Valor econômico, v. 17, n. 3995, 02/05/2016. Política, p. A9

Dilma diz que oposição fará cortes no Bolsa Família

Lula não compareceu a evento do 1º de Maio em São Paulo

Por: Cristiane Agostine / Fernanda Pires / Daniel Rittner

 

A dez dias de seu possível afastamento do cargo por decisão do Senado, a presidente Dilma Rousseff anunciou ontem um "pacote de bondades", com medidas como o reajuste médio de 9% do Bolsa Família e a correção de 5% da tabela do Imposto de Renda sobre pessoa física a partir de 2017, para agradar à sua base social e tentar manter a militância nas ruas em defesa de seu mandato. Ao mesmo tempo em que distribuiu boas notícias a uma plateia de militantes petistas e integrantes de movimentospopulares, em evento de comemoração do 1º de maio no vale do Anhangabaú, em São Paulo, Dilma usou o tom de ameaça, semelhante ao da campanha de 2014, para dizer que se a oposição assumir a Presidência, programas sociais serão cortados e 36 milhões de pessoas perderão o Bolsa Família.

No evento organizado pela CUT com centrais sindicais e movimentos sociais para Dilma se reaproximar da base do PT antes de se afastar do cargo, a principal ausência foi a do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O petista cancelou a participação em cima da hora e deixou lideranças populares e a militância desapontados. A justificativa, segundo a assessoria de Lula, foi a de que estaria afônico. O fotógrafo e dois assessores do petista aguardaram o ex-presidente até pouco antes da chegada de Dilma. Petistas e líderes sociais dividiram-se entre aqueles que acharam que foi um sinal de que o ex-presidente já abandonou Dilma e entre os que avaliaram que Lula não queria tirar o "protagonismo" da presidente.

No ato, que poderá ser o último de Dilma com os movimentos populares antes do afastamento, a presidente anunciou também a contratação de ao menos 25 mil moradias no Minha Casa, Minha Vida; o aumento da licença paternidade de 5 dias para 20 dias para o funcionalismo público; o Plano Safra da Agricultura Familiar, com recursos para o programa de aquisição de alimentos e para assistência técnica, que deve ser divulgado amanhã; a prorrogação do Mais Médicos por três anos e a criação de conselho tripartite, com trabalhadores, empresários e governo.

Segundo Dilma, o reajuste do Bolsa Família já estava previsto desde 2015, quando o governo enviou o orçamento para o Congresso, em agosto. "Essa proposta foi aprovada pelo Congresso e, diante do quadro atual, tomamos medidas que garantem um aumento na receita deste ano e nos próximos anos para viabilizar esse aumento", disse. "Tudo isso sem comprometer o cenário fiscal". O último reajuste foi em 2014.

Com os anúncios, Dilma se antecipou a um eventual aceno do vice-presidente Michel Temer (PMDB) à população mais carente, com o reajuste do Bolsa Família. A presidente pretende também gerar desgaste político a Temer caso o pemedebista vete as medidas.

O grupo mais próximo de Temer ficou inconformado como o anúncio foi feito, porque o documento "Travessia Social", uma espécie de roteiro do PMDB para a área social, já deixava em aberto um possível reajuste no início do provável governo Temer. A diferença, segundo um interlocutor do vice, era apontar as fontes de recursos e só fazer a correção mediante corte de gastos. "Ela deu um cheque sem fundo", disse um aliado, que afirmou que Temer deve manter esse reajuste.

Em cima do palanque, Dilma não citou diretamente Temer, mas atacou os que querem tirá-la do cargo e disse à plateia que os direitos sociais estão sob ameaça. "A mais perversa proposta deles é acabar com uma parte do Bolsa Família", afirmou Dilma, sempre usando o "eles" para falar da oposição ao seu governo e a seu vice.

A presidente disse que Temer quer restringir o Bolsa Família para os 5% mais pobres do país, o que equivale a cerca de 10 milhões de pessoas. Em seguida, afirmou que hoje cerca de 47 milhões de pessoas recebem o benefício. "Serão 36 milhões que vão ser entregues às livres forças do mercado para se virar. Vão acabar com o Bolsa Família para 36 milhões de brasileiros e brasileiras",afirmou.

Durante todo o discurso, a presidente reforçou que os "prejuízos" que poderão ser causados pelo "golpe", com Temer. "É um golpe contra as conquistas dos trabalhadores", disse. "Eles propõem o fim da política de valorização do salário mínimo, que permitiu aumento de 76% acima da inflação desde o governo Lula", afirmou. Dilma disse também que "eles querem" acabar com o reajuste dos aposentados, vinculado ao salário mínimo"; "acabar com a obrigatoriedade dos gastos com saúde e educação"; "transformar a CLT em letra morta", e "privatizar tudo o que for possível". "A primeira vítima [da privatização] é o pré-sal", disse.

Para a presidente, sempre que "eles falam" que vão rever políticas sociais é sinal de que vão "acabar com elas" e citou o Pronatec e o Minha Casa, Minha Vida. "Querem acabar com o subsídio do Minha Casa, Minha Vida. Querem acabar com os movimentos de moradia". A fala de Dilma gerou reação no entorno de Temer. O ex-ministro Moreira Franco, um de seus principais aliados, escreveu no Facebook que Dilma "insiste na manipulação e na propaganda enganosa" e disse que a proposta é manter o Bolsa Família paratodos e "melhorar para os 5% mais pobres".

Durante o ato do 1º de maio, a presidente afirmou que "vai resistir" e "lutar até o fim" para defender o projeto político que foi eleito por 54 milhões de pessoas. "A luta agora é muito mais ampla", disse. "É a resistência pela perda de direitos, e é uma luta a favor dos direitos sociais e pela democracia". "O projeto que querem impor não foi o vitorioso em 2014. Se querem implementar esse projeto, terão que ir às urnas em 2018. Se querem chegar sem voto numa eleição indireta, não passarão".

A presidente repetiu que não recebeu propina e nunca foi acusada de corrupção e afirmou que "inventaram um crime" contra ela. "Em 2015, fiz seis decretos chamados de suplementação. O Fernando Henrique Cardoso, em 2001, fez 101 decretos de suplementação. Para ele não era nenhum golpe nas contas públicas, para mim é golpe nas contas públicas. Então vejam vocês, dois pesos e duas medidas porque não tem do que me acusar, é constrangedor. Quero que vocês pensem comigo: ora, se não tem base para o impeachment o que é que está havendo?", questionou. "Golpe", respondeu o público.

Durante o discurso, a presidente foi interrompida por gritos de "Fica Dilma" e "Fica querida".

O público, estimado em 100 mil pela CUT, foi a metade do que se reuniu no mesmo local há quinze dias, para assistir em um telão à votação do impeachment de Dilma pela Câmara- segundo estimativa também da CUT. Ontem, a Polícia Militar informou que não fez estimativa de participantes.

Foi a primeira participação de Dilma como presidente em um ato do 1º de maio. Antes do evento, líderes de movimentos sociais reclamaram da demora da presidente em promover ações que beneficiem a base social.

Para João Paulo Rodrigues, liderança do MST, Dilma até agora "só fez gol contra". "O problema é que o governo no último ano só fez gol contra. Qual é a diferença agora? O governo parou de fazer gol contra. Não significa que fez um gol em nosso favor ainda. Pode ser que hoje ela marque um pênalti ao lançar alguma coisa", afirmou "Mas se pegar nos últimos meses o que de efetivo foi aprovado que beneficie o conjunto da classe?". Coordenador-geral da Central de Movimentos Populares, Raimundo Bonfim disse que as medidas deveriam ter sido anunciadas no início da gestão. "Era para ter sido bem antes". (Colaborou Daniel Rittner, de Brasília)

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