Cunha: sob protestos, votação fica para hoje

Leticia Fernandes

14/07/2016

 

 

‘Vergonha’, gritam deputados, após Serraglio encerrar sessão da CCJ pouco antes de decisão sobre recurso

Sob protestos e gritos de “vergonha”, o presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, Osmar Serraglio (PMDB-PR), decidiu, após sete horas de sessão, encerrar a reunião de ontem que poderia selar o destino de Eduardo Cunha (PMDB-RJ) na CCJ. Com isso, a votação no plenário da Câmara que decidirá se Cunha terá o mandato cassado ficará para agosto, na volta do recesso parlamentar. No entanto, se não houver nova protelação, ainda hoje a CCJ poderá decidir sobre o último recurso do peemedebista.

Criticado pelos parlamentares que queriam fazer a votação na CCJ ontem, Serraglio atribuiu sua decisão às idas e vindas do presidente interino da Câmara, Waldir Maranhão (PP-MA), que mudou várias vezes o horário da sessão no plenário que elegeria o novo presidente da Câmara.

A decisão do presidente da CCJ provocou a revolta dos parlamentares contrários a Cunha. O plenário estava prestes a votar o relatório de Ronaldo Fonseca (PROS-DF) sobre recurso do peemedebista. O relator, inclusive, já tinha até feito sua explanação final, e faltava apenas ouvir as últimas considerações de Cunha antes de iniciar a votação.

 

CULPA ATRIBUÍDA A MARANHÃO

Mas Serraglio, escolhido para presidir a CCJ com ajuda de Cunha, foi irredutível. Ele se queixou do fato de Maranhão ter inicialmente adiado a sessão no plenário e depois, pressionado por líderes do centrão, antecipado novamente o horário da eleição do presidente da Casa, já advertindo que mudaria uma terceira vez caso o processo contra Cunha não fosse resolvido até o horário estipulado.

— Eu lamento, mas há uma evidente manipulação nisso. Ele (Maranhão) não se envergonha de ter a cada minuto um horário? — perguntou Serraglio.

Um dos mais ferrenhos opositores de Cunha, o deputado Júlio Delgado (PSBMG) se descontrolou quando Serraglio bateu o martelo sobre o fim da sessão.

— Isso é uma vergonha! E o pior é eleger um candidato do Cunha nessa Casa — gritou, olhando para Cunha, que ainda estava na sala.

Também irritado, o deputado Chico Alencar (PSOL-RJ) questionou a proximidade de Serraglio com Cunha:

— É incrível a capacidade de manipulação de Eduardo Cunha, junto ao presidente da CCJ e ao relator. É uma mesa de cumplicidades que encerra uma sessão de maneira covarde. E agora vamos ficar tomando lanchinho esperando a eleição do novo presidente. E amanhã (hoje) os aliados do Cunha virão com um novo kit obstrução.

Depois de encerrar a sessão, Serraglio negou que seja aliado do deputado afastado e disse que as pessoas que afirmam isso são irresponsáveis.

— São pessoas irresponsáveis, por quererem carimbar algo. A prova é como eu conduzi (as sessões). Se os dois lados estão batendo em mim é porque estou correto. Os dois lados estão bravos comigo — afirmou.

 

“QUEM FALTAR SERÁ ESCRACHADO”

Serraglio disse que será possível votar o recurso de Cunha hoje, e quem faltar à reunião “será escrachado”:

— Se eles não votarem amanhã (hoje), os culpados serão eles. Amanhã (hoje) dá para fazer até a madrugada do outro dia. Não tem como não terminar. Quem não comparecer à CCJ vai ser escrachado.

Também considerado aliado de Cunha, o relator Ronaldo Fonseca aceitou apenas uma das 16 nulidades apresentadas na defesa de Cunha. Agora, se o parecer de Fonseca for rejeitado, o parecer já aprovado pelo Conselho de Ética, que aprovou a cassação do mandato de Cunha, seguirá para plenário e precisará que ter o aval de 257 dos 513 deputados para ser aprovado. Mas se o parecer de Fonseca for vencedor, o processo de cassação volta ao Conselho de Ética para ser apreciado novamente.

Cunha atribuiu o adiamento da votação do recurso a Waldir Maranhão. Ele voltou a classificar o período de Maranhão à frente da Câmara como “interinidade bizarra”. E disse que Maranhão age à serviço do PT.

— Nós temos um presidente interino à serviço do PT, da Dilma e do Lula. Cansamos de ver isso que está acontecendo. Essa interinidade bizarra está provocando tudo isso. Não pode continuar do jeito que está — disse Cunha, que negou ter pedido que o presidente da CCJ suspendesse a sessão.

Apesar das manobras para prolongar o andamento do processo, a derrota de Cunha é dada como certa entre integrantes da CCJ e mesmo por Serraglio, para quem o ex-presidente da Câmara está “encurralado”. Durante a sessão de ontem, foram ao menos duas demonstrações de que a influência do peemedebista diminuiu. Na tentativa de fazer manobras para levar a votação na CCJ para agosto, aliados de Cunha apresentaram requerimentos para retirar de pauta a matéria, alegando que o relator precisava de mais tempo para analisar os votos em separado apresentados. Quando as votações aconteceram no painel eletrônico, Cunha foi sempre derrotado por considerável margem.

A última votação do dia feita pelo painel foi a pedida pelo deputado Alessandro Molon, que apresentou à Mesa um requerimento de encerramento da discussão para que se passasse à votação do parecer de Fonseca. Esse requerimento foi aprovado por 37 dos 55 votantes, sendo que apenas 17 foram contra e um se absteve.

Com tantas protelações, a sessão acabou encerrada por volta de 17h20m, depois de muitos ânimos exaltados, com direito a bate-boca entre deputados e uso excessivo de manobras regimentais. Uma verdadeira força-tarefa se uniu para blindar Cunha. (Colaboraram Manoel Ventura e Renan Xavier)

 

 

O globo, n. 30292, 14/07/2016. País, p. 6.