Correio braziliense, n. 19318, 16/04/2016. Brasil, p. 9

16/04/2016 Correio Braziliense - BRASIL - pág.9
 

Atraso municipal

Estudo do IBGE divulgado nesta sexta-feira mostra que 70% das unidades municipais não têm estrutura para cuidar de planejamento urbano, gestão ambiental e articulação com outros municípios, estados e a União

 

Dos 5.570 municípios brasileiros, 70% não realizam licenciamento ambiental de empreendimentos e atividades que têm impacto na natureza. Metade dos municípios não conta com plano diretor, instrumento básico que traça diretrizes para o desenvolvimento e o ordenamento urbano. Os dados são do Perfil dos Municípios Brasileiros (Munic) 2015, levantamento do IBGE divulgado ontem, e revelam a ausência de um corpo técnico capacitado para desempenhar esse tipo de tarefa nas prefeituras, em especial nas cidades pequenas e médias.

Desde 1999, a Munic se propõe a investigar de forma abrangente o funcionamento das instituições públicas municipais. Os temas abordados nesta edição são: recursos humanos e para a gestão, planejamento urbano, terceirização e informatização, gestão ambiental e articulação com outros municípios, estados e União. Alguns números foram apresentados em sua série histórica, desde 2005. No caso do plano diretor, o IBGE constatou que há dez anos somente 14,5% dos municípios possuíam o documento.

“O plano não é fácil de ser elaborado, os municípios têm dificuldade de se organizar. Precisa ser debatido e aprovado pela Câmara dos Vereadores”, disse a gerente da Coordenação de População e Indicadores Sociais do IBGE, Vânia Maria Pacheco. O Estatuto das Cidades, lei de 2001, estabeleceu que o plano é obrigatório para municípios com mais de 20 mil habitantes, que integram regiões metropolitanas, áreas turísticas ou de grandes empreendimentos, com significativo impacto ambiental. A Munic constatou que 95% das cidades do País têm algum tipo de instrumento de planejamento, tais como leis de perímetro urbano e sobre ocupação do solo.

A pesquisa revelou, ainda, que só 22% das cidades estão em processo de elaboração da Agenda 21 local, mecanismo que traça diretrizes para políticas públicas no setor ambiental. A carta de intenções envolve tanto os governos quanto a sociedade civil e traz ao nível municipal questões de desenvolvimento sustentável debatidas na conferência Eco 92, no Rio.

“É preciso mudar a cultura dos prefeitos e capacitar o corpo técnico dos municípios. Em geral, eles incham a folha de pagamento, empregam parentes, prestam favores políticos, não têm funcionários de carreira”, criticou, ao avaliar os dados, o pesquisador Emílio La Rovere, coordenador do Laboratório Interdisciplinar de Meio Ambiente do programa de pós-graduação em engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Em relação ao baixo índice de municípios que fazem licenciamento ambiental, ele defende que as prefeituras ajam apenas quando se trata de empreendimentos pequenos, como postos de gasolina e edifícios, cabendo aos estados, com maior capacidade operacional, a análise das licenças a serem concedidas a complexos industriais, mineradoras e outras iniciativas robustas.

O ambientalista Carlos Bocuhy, presidente da ONG Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental, lembra que os municípios ficam mais expostos a pressões políticas nesses casos, ao contrário dos governos estaduais. “Desverticalizar o licenciamento não significa democratizá-lo. Sob o ponto de vista da isonomia da decisão sobre o licenciamento, o melhor é o município não fazê-lo, até porque pouquíssimos atingiram a maturidade do ponto de vista de viabilidade de gestão ambiental. Quando se tem uma pequena cidade e chega uma grande empresa para se instalar, a tendência imediata é que haja adesão tanto do setor público quanto do privado, pela geração de empregos e a movimentação da economia. Politicamente, é uma moeda de troca.”

“É preciso mudar a cultura dos prefeitos e capacitar o corpo técnico dos municípios. Em geral, eles incham a folha de pagamento, empregam parentes, prestam favores políticos, não têm funcionários de carreira”

Emílio La Rovere, pesquisador da Universidade Federal do Rio de Janeiro