheiro da pequena cela da Polícia Federal

Tinha, de acordo com agentes federais, a tarefa de limpar a cela que , por um tempo, dividiu com a polêmica doleira Nelma Kodama, apontada como elo de Alberto Yousseff no esquema de corrupção.

Acompanhada do marido, João Santana, Mônica deveria seguir entre ontem e hoje para Salvador, onde o casal mora quando está no Brasil.

Antes de entrar no carro, diante dos jornalistas, fechou o semblante. Séria, seguiu por alguns metros sem responder às perguntas dos repórteres. Santana, por sua vez, parecia muito mais relaxado enquanto andava até o carro, mas tão calado quanto Mônica.

Pessoas próximas do casal classificam a mulher de Santana como um “trator”, segundo O GLOBO revelou em reportagem quando o casal foi preso.

Aos 54 anos, ela é apontada como uma profissional incansável, que ajudou a viabilizar a milionária carreira do marido no marketing político. (Colaborou Mariana Sanches).

 

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Duda também admitiu uso de caixa dois

 

02/08/2016

 

A situação do marqueteiro João Santana, ao ser solto por decisão do juiz federal Sérgio Moro, remete ao episódio do seu antecessor no posto de principal publicitário do PT, Duda Mendonça. Em 2005, no auge do escândalo de mensalão, Duda admitiu, ao depor na CPI dos Correios, ter recebido dinheiro no exterior como pagamento de dívidas da campanha de Luiz Inácio Lula da Silva a presidente em 2002.

Na época, Lula, assim como faz agora a presidente afastada, Dilma Rousseff, alegou que não sabia de nada. Duda, que diferentemente de Santana, nunca chegou ser preso pelo caso: foi denunciado pela Procuradoria-Geral da República pelos crimes de lavagem de dinheiro e evasão de divisas e virou réu. No entanto, em 2012, o Supremo Tribunal Federal (STF) absolveu o marqueteiro pelos dois crimes porque, em resumo, não ficou provado que Duda soubesse da origem ilegal do dinheiro.

Os petistas avaliam que a soltura do casal João Santana e Monica Moura segue o padrão de atuação do juiz Sérgio Moro: forçar réus a fazerem acusações contra o partido, após a constatação de que, sem essa atitude, continuariam presos.

— Prende, força a delação e depois solta. Não há novidade. O padrão do senhor Moro é esse: delata solta. E ainda delata o que ele quer ouvir — afirmou o deputado federal Wadih Damous (PT-RJ), um dos maiores críticos do magistrado.

Para um outro petista, os requisitos citados por Moro no despacho, de que a situação do casal se difere de políticos e operadores do esquema de corrupção da Petrobras, já estavam presentes no momento da prisão do marqueteiro e de sua mulher, em fevereiro.

— Depois que entrega a campanha (de Dilma) é solto. Quem não entrega a campanha fica preso — acusa o petista.

 

O globo, n. 30311, 02/08/2016. País, p. 3