Correio braziliense, n. 19345, 13/05/2016. Política, p. 6

"Jamais vou desistir de lutar"

Presidente afastada temporariamente se recolhe ao Palácio da Alvorada, mas promete cumprir agenda contra impeachment

Por: Naira Trindade, Jacqueline Saraiva e Natália Lambert

 

Com semblante cansado e olhos algumas vezes marejados, a presidente afastada Dilma Rousseff reconheceu erros e lembrou dos duros momentos da ditadura em discurso, na manhã de ontem, no Palácio do Planalto. “O destino sempre me reservou muitos desafios. Alguns pareciam intransponíveis, mas eu consegui vencê-los. Eu já sofri a dor indizível da tortura; a dor aflitiva da doença; e agora eu sofro mais uma vez a dor igualmente inominável da injustiça. O que mais dói, neste momento, é a injustiça. O que mais dói é perceber que estou sendo vítima de uma farsa jurídica e política”, disse, com a voz embargada. “Mas eu não esmoreço”, complementou.

Acompanhada de deputados, senadores, ministros e aliados, a presidente reconheceu que cometeu erros. “Como presidente, nunca aceitei chantagem de qualquer natureza. Posso ter cometido erros, mas não cometi crimes. Estou sendo julgada injustamente por ter feito tudo o que a lei me autorizava a fazer. Os atos que pratiquei foram atos legais, corretos, atos necessários, atos de governo. Atos idênticos foram executados pelos presidentes que me antecederam. Não era crime na época deles, e também não é crime agora”, disse. Para Dilma, “a maior das brutalidades que pode ser cometida contra qualquer ser humano é puni-lo por um crime que não cometeu”, afirmou.

A petista frisou que continuará lutando pelo mandato até o último dia. “A luta pela democracia não tem data para terminar: é luta permanente, que exige de nós dedicação constante”, frisou. “A história é feita de luta e sempre vale a pena lutar pela democracia. A democracia é o lado certo da história. Jamais vamos desistir, jamais vou desistir de lutar”, repetiu a presidente, que após o discurso de 14 minutos dentro do Planalto, falou também para cerca de 3 mil manifestantes que a aguardavam do lado de fora do prédio.

Antes de se despedir, Dilma repetiu que o governo de Michel Temer não resolverá a crise do país. “Um governo que nasce de um golpe, de um impeachment fraudulento, nasce de uma espécie de eleição indireta, um governo que será ele próprio a grande razão para a continuidade da crise política em nosso país”.

 

Fôlego

Após a declaração à imprensa, a presidente saiu do Planalto pelo térreo e se encontrou no lado de fora com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que a recepcionou com um longo abraço. Ao pé da rampa do Planalto, cercada por uma multidão de manifestantes, a petista parece ter se renovado com os gritos de “Dilma guerreira da nação brasileira” e a tristeza e a formalidade do discurso inicial foram deixadas de lado.

Com o microfone nas mãos, a presidente afastada pedia que  seguranças e câmaras deixassem que ela ver o povo. Dilma voltou a mencionar que o início do “golpe” da qual ela se diz vítima começou por “vingança”, pelo fato de o governo ter se recusado a dar a Eduardo Cunha, nas palavras dela, os votos na Comissão de Ética para que ele fosse absolvido.

A petista afirmou ter sido vítima de “chantagem” do deputado. “Não sou mulher para aceitar esse tipo de chantagem”. Bastante emocionada, a petista falou da tristeza do momento pelo qual passa, mas que se sente reconfortada pelo carinho dos apoiadores. “Vocês conseguem fazer com que a tristeza diminua e que eu tenha aqui, junto com vocês, o calor que vocês passam para mim. A tristeza é porque nós vivemos uma hora, que vou chamar de trágica, no nosso país”.

Usando praticamente o discurso feito momentos antes à imprensa, Dilma disse que o impeachment está “baseado em razões as mais levianas, as mais injustificáveis”. “Primeiro porque os atos de que me acusam são corriqueiros, atos que se fazem todos os dias, porque todos os presidentes que me antecederam os cometeram”, alegou.

“O que está em jogo também são todas as conquistas que tivemos nos últimos 13 anos desde o governo do presidente Lula. E as conquistas foram muitas, foram a elevação dos mais pobres e da classe média. Foi a proteção das crianças e dos jovens, que chegaram às universidades por cotas. Foi o pré-sal e o sonho da casa própria e tantas outras coisas”, comentou.

Ao atribuir ao seu governo a garantia de benefícios sociais, a petista falou que seus adversários seguem em uma tentativa de acabar ou reduzir os benefícios sociais. “Eles dizem: vamos tocar, vamos rever programas. Mas essas palavras têm só um significado: vamos reduzir e até acabar com eles”, acusou.