O globo, n. 30286, 08/07/2016. País, p. 4

Acordo que levou à renúncia teve aval de Temer e PMDB

Processo de cassação de Cunha deve voltar ao Conselho de Ética

Por: JÚNIA GAMA ISABEL BRAGA

 

-BRASÍLIA- O acordo que possibilitou a renúncia do deputado afastado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) à presidência da Câmara consistiu na promessa de lhe dar uma sobrevida com a devolução de seu processo ao Conselho de Ética. Em uma articulação que contou com o aval do presidente interino, Michel Temer, e da qual participaram o presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), Osmar Serraglio (PMDB-PR), além de outros parlamentares do PMDB e de partidos da base, ficou decidido que, em troca da renúncia, o processo de cassação do mandato seria devolvido, de ofício, ao conselho.

O acordo foi fechado na noite de quarta-feira. Logo após anunciar sua renúncia, no início da tarde de ontem, Cunha se dirigiu à CCJ, onde protocolou um aditamento pedindo que seu processo seja devolvido ao Conselho de Ética, com o argumento de que seu julgamento no colegiado ocorreu levando em conta que ele presidia a Câmara, situação que agora mudou. O ofício será encaminhado ao relator do processo de Cunha na CCJ, deputado Ronaldo Fonseca (PROS-DF), que, de acordo com a negociação, daria parecer favorável ao pedido. Em seguida, Serraglio daria despacho favorável à devolução do processo.

Após receber o ofício de Cunha, Serraglio cancelou a sessão da CCJ da próxima segunda-feira. Com isto, as chances de votação do processo de cassação de Cunha antes do recesso parlamentar se tornaram praticamente nulas.

— Cancelei para que não haja nenhuma nulidade — alegou Serraglio.

Por meio de assessoria, o Palácio do Planalto negou “terminantemente” qualquer interferência na articulação pela renúncia de Cunha. Na terça-feira, O GLOBO mostrou que Temer aconselhou Cunha a renunciar ao cargo.

Para os participantes da articulação, está claro que a manobra não salvará Cunha da cassação do mandato, mas lhe dará uma sobrevida para trabalhar sua defesa no Supremo Tribunal Federal e negociar uma saída para sua mulher, Cláudia Cruz, também ré na Lava-Jato, e sua filha Danielle Dytz, investigada na operação. Há uma forte preocupação, tanto no Planalto, quanto entre os parlamentares, com a possibilidade de Cunha tomar “atitudes desesperadas” para proteger sua família.

— Sabemos que haverá reação contrária a esta articulação, mas é preciso calcular o custo-benefício. Ele renunciou, que é o que todos desejavam, e ganhará um tempo para trabalhar em sua defesa. Sabe-se lá que reações pode ter um animal que está encurralado. Acaba sobrando para todo mundo – afirmou ao GLOBO uma fonte a par das negociações.

Ronaldo Fonseca negou que já tenha decidido dar parecer favorável ao pedido de Cunha. Segundo o deputado, ele foi procurado ontem por Osmar Serraglio e informado de que chegaria à comissão o aditamento, alegando que Cunha foi julgado como presidente, e não como deputado.

— Serraglio terá que me notificar e serei obrigado a me pronunciar. Assinar para devolver para a estaca zero? Está louca? Eu teria que mudar do Brasil — disse Fonseca.

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Oposição agora espera cassação e prisão

Cardozo vai anexar carta de renúncia à defesa de Dilma no impeachment

Por: Cristiane Jungblut e Leticia Fernandes

 

BRASÍLIA- A manobra envolvendo a renúncia de Eduardo Cunha à presidência da Câmara foi explorada pela cúpula do PT, que usou o fato para atacar o governo interino de Michel Temer e reforçar a guerra contra o impeachment da presidente afastada Dilma Rousseff. No início da noite de ontem, Dilma se reuniu com a cúpula do PT e dirigentes do PCdoB, do PDT e de movimentos sociais no Palácio da Alvorada. Ela estava reunida com assessores à tarde, no momento da renúncia de Cunha. Como primeira reação, o ex-ministro José Eduardo Cardozo, advogado de defesa da presidente afastada na comissão do impeachment, disse que vai anexar a carta de renúncia de Cunha como prova na defesa de Dilma.

No encontro à noite, Dilma fez uma avaliação da conjuntura e, segundo relatos, falou sobre suas viagens pelo país e encontro com senadores indecisos.

— Sabemos que essa renúncia faz parte de um acordão maior. A simples renúncia não impacta muito (nos trabalhos da comissão do impeachment). Vamos lutar para que Cunha seja cassado no plenário, e vamos denunciar os partidos que defenderem o mandato dele — disse o senador Lindbergh Farias (PT-RJ), que esteve no Alvorada.

AO GLOBO, Cardozo disse que Cunha confessou ter agido por vingança contra Dilma quando declarou que foi perseguido por ter aberto o processo de impeachment na Câmara.

— Isso mostra o caráter de vingança dele, porque o PT não fez qualquer tipo de acordo com ele. É mais uma prova, há evidências de desvio de poder — disse Cardozo.

O líder do PT na Câmara, Afonso Florence (BA), esteve no Alvorada e disse que a luta “anti-golpe” continua. Num ato falho, ao fazer a associação entre Temer e Cunha, o petista chamou o deputado afastado de “Michel Cunha”.

— É um acordo entre Eduardo Cunha e Michel Temer. É uma renúncia prevista que tem por objetivo blindá-lo para preservar o seu mandato e continuar a servir ao governo que ele elegeu — disse Florence.

As críticas não partiram só da oposição. O líder do DEM na Câmara, Pauderney Avelino (AM), reagiu à manobra de adiamento da sessão da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) para votar o recurso de Cunha:

— Já cancelaram a sessão da CCJ. Isso é muito sintomático. Não podemos concordar com essas coisas. Afinal, estaremos elegendo o presidente da Câmara e o vice-presidente da República.

O mais fiel aliado de Cunha, Carlos Marum (PMDB-MS), se disse triste, mas com a consciência tranquila.

— Eu fico triste porque tenho medo de que exista nisso tudo uma grande injustiça. Não havia como resistir a esse tsunami de pressões que o deputado vinha recebendo.

O líder do PSOL na Câmara, Ivan Valente (SP), comemorou duas vitórias:

— A primeira vitória é o fim da desmoralização da Câmara dos Deputados. E a segunda vai ser a cassação e prisão de Eduardo Cunha. Eduardo Cunha não comove ninguém.

O vice-presidente do Senado, Jorge Viana (PT-AC) , disse que Cunha expôs as "vísceras" da crise gerada pelo impeachment :

— O grande artífice, o grande engenheiro do impeachment hoje renunciou. (Cristiane Jungblut e Leticia Fernandes)

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Em carta, Cunha faz papel de vítima

Deputado se queixa de retaliação por impeachment e de perseguição à família

Por: FERNANDA KRAKOVICS

 

Na carta em que renuncia à presidência da Câmara, o deputado afastado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) queixou-se de perseguições e afirmou que, com o gesto, pretende pôr fim à instabilidade na Casa, que está “acéfala”. Ele disse que foi afastado do cargo e do exercício do mandato, pelo Supremo Tribunal Federal, em retaliação à abertura do processo de impeachment contra a presidente afastada Dilma Rousseff. O peemedebista voltou a negar recebimento de propina e que mantenha contas secretas no exterior. Abaixo, trechos da carta:

“É público e notório que a Casa está acéfala, fruto de uma interinidade bizarra, que não condiz com o que o país espera de um novo tempo após o afastamento da presidente da República. Somente a minha renúncia poderá pôr fim a essa instabilidade sem prazo. A Câmara não suportará esperar indefinidamente.”

“Estou pagando um alto preço por ter dado início ao impeachment. Não tenho dúvidas, inclusive, de que a principal causa do meu afastamento reside na condução desse processo de impeachment da presidente afastada, tanto é que meu pedido de afastamento foi protocolado pelo PGR (procurador-geral da República) (...) logo após minha decisão de abertura do processo. E o pedido de afastamento só foi apreciado em 5/5/ 2016, em uma decisão considerada excepcional e sem qualquer previsão constitucional, poucos dias depois da decisão desta Casa por 367 votos autorizando a abertura do processo por crime de responsabilidade.”

“Em decorrência dessas minhas posições, venho sofrendo também uma representação por quebra de decoro parlamentar por supostamente ter mentido a uma CPI, aberta por mim como presidente e na qual compareci espontaneamente para prestar esclarecimentos. ”

“Após a decisão da Câmara de instaurar o processo de impeachment (...), seis novos inquéritos foram abertos contra mim e duas novas denúncias foram apresentadas, sendo que muitos desses eventos se davam sempre às vésperas de deliberações no Conselho de Ética. Quero reiterar que comprovarei a minha inocência nesses inquéritos. Reafirmo que não recebi qualquer vantagem indevida de quem quer que seja.”

“Quero agradecer especialmente a minha família, de quem os meus algozes não tiveram o mínimo respeito, atacando de forma covarde, especialmente a minha mulher e a minha filha mais velha. Usam a minha família de forma cruel e desumana visando me atingir."

 

CRÍTICA A ALIADO ESCOLHIDO POR ELE PRÓPRIO

Cunha ataca o presidente interino da Câmara, Waldir Maranhão, levado por ele ao posto em acordo para vencer a eleição na Casa. Sem influência sobre deputados, Maranhão não vota projetos do interesse do governo Temer. Com a reprimenda, Cunha espera ajuda para escapar da cassação.

 

TROCA DE ACUSAÇÕES SOBRE O IMPEACHMENT

A presidente afastada Dilma Rousseff acusa Cunha de ter aceito o pedido de impeachment em retaliação aos votos do PT, no Conselho de Ética da Câmara, favoráveis à abertura de processo contra ele. O governo Dilma negar ter ingerência sobre a Lava-Jato.

 

CONTAS SECRETAS COM DINHEIRO DESVIADO

Cunha é acusado de ter contas secretas no exterior, com dinheiro de propina, e de ter mentido sobre a existência delas à CPI da Petrobras. Ele nega e diz ser beneficiário de trustes (entidades que administram recursos).

 

ACUSAÇÕES DE RECEBIMENTO DE PROPINA

Cunha é acusado de ficar com 80% da propina cobrada em troca de empréstimos do FGTS, de ter recebido US$ 5 milhões pela compra de navios-sonda pela Petrobras, e de receber R$ 5,2 milhões para facilitar a venda de um bloco de petróleo no Benin para a estatal brasileira.

 

MULHER E FILHA TAMBÉM SÃO INVESTIGADAS

O juiz Sérgio Moro aceitou denúncia contra Claudia Cruz, mulher de Cunha, acusada de lavagem de dinheiro e evasão de divisas. Segundo investigadores, há indícios de que parte da propina desviada da Petrobras foi usada para pagar cartões de crédito internacional utilizados por ela. A filha Danielle também é investigada.

Órgãos relacionados:

  • Câmara dos Deputados